'As escolas permanecerão como o centro físico do processo educacional', destaca Luciano Meira

Luciano Meira, pedagogo, mestre em psicologia cognitiva e Ph.D em educação matemática - Arquivo Pessoal

Luciano Meira é Ph.D em educação matemática pela Universidade da Califórnia (Berkeley/EUA, 1991), mestre em psicologia cognitiva e bacharel em pedagogia. Atua como professor adjunto de psicologia na Universidade Federal de Pernambuco, professor colaborador da Cesar School (Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife) e Coordenador de Ciência e Inovação da Joy Street, uma empresa de tecnologias educacionais lúdicas da qual é sócio fundador no Porto Digital.

Sem dúvidas, um dos expoentes da educação de Recife e de Pernambuco. Um companheiro de lutas e utopias, dotado de inteligência sofisticada e que influencia projetos públicos e privados com forte impacto no mundo, no Brasil e na nossa região.

Foi um prazer bater um papo com ele sobre temas tão atuais, ainda mais relevantes diante do contexto pandêmico. Muitas transformações ocorrerão, mas precisamos compreendê-las e aproveitá-las da melhor forma possível. Suas ideias apresentadas nesta entrevista deixam reflexões ricas e importantes para todos que participam de arquiteturas educacionais.

Abaixo, um resumo do papo.

 

Pergunta Papo de Primeira:

Luciano, muito se fala da “Educação para o século XXI” ou “Competências para o século XXI”, para muitas pessoas já um bordão cansativo. Afinal, estamos em 2021 e já se foram 20 anos deste século XXI. Além disso, parece que continuamos presos nos modelos educacionais dos séculos passados, do XX ou mesmo do XIX, concorda?

Vamos lá, estamos a 1/5 deste século, mas ainda faltam 80 anos pela frente, portanto muita coisa ainda pode e deve acontecer. Mudanças climáticas ou inclusive possíveis novas pandemias. Sendo assim, chega a ser engraçado já termos definido as competências do século presente, sendo que ainda falta tanto a acontecer.

Há coisas perenes que já deveriam estar sendo exercitadas, um conjunto de competências que do ponto de vista de exercício da humanidade - inclusive para enfrentar esses desafios das vacinas, por exemplo - não poderiam estar sendo desenvolvidas sem colaboração. Na ciência, a colaboração sempre foi importante. Portanto, podemos considerá-la como uma competência do século XVI, na verdade.

O problema é que precisamos de mais competências e mais urgentemente. Não que estejamos atrasados, estamos exercitando pouco. Colaboração, criatividade, inovação, processos argumentativos são competências do século XVI, XIX e XXI, a diferença é que hoje precisamos mais delas e precisamos exercitar elas na escola.

 

Pergunta Papo de Primeira:

Luciano, seguindo a premissa da crença nas transformações que a pandemia acelerou, entre elas podemos citar o ensino híbrido. Parece que ele ficará de forma mais estabelecida. Qual tua opinião sobre essa evolução? Você acredita que ele pode contribuir para inovações didáticas ou somente para repetir mais do mesmo do que já vivenciamos no presencial?

Rogério, temos várias concepções sobre o que é ensino híbrido, mas estamos considerando aqui híbrido como a mistura do presencial e do virtual. Hora numa aula, hora num workshop online, formas diferenciadas de acesso. Já existiam e ganham força com a pandemia.

Então, posso transformar a pergunta em um exemplo prático: pós-pandemia (sim, tenho fé que tudo isso vai passar), imagine daqui a uns 2 ou 3 anos um jovem adolescente que não pode comparecer no dia da prova por algum motivo e o professor diz que ele já teve sua chance e perdeu. O jovem poderá questionar: “mas se eu estava em casa, por que a prova não chegou pra mim?”. Se essa questão foi sanada na pandemia, por que não poderá ocorrer depois? Sem dúvida, uma demanda legítima, que teremos que tratar. Vamos ter que redesenhar esse negócio para ser consistente com o que a gente vem fazendo.

Sou do time que acredita que os relacionamentos afetivos e intelectuais são o core, o eixo central que movem o processo de aprendizagem, que são construídos sobretudo presencialmente, e que a escola vai voltar a ser o centro físico da educação nos formatos escaláveis que ali são permitidos, mas vamos precisar redesenhar o processo para certas práticas, para contemplar certas situações de forma mais fácil. E, portanto, possamos de certa maneira escalar o fenômeno escolar para além de sua fisicalidade, mas de novo: garantindo a proximidade física entre os atores como base.

Portanto, os cenários híbridos de escolarização serão necessários para ganharmos escala, para permitir um sistema que seja capaz de democratizar práticas de gestão e de ensino que alguns professores têm mais e outros têm menos, e para fazermos com que os que têm menos acessem os que têm mais práticas inovadoras. Esses são os desafios dos espaços híbridos e que vão envolver os processos artesanais presenciais com nossa capacidade de escalar para redes inteiras.

Luciano Meira no Papo de Primeira, em entrevista pelo Zoom

Pergunta Papo de Primeira

Mas Luciano, essa possibilidade de expandir o centro físico vai permitir escalar o digital, e portanto, explorar melhor a capacidade de jogo (gamefication), do brincar que é tão importante em todas as etapas da formação na educação básica e para o mercado de trabalho? Como você vê o espaço do jogo neste cenário pós-pandemia?

Olha não apenas eu, mas também várias publicações respeitadas como o Relatório Horizonte, que reúne um grande número de especialistas que constroem insights e foresights sobre o processo de educação e gamefication, observam o movimento de trazermos arquiteturas e estratégias dos vídeo games, como técnicas para melhor mobilizar e engajar as pessoas no processo aprendizagem, melhorando o desempenho. Constantemente, eles apontam as metodologias ativas como um dos exemplos de práticas inovadoras com capacidade de melhorar esse aprendizado

No entanto, certamente esse não é o único caminho. Trabalho com isso na Joy Education e lá desenvolvemos plataformas inteiras baseadas em vídeo games, mas a gamefication é uma das possibilidades de usar a tecnologia para escalar práticas de ensino e aprendizagem. A tecnologia de inteligência artificial (IA), por exemplo, está chegando no seu esplendor. Chatboots que ajudam os estudantes a buscar de forma competente temas na internet fazem as vezes de um tutor que ajuda a realizar pesquisas no Google, atualmente com aplicações interessantes na China, considerada o grande celeiro do uso da tecnologia artificial na educação.

Não se trata de substituir o professor. Tal questionamento é descabido na sua essência. É uma pergunta de quem não entende como funciona a educação.  A relação aluno professor em qualquer fenômeno de aprendizagem é fundamental. A pergunta é como apoiar e como escalar a prática inovadora de um professor. Tanto o jogo como a IA são algumas das tecnologias digitais que estamos vendo cada vez mais, mas sempre apoiando a relação central entre professor e aluno.

 

Pergunta Papo de Primeira:

E qual é sua utopia para educação do Brasil?

Nossa! No tocante ao Brasil... no que diz respeito ao Brasil, tenho um desejo para o futuro próximo e uma utopia de fato, que se trata de sonhos mais longínquos. No futuro próximo, espero que o MEC (Ministério da Educação) volte a ser um sistema operacional, que seja um instrumento de realização do presente. Da distribuição de recursos feito de forma correta, no tempo certo, no local certo. Absolutamente necessário para não parar o presente, para que o presente possa ocorrer dentro do possível, diante da tragédia fora de controle que vivemos no momento. Esse é meu desejo no futuro próximo.

Para o futuro médio, colocar a educação no centro e como prioridade nacional. O que não tem ocorrido há algum tempo. Foi em um momento breve na história, na minha opinião, com a universalização do ensino, algo que está se perdendo de novo, pois existe uma corrente do homescholing, hoje um grande debate nacional. Temos um sistema nacional super complexo e estamos discutindo homescholing nesse momento? Quando a grande prioridade deveria ser o combate à evasão escolar, fazer com que no pós pandemia os jovens retornem aos estudos, evitar uma catástrofe maior nesta geração.

Já a utopia tem que ser um sonho grande para futuros distantes, para os outros 80 anos do século. Assim, vejo que precisamos de um grande movimento nacional e transnacional de colocar a criança no centro do propósito de recuperação do próprio planeta. Já mencionamos aqui as catástrofes climáticas, as emergências sérias que a maioria das pessoas não está atentando e encarar isso requer uma grande capacidade de resolução de problemas complexos de forma colaborativa, como foi agora na pandemia.

E vamos precisar de muito mais esforço! Recentemente, vi que numa região da França houve uma variação de 30 graus na temperatura durante um mesmo dia, devido a movimentos de pressão na atmosfera jamais reportados naquela área. Se isso ficar restrito a grupos de cientistas em suas conferências e a gente não alastrar esse conhecimento, inclusive com a formação de mais cientistas para mais conferências, e os não cientistas começarem a aceitar e apoiar a ideia de emergência para acharmos soluções para este problema, temo pelo futuro.

Então, minha utopia é o futuro da humanidade, que está na educação, na produção de mais conhecimento, de mais pessoas disponíveis para resolver mais problemas complexos através da colaboração.  

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