Vinhos Míticos: Château Latour

Vinícola Latour em Bordeaux, na França - Acervo pessoal

Já escrevi sobre Bordeaux, quando mencionei uma classificação de seus vinhos, elaborada a pedido de Napoleão III, para a Exposição Universal de Paris de 1855, visando revelar os produtos agrícolas e industriais franceses para outros mercados. Incluindo a enocultura do país, já então bem célebre. Por que só classificar Bordeaux e não Bourgogne e outras regiões? Num próximo artigo abordarei mais profundamente esse tema, leitor. Por agora, faço menção a essa Classificação de 1855 – que ainda hoje demarca os vinhos da margem esquerda (do rio Gironde) de Bordeaux em 5 crus. Palavra de tradução difícil.

Ao pé da letra, “cru” significa “crescido”, “cultivado”, mas em enologia denomina um vinhedo ou terroir específico. No caso da classificação enológica bordalesa, exprime nível de qualidade. Naqueles idos de 1855, a Chambre de Commerce de Bordeaux (associação comercial de lá), a pedido de Napoleão III, elaborou uma lista, do 1ere ao 5eme cru, lastreada prioritariamente no preço de cada vinho. O que era fortemente influenciado pelo mercado inglês – essa parte da história fica para outra conversa. No topo da classificação dos tintos, os premiers crus: Haut Brion, Château Margaux, Château Lafite-Rothschild e Château Latour. É sobre esse último que falo hoje.

Trata-se de um Premier Grand Cru Classé, localizado na subregião de Pauillac, atualmente com 78 hectares de vinhas. Os registros mais antigos datam de 1331 e dão conta que um certo Gaucelme de Castillon construiu uma torre no entorno da paróquia local. Que pouco depois, na Guerra dos 100 anos (1337 a 1453), serviu como fortaleza e controle do estuário do Gironde para as tropas inglesas, que então dominavam a região da Aquitânia. Até sua queda para as tropas francesas, quando a torre original foi destruída e posteriormente, no século XVII, reconstruída no seu formato arredondado atual. Como você sabe, amigo, torre em francês é tour. O que inspirou o nome da propriedade. Inicialmente La Tour de Lambert e depois Latour.

O primeiro bom passo da sua história enológica se deu na passagem dos séculos XVII para XVIII, quando, após uma sucessão de casamentos e heranças, Alexandre de Ségur assumiu o controle. Seu filho, Nicolas-Alexandre de Ségur, deu grande impulso à vinícola e à história de Bordeaux, ao colocar sob controle da família, além de Latour, os Châteaux Lafite, Mouton e Calon-Ségur, levando Luis XV a chamá-lo de Príncipe dos Vinhedos. Pense num cara sortudo! Ter que decidir qual desses vinhos ele iria degustar naquele dia. Ah, eu no lugar dele... Deus sabe o que faz! Na revolução francesa, Latour foi dividida, mas posteriormente reorganizada.

Atualmente produz três vinhos, todos tintos, predominantemente de Cabernet Sauvignon: Château Latour (o grand vin), Les Forts de Latour (segundo vinho) e Pauillac de Latour (terceiro vinho). É hoje um dos maiores ícones do mundo do vinho. Infelizmente, com preços absurdamente elevados.

Poucas vezes degustei essa joia da enologia e destaco duas delas. Pelas mãos de generoso amigo, conheci o Latour 1959, uma das melhores safras da história de Bordeaux. Na ocasião a garrafa tinha 57 anos de idade e estava irretocável, maravilhosa. Coisa rara em vinho “tranquilo” (não fortificado ou adocicado). Semanas atrás, em um grupo de degustação, bebi o Latour 1966 (58 anos). Também estupendo! Comprovando a imensa qualidade desse vinho mítico. Tim, tim, brinde à vida. 

 

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