Álbum 'Planeta Fome', de Elza Soares, é lançado nas plataformas digitais
Novo disco de Elza é uma explosão de ritmo e contestação que traz diversas participações especiais.
Elza Soares se superou mais uma vez. Depois do sucesso de "Deus é Mulher" (2018), ela lança nas plataformas digitais, nesta sexta-feira (13), seu novo álbum, "Planeta Fome", uma explosão de ritmo e contestação que reforça seu status como uma das maiores cantoras do Brasil.
Ela dá risada ao ouvir a descrição da sensação desta repórter, após escutar as faixas da obra: "impactada". "O disco é uma criança muito sadia, nasceu muito bem. Fico feliz com a reação das pessoas. Sabe que eu não sei dizer como é isso? É inspiração mesmo, vontade de estar junto com o povo, de fazer as pessoas mais felizes. Mas, saiba que eu não trabalho só. Tenho muita gente do bem ao meu lado", afirma.
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E é verdade. Com um trabalho de construção primoroso, com produção executiva e conceito artístico de Pedro Loureiro e Juliano Almeida, o disco conta com diversas participações especiais e tem, ainda, a ousadia de trazer na capa um desenho da transexual e ativista LGBT Laerte, exibindo uma infinidade caótica de signos que complementa a "porrada" expressa pela música.
Do alto de uma carreira musical que se estende por 60 anos e com 34 discos gravados, a cantora de 89 anos é pura força e frescor. Em "Planeta Fome", Elza religa os dias atuais à própria história, remetendo à ocasião em que, buscando dar de comer aos filhos, foi a um programa de rádio apresentado por Ary Barroso. Na ocasião, vestia uma roupa vários números maior que seu tamanho. Sob as risadas da plateia, Ary perguntou de que planeta a candidata a caloura tinha vindo. "Do mesmo planeta que o senhor, seu Ary. Do planeta fome", respondeu, certeira.
"Infelizmente, de lá pra cá não mudou nada. Piorou. A fome só aumentou. E o povo não tem fome só de comida, não. Tem fome de saúde, fome de respeito, fome de educação, de cultura, de amor. Já descreveram o Brasil como país do amor, mas, aqui, a gente não tem mais amor. É duro ser brasileiro", critica.
A miscelânea de 12 faixas ao mesmo tempo mata e aguça as fomes de quem ouve. O disco abre com a dançante "Libertação", gravação que já tinha sido lançada no mês passado e conta com a participação da banda BaianaSystem, da Okestra Rumpilezz e da cantora Virgínia Rodrigues. "Eu não vou sucumbir / Avisa na hora que tremer o chão/ Amiga, é agora, segura a minha mão", conclama, com voz rascante.
Na sequência, o afoxé "Menino" se configura como uma rara oportunidade de apreciar os dotes de Elza como compositora. De um passado cada vez mais presente, ela resgata "Comportamento Geral" e "Pequena memória de um país sem memória", ambas de Gonzaguinha, trazendo releituras que se somam às letras atuais e pungentes.
A situação política do país segue como tema central do álbum, como por exemplo em "Brasis" (Seu Jorge/Gabriel Moura/Jovi Joviniano), onde ela canta que "tem um Brasil que é próspero/ Outro não muda / Um Brasil que investe / Outro que suga / Um de sunga / Outro de gravata / Tem um que faz amor / E tem o outro que mata", e em "País dos sonhos" (Chapinha da Vela/Carlos Palhano), que clama por "um país onde a saúde não esteja doente": "Eu preciso encontrar um país/ Onde ninguém enriqueça em nome da fé / E o prazer verdadeiro do crack / Seja fazer gols como Garrincha, obrigada Mané!", canta.
Ativista, Elza tem "A Carne" como um dos sucessos de sua carreira recente, e a referência ao hit surge em "Não tá mais de graça" (Rafael Mike). Ela faz um dueto com o rapper, no qual avisa que "a carne mais barata do mercado não tá mais de graça" e ordena: "prepara o coração, que eu vou escurecer e pode dar piripaque”.
Entre as várias faixas comoventes, chama a atenção a "Blablablá” - uma colagem de "Chega" (Gabriel Contino/ DJ Meme / André Gomes); "Me dê motivo" (Michael Sullivan / Paulo Massadas), imortalizada nos anos 1980 na voz de Tim Maia; e "Rap do BNegão" (BNegão). "A partir de agora a terra é plana e dois mais dois são sete", alfineta Elza, enquanto um sampler interrompe a sucessão de críticas e pede, "me dê motivo pra ir embora".
"Há muitos motivos para sair do país, mas eu não quero que ninguém vá. Agora é que o Brasil está precisando da gente", diz Elza. A seguir, a letra de "Virei o jogo" (Pedro Luis) é como uma mensagem encorajadora e nem um pouco cifrada: "não descarrega sua arma em mim/ A sua raiva não vai me abater / Você é não, sou um milhão de sins / Tenho meu povo pra me proteger".