Eduardo Carvalho: ‘É preciso priorizar uma educação de qualidade no Brasil e evoluir no pensamento crítico sobre o processo’

Eduardo Carvalho, CEO da ABA Global Education - Arquivo Pessoal

Eduardo Carvalho é pernambucano e CEO do Global Citizenship Institute e da ABA Global Education, instituição privada de ensino do Recife. Podemos considerá-lo um ativista de uma educação de qualidade global.

Simpático, Eduardo bateu um papo conosco sobre temas ligados à escola pública, escola privada e qualidade educacional. Papo esse que comprovou a relatividade do tempo, pois de tão agradável consumiu mais de meia hora em aparentemente menos minutos, devido a leveza e profundidade relativas aos temas abordados.

Confira um resumo do Papo aqui!

 

Pergunta do Papo de Primeira:

Eduardo, o Brasil sempre se saiu mal no PISA (Programa Internacional de Avaliação dos Alunos). É verdade que o resultado é puxado para baixo pela média de resultados dos estudantes das escolas públicas, contudo o resultado dos estudantes das escolas privadas brasileiras também não se destaca tanto assim, quando comparado com os resultados das escolas privadas dos outros países participantes.  Por qual razão nossa educação fica abaixo do ideal?

Bem, esse é um assunto que não podemos simplificar, que tem multivariáveis. O PISA, exame organizado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), avalia português, matemática e ciências. Ainda é muito restrito, mas vem expandindo suas áreas de atenção. É realizado a cada três anos e o Brasil está ruim e continua nesse mesmo ritmo há muitos anos.

Na realidade, é o ecossistema educacional brasileiro que não está funcionando comparado com os países de melhor resultados. Por exemplo, a questão da formação do professor, que tem relação com a qualidade das universidades, que em indicadores internacionais como Times Higher Education (THE), ranking que avalia mais de mil instituições acadêmicas do mundo, o Brasil não tem nenhuma universidade entre as 200 melhores do mundo.

Além disso, os alunos que entram para fazer pedagogia ou licenciatura não são os melhores alunos, porque é uma questão de atratividade, devido aos baixos salários médios da profissão. Então você percebe que vai acumulando aí um ciclo vicioso.

Seguindo, você verifica também a escola em si, onde existe uma variação grande entre a maioria das escolas públicas, assim como entre as privadas. As privadas pontuam melhor, mas ainda tem um gap com as escolas internacionais por conta desse ecossistema. A infraestrutura delas é próxima, devem pouco. A tecnologia é igual. Do ponto de vista de ambientação, temos escolas excepcionais que não devem em nada às escolas do primeiro mundo.

Então do ponto de vista das privadas, a questão não está na infra. O problema principal é a formação do professor. E também destaco a formação do gestor escolar. Quando falamos em qualidade de educação, falamos muito do professor, mas pouco se fala do diretor.

No entanto, nessas escolas internacionais, muitas que já visitei, eles são selecionados de uma forma rigorosa. Na Coréia do Sul ou em Dubai, os diretores são selecionados mundialmente, com salários atrativos, que bons profissionais do Canadá ou da Holanda, deslocam-se para ocupar estas vagas. E esse é um dos diferenciais dos países que se destacam no ranking do PISA, como a prórpia Coréia, Singapura e a China.

A China lidera porque ela implantou um processo que admiro muito. Já visitei a China duas vezes. Um país de mais de 1,3 bilhão de habitantes, um verdadeiro mundo. Não há como colocar qualidade no país todo de uma vez. Então ela começou com as províncias. Em 2012, a primeira vez no PISA, participou com Xangai, que não é uma cidade pequena, tem mais de 20 milhões de habitantes, e se classificou em primeiro lugar. Os países europeus e os Estados Unidos disseram que só foi possível se destacar, porque foi uma província, não foi o país todo, quando fosse nos anos seguintes, os resultados não iriam se manter.

Em 2015, entraram mais três províncias, e resultado: as 4 províncias da China participantes da avaliação ficaram em primeiro lugar. E a cada três anos, ela vem ampliando. Hoje, já há um conjunto de regiões que representa mais de 100 milhões de chineses, população maior do que muitos países do globo.

Acredito que o Brasil poderia seguir o mesmo modelo. Começar por grandes cidades, depois multiplicar. E melhorar não só o ranking do PISA, mas a educação básica no país. Faço sempre essa ponderação de tamanho. Singapura e Finlândia são países pequenos, mas o Canadá já é um pouco maior, e agora a China.

Acredito que as escolas públicas poderiam se espalhar nas melhores escolas privadas. Por que não criar uma escola pública de referência internacional? Poderia ser um caminho para influenciar o restante da rede como uma referência.

 

Pergunta do Papo de Primeira:

Essa educação internacional, mais global e holística, seria um bom caminho para formarmos cidadãos com valores e competências mais adequadas para o século XXI? Refiro-me tanto para uma educação para a vida de forma mais ampla, quanto mais especificamente para o trabalho.

O PISA já considerou na última avaliação a competência global. O Brasil não entrou nessa avaliação, participou somente da de português, matemática e ciências. Na próxima rodada, o exame já incluirá novas competências, agregando mais valores à visão holística do aprendizado.

No nosso caso, que somos uma escola internacional, optamos na origem pelo modelo do Canadá, que possui um dos melhores sistemas de ensino do mundo, e é um modelo que se baseia na concepção das inteligências múltiplas, a base da nossa educação infantil e que extrapola para fundamental, obviamente.

Agregamos a essa metodologia outro sistema educacional, o IB World School, com sede na Suíça e com centros globais na Holanda, nos EUA e em Singapura, com mais de 5 mil escolas no mundo. Já no Brasil, são 26 ao todo, sendo apenas 3 no Norte e Nordeste.

Nos EUA, estes centros estão próximos das melhores universidades, já que entre as 100 melhores do mundo, 50 delas estão em solo americano. Os EUA desenvolveram um modelo excepcional e atraem os melhores cérebros do planeta e alimentam o sistema, em um ciclo virtuoso. Apesar disso, os EUA não têm um bom resultado na educação básica, o que os incomodam muito. 

O diferencial da metodologia transdisciplinar da nossa escola, que não tem as caixinhas isoladas, é que os professores planejam conjuntamente um currículo temático, desenvolvendo os alunos para fazerem perguntas inteligentes. Eles desenvolvem muitos projetos desde a educação infantil, sempre conectados com os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da Organização das Nações Unidas (ONU).

Quando chegam no 5º ano do fundamental, precisam desenvolver um projeto de um problema do mundo real. Cada ano é um projeto que aplaudimos demais. Agora, é bilíngue! Os estudantes podem ser demandados a fazer as apresentações em português ou em inglês para seus pares ou para familiares. Então nesse processo, eles se conectam com o mundo e aprendem habilidades essenciais para o século XXI

Outro diferencial, é que os educadores que vêm fazer o treinamento para os nossos professores são canadenses ou de outros países. Não é um treinamento de um ou dois dias. O treinador vem e fica na instituição durante um mês. Assiste aulas de todos os professores, reúne-se com eles individualmente para dar feedback, ou quando é um assunto de dificuldade comum, fazem um workshop em conjunto. Depois, volta a observar e verifica se houve evolução, tornando a dar feedback. Não é uma palestra ou algo pontual, é processual.

Sempre estamos ligados em atualizar o professor, a gente sabe que o professor se motiva em aprender mais, aprender inovações para ensinar melhor e, consequentemente, os seus estudantes aprenderem mais.

Eduardo Carvalho com estudantes  | Arquivo Pessoal

Pergunta do Papo de Primeira:

Já está se tornando uma praxe, mas não podemos fugir dessa pergunta, porque ainda estamos tentando compreender: e o que a pandemia vai impactar nisso tudo? Pós-pandemia, o que você acha que ocorrerá de transformação, principalmente em relação ao contexto Brasil e na sua realidade de escolas privadas?

Não podemos ficar para trás. Vimos tecnologias surgindo, como o aplicativo de vídeo chamadas que estamos usando agora, e isso foi extraordinário. Se não tivéssemos acesso, o efeito da pandemia seria muito mais grave para educação e para o sistema econômico.

Agora, o que que acontece: as escolas públicas não têm essa tecnologia e ficaram para trás. Tem que ter tecnologia com acesso a internet. As privadas têm recursos, o professor tem computador exclusivo ou a escola forneceu. O ambiente da casa com uma boa banda facilitou.

Da mesma forma que o Brasil ficou para trás, quando ficamos limitados a comprar hardwares e softwares somente da reserva de mercado da produção, ficamos para trás na educação pública.

Então, se não agilizarmos isso, ficaremos muito para trás. Quando vier o próximo PISA, por exemplo, o gap entre privado e público vai ampliar. O país tem que correr atras de tecnologia.

Você vai para Universidade de Harvard ou MIT (Massachusetts Institute of Tecnologic), e lá implantaram cursos online há uns 10 anos, e de graça. E por que de graça? Isso tudo era laboratório, aprendizado. Quando veio a pandemia, estas universidades estavam muito na frente para enfrentar estes desafios. No caso da ABA, temos um sistema remoto há três anos e foi muito mais simples do que partirmos do zero.

O que falta é investimento em pesquisa. O Brasil não investe em ciência. Muitos países desenvolveram vacinas, nós não. Estamos montando vacinas, mas não desenvolvendo, porque não temos investimos em longo prazo em ciência.

É preciso dedicar verbas e valorizar as universidades e os professores, para assim podermos investir em pesquisa e criar know how. Temos cérebros, é tanto que exportamos para os países desenvolvidos. A grande maioria dos professores das universidades públicas tem mestrado e doutorado no exterior, fazendo suas pesquisas fora.

 

Papo de Primeira:

Muito obrigado pelo papo, Eduardo!

Eu que agradeço! Gostaria de destacar um último ponto.

As pessoas dizem que educação é prioridade, ou deve ser prioridade. Mas precisamos acrescentar que educação DE QUALIDADE deve ser prioridade, evoluir nesse pensamento mais crítico sobre o processo.

No caso do Brasil, uma educação fundamental é uma educação cidadã. Muitos países ricos já implantaram conceitos semelhantes. E o Brasil está a margem desse processo, então a própria democracia e os valores de um modo geral como o combate a corrupção e o zelo pelos ambientes ficam prejudicados. Considero isso uma prioridade também.

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