Fornecimento de medicamentos pelo SUS: o que mudou?

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Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o Tema 6 que aborda uma questão de grande relevância para o sistema de saúde brasileiro: a possibilidade de obtenção de medicamentos não incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS) através de ações judiciais. O aumento da judicialização da saúde, particularmente no que diz respeito ao fornecimento de medicamentos de alto custo ou não incluídos nas listas oficiais do SUS, tem gerado um intenso debate sobre a sustentabilidade do sistema e a garantia de acesso a tratamentos eficazes e seguros.

No julgamento, o STF determinou que o Estado tem o dever de fornecer medicamentos não incorporados ao SUS, mas estabeleceu critérios rigorosos e  específicos que devem ser seguidos para que um paciente consiga obter um medicamento pelo SUS, não incluído nas listas de medicamentos disponibilizados rotineiramente. Os requisitos são os seguintes:

1. Avaliação Médica e Prescrição:  avaliação médica por um profissional de saúde, que deve ser registrado e habilitado para prescrever o medicamento necessário ao paciente. Após o diagnóstico, o médico deve prescrever o medicamento justificando sua necessidade, explicando por que os tratamentos disponíveis no SUS não são suficientes ou adequados para o caso do paciente.

2. Comprovação de Eficácia e Segurança: O medicamento prescrito deve ter sua eficácia e segurança comprovadas com base em evidências científicas. O paciente, com o auxílio do médico, deve reunir documentos e relatórios que comprovem que o medicamento é eficaz e necessário para o tratamento específico de sua condição. Caso o medicamento ainda não esteja registrado na ANVISA, é necessário que ele seja autorizado por renomadas agências internacionais, e deve-se justificar por que ele é imprescindível para o tratamento.

3. Comprovação de Ausência de Alternativas no SUS: É necessário demonstrar que não há alternativas terapêuticas disponíveis no SUS que possam atender às necessidades do paciente. Isso significa que o paciente ou seus representantes devem comprovar que já tentaram os tratamentos oferecidos pelo SUS e que estes não foram eficazes ou não são apropriados para o seu quadro clínico.

4. Solicitação Administrativa: Antes de ingressar na via judicial, o paciente deve fazer uma solicitação administrativa do medicamento junto ao SUS. Essa solicitação deve ser formalizada nos canais de atendimento do SUS, apresentando toda a documentação médica e justificativas necessárias.

Note-se que, um dos pontos cruciais abordados no julgamento, é a garantia de que os medicamentos obtidos judicialmente sejam seguros e eficazes. O STF frisou a importância da medicina baseada em evidências, exigindo que os medicamentos pleiteados nas ações judiciais tenham sua eficácia comprovada e sejam autorizados por agências reguladoras, como a ANVISA, salvo em situações excepcionais. Essa medida visa proteger os pacientes de tratamentos experimentais ou inseguros, ao mesmo tempo que impede o desvio de recursos para fármacos que não oferecem resultados claros. Por isso, o juiz deverá solicitar nota técnica ao Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário em Saúde (NAT-JUS) para analisar a solicitação e garantir que o pedido atende aos critérios definidos pelo STF. Esse parecer técnico é importante para avaliar a eficácia e a necessidade do medicamento, auxiliando o juiz na tomada de decisão.

Vale ressaltar que a indústria farmacêutica tem um papel central nesse cenário, tanto como provedora de medicamentos quanto como interessada nas demandas judiciais. Muitas vezes, a judicialização da saúde é impulsionada por campanhas de marketing ou pressões exercidas por representantes da indústria, que incentivam médicos e pacientes a demandarem tratamentos específicos, mesmo que não estejam disponíveis no SUS. Por isso, a transparência no processo de incorporação de medicamentos e a fiscalização das demandas judiciais são passos fundamentais para garantir que os recursos públicos sejam utilizados de maneira justa e eficiente.

Por outro lado, sabe-se que os pacientes que buscam medicamentos através de ações judiciais enfrentam uma série de barreiras que dificultam o acesso aos tratamentos. A exigência de comprovação de que o medicamento é imprescindível e de que não existem alternativas no SUS, assim como a necessidade de avaliação de cada caso por comitês técnicos, pode prolongar o tempo de espera para o início do tratamento. 

Para muitos, o processo judicial se torna uma luta desgastante, tanto emocional quanto financeira, especialmente quando envolve medicamentos e tecnologias novas ainda não disponíveis no sistema público. Nesse contexto, de fato, serão necessários esforços para o cumprimento dos requisitos mencionados. 

Sem dúvida, o julgamento em questão é uma tentativa de equilibrar o direito à saúde com a sustentabilidade do SUS. A decisão reconhece o direito dos cidadãos de buscar judicialmente o acesso a medicamentos não oferecidos pelo sistema público, mas também impõe medidas para garantir que esses tratamentos sejam seguros e eficazes, além de coibir fraudes e evitar a pressão desproporcional da indústria farmacêutica. 

Nesse contexto, a responsabilidade dos atores envolvidos, como médicos, pacientes, gestores públicos e operadores do direito se torna essencial para assegurar que o direito fundamental à saúde seja respeitado e que os recursos públicos sejam utilizados de maneira eficaz e justa. Devem ser buscadas soluções que equilibrem a viabilidade financeira do sistema de saúde com a prestação dos tratamentos de que a população necessita, sempre priorizando a eficiência, a transparência e o uso racional dos recursos.

A decisão do STF, com efeito vinculante, evidencia o papel dos julgadores na definição dos critérios que permitem ou não a concessão de medicamentos e tratamentos, impondo-lhes atuar com a consciência de que suas decisões impactam não apenas o paciente beneficiado pela ordem judicial, mas também a estrutura do SUS e outros indivíduos que dependem do sistema. Portanto, o compromisso com a justiça social, a observância das evidências científicas e a proteção contra abusos são pilares fundamentais para as suas decisões.

No entanto, é essencial que o sistema judicial e o SUS não imponham obstáculos que tornem ainda mais difícil o acesso à saúde pelas pessoas que dependem do SUS e da Defensoria Pública para garantir seu direito fundamental à saúde. 

É imprescindível que, na tentativa de proteger a sustentabilidade do SUS, não sejam criados obstáculos desnecessários que acabem prejudicando os cidadãos mais vulneráveis, aqueles que já enfrentam desafios consideráveis para assegurar seus direitos. O Judiciário e os gestores públicos precisam atuar de maneira a facilitar o acesso à saúde para todos, garantindo que as exigências legais não resultem em um fardo adicional que torne o direito à saúde praticamente inacessível para parte da população. Em especial, o apoio à Defensoria Pública deve ser fortalecido para que possa cumprir seu papel de garantir acesso à Justiça àqueles que mais precisam, evitando que os processos judiciais sejam uma barreira intransponível.

Assim, é necessário um compromisso conjunto na aplicação da novel decisão do STF, para que o direito à saúde seja efetivado de forma responsável, eficiente e igualitária, protegendo tanto os interesses dos pacientes como a sustentabilidade do sistema público de saúde, que é de todos. 

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