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Folha Gastronômica

Batatas em Marte

Ilustração/Folha de Pernambuco

Não, caro leitor, não se trata de ficção científica. Vamos ter mesmo batatas plantadas em Marte, brevemente. Esse é o plano da Nasa – agência espacial dos EUA. Ela planeja, para a década de 2030, o envio dos primeiros astronautas para aquele planeta.

Em uma viagem que dura seis meses na ida e igual tanto na volta, além de um ano e meio de espera em Marte. Principal preocupação, na logística da missão, é a alimentação. E a primeira experiência será com a batata. Não por acaso. Que ela é nutritiva e calórica. Não fosse pouco, também é rica em vitamina C, ferro e zinco. A agência norte-americana se uniu ao Centro Internacional da Batata (CIP), no Peru, para plantar os tubérculos experimentalmente num ambiente que simula as condições do planeta vermelho.

Para isso escolheram as terras vulcânicas e inóspitas do deserto de Pampa de La Joya (fronteira do Peru com o Chile). Levando, depois, as mudas para um laboratório com a atmosfera de Marte (95% de dióxido de carbono); bem diferente daquela da Terra, formada por nitrogênio e oxigênio. Os Estados Unidos não foram os primeiros a reconhecer os méritos da batata. Tudo começou em 16 de novembro de 1532, no dia em que o império Inca desmoronou e Pizarro entrou em Cajamarca. Eram 168 espanhóis bem armados contra 80.000 inocentes incas.

No fim daquele dia, 7.000 corpos se amontoavam no chão. Nenhum espanhol. E não foram mais porque os braços cansaram de matar. Daquela civilização esplendorosa pouco sobrou. Na produção de alimentos, por exemplo, os incas usavam técnicas bem mais avançadas que as então empregadas na Europa. Eram mestres no cultivo de abóbora, algodão, cacau, feijão, milho, pimentão, tomate. E de um tubérculo que, nascido ali mesmo, logo ganharia o mundo – a papa (batata). Aconteceu quase o mesmo em relação aos astecas. Com Hernán Cortez no lugar de Pizarro. Incas e astecas eram muito parecidos. Na devoção aos deuses – lua, relâmpago, sol, trovão.

E no gosto pela mesa. Há registro de corredores se revezando para trazer, do golfo até Tenochtitlan, peixes e mariscos frescos para o imperador asteca Montezuma II. Com o fim da epopeia devastadora, os conquistadores espanhóis levaram para casa pedras e metais preciosos. E, também, aquela papa. Fácil de cultivar e capaz de permanecer armazenada, por muito tempo, sem perder o sabor. Garantia, pois, para as longas viagens marítimas e invernos rigorosos. Boa também para saciar a fome do povo. Tudo o que os reinos de Aragão, Castela e Sicília precisavam, àquela época.

A Corte espanhola, no início, não lhe deu valor. Era apreciada só por camponeses. Ali e no resto do continente, durante quase um século, ficou sendo sobretudo alimento de animais – dada a crença de que transmitia lepra aos homens. E alguns casos chegaram mesmo a ocorrer. Provavelmente porque acabava contaminada por águas impuras, carregadas desta peste, despejadas na terra em que brotava. Como acontecia com o arroz. Só aos poucos foi sendo usada, com muita prudência, em quartéis e asilos. Seu prestígio viria mesmo só com a Revolução Francesa. Mas esse tempo ainda estava longe.

Depois da Espanha foi para a Inglaterra, já no séc. XVII. Em corruptela de seu nome original, acabou por lá sendo potato. Esta batata, que chamamos de inglesa, de inglesa mesmo não tem nada. Não foi o primeiro caso. Nem será o último. Carmem Miranda não era brasileira – era portuguesa. Carlos Gardel não era argentino – era uruguaio (ou espanhol, segundo outras versões). Vivien Leigh não era americana – era inglesa. Margot Fontaine não era francesa – era inglesa, filha de mãe brasileira. Mas, mesmo ali, o prestígio da batata continuava pouco. Não por acaso sendo descrita, em 1680, como “planta ornamental nos jardins ingleses, também usada como comida para pobre”, pelo botânico inglês Robert Morrison (em Plantarium Historiae Universalis Oxoniensis),.

Por sua semelhança com o jeito da trufa europeia, recebeu curiosa definição do cientista Charles de l’Ecluse – “trufa estranhamente insípida”. Os próprios nomes que a batata ganhou, em países vizinhos, expressam isso: kartoffel, na Alemanha; kartoschka, na Rússia; tartufoli, na Itália (onde acabou, depois, patata mesmo). Na Rússia, o czar Pedro Alekseievitch, O Grande , voltou apressado de viagem, mandou executar um filho e apresentou essa batata ao povo – passando, ali, a ser conhecida como maçã do diabo.
(Continua na próxima coluna).

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