“Round 6” chega ao fim como um lembrete de que o jogo nunca para
Com terceira temporada, encerramento da série soa mais como reticência do que ponto final
Três temporadas após sua estreia explosiva, "Round 6" encerra sua trajetória misturando avanços narrativos e algumas limitações. O criador, Hwang Dong-Hyuk, repete a aposta de olhar para além dos jogos, focando agora nos mecanismos que sustentam o espetáculo da violência.
A proposta, arriscada e interessante, expõe o funcionamento dos vips, operadores e até dos próprios jogadores que tentam resistir ou se adaptar a um sistema que parece não ter saída. No entanto, o resultado é irregular e a crítica social, que já foi incisiva, acaba engessada em personagens pouco explorados, principalmente entre os poderosos anônimos que bancam o circo.
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Visualmente, a série mantém seu padrão, alternando entre o surrealismo lúdico dos jogos e os ambientes opressivos e claustrofóbicos das reuniões e bastidores. A direção de arte segue impecável, com paletas de cores e cenários que conseguem transmitir a atmosfera sufocante e controladora do universo da série.
As atuações continuam sendo um ponto forte da série. Lee Jung-jae traz uma performance contida que traduz o desgaste emocional e o conflito interno de Seong Gi-hun. Sua transição do egoísmo para um altruísmo relutante é sutilmente construída, e seu embate com Lee Byung-Hun, que interpreta Front Man, oferece alguns dos momentos mais densos e interessantes do ano.
Personagens
Lee Byung-Hun evita o estereótipo do vilão unidimensional e acrescenta uma camada de complexidade ao antagonista. Ainda assim, outros personagens, especialmente os que representam os poderosos nos bastidores, carecem de profundidade e funcionam quase como símbolos em vez de indivíduos (talvez essa seja a ideia).
A construção dos personagens, de modo geral, é desigual. Enquanto o arco de Gi-hun e Front Man tem alguma substância, muitos dos personagens coadjuvantes são reduzidos a papéis funcionais, o que diminui o impacto emocional da trama. A série parece mais preocupada em conectar pontos e preparar o terreno para possíveis desdobramentos futuros do que em explorar de forma completa suas figuras.
Os jogos
Os jogos, que deram origem à série, são revisitados com cuidado e, em alguns momentos, brilham novamente, sobretudo no episódio que lembra o formato original, combinando simplicidade com tensão psicológica. É ali que “Round 6” reacende a chama do que faz seu universo tão perturbador: a desvalorização da vida humana e o efeito corrosivo do medo.
Este embate entre Seong Gi-hun e Front Man se configura como o coração da temporada. Dois sobreviventes do mesmo sistema, mas que encarnam ideologias opostas, o idealismo de Gi-hun frente ao niilismo frio de Front Man. Mesmo assim, algumas decisões narrativas e o tempo reduzido em cena desse antagonista limitam o impacto desse confronto.
O desfecho, por sua vez, entrega um encerramento simbólico que não atinge toda a profundidade que a construção previa. A temporada se preocupa mais em fechar a história com uma mensagem amarga e coerente com o tom da série do que em oferecer um clímax verdadeiramente emocionante e recompensador.
O fim
A conclusão reafirma os temas centrais: o espetáculo como forma de controle social, a desumanização provocada pelo capitalismo e as dificuldades de resistência dentro de sistemas opressivos.
“Round 6” encerra com a consciência do seu criador de que para derrubar um sistema é preciso enfrentar seus jogos até o fim. Apesar das falhas na exploração dos personagens e tramas paralelas, a série se mantém fiel a sua essência, um espetáculo que provoca reflexão sobre as escolhas humanas sob pressão extrema.
Talvez esta terceira temporada não seja a mais eletrizante ou a mais emocional, mas, mesmo assim, consegue reafirmar sua posição no cenário pop como um espelho duro, às vezes desconfortável, do mundo em que vivemos.
*Fernando Martins é jornalista e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Instagram: @umaseriedecoisas.
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