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Caetano comenta cenário político, Anitta e o Ministro da Cultura

Aos 74 anos, cantor baiano, afirma: “Polarização já chegou há muito tempo”

AS RAINHAS DA TORCIDAAS RAINHAS DA TORCIDA - Foto: Divulgação

 

Você vai cantar em Inhotim (MG), em novembro, com o Liniker, que já se descreveu como ‘bicha, preta e pobre’. Como acha que essa geração se distingue da sua?
Tenho a ilusão de ter visto Liniker na plateia de um show meu no Circo Voador. Mas isso pode ter sido só uma ilusão. Fiquei feliz quando pensei que era ele. Acho que desejava que ele me visse. Minha geração é, se é que posso dizer assim, mais geracional.

 Quando vi os Stones tocando ‘Come Together’ dos Beatles, no Festival do Deserto [na Califórnia, sexta, 7/10], pensei muito nisso. A idade média dos artistas era de 72 anos (Dylan, The Who, Roger Waters...). A da plateia era bem mais baixa. Gente de todas as idades queria ver essas lendas dos anos 1960. É fato. Mas não significa necessariamente superioridade artística.
Na Olimpíada, foi um auê quando anunciaram a abertura com Anitta, Wesley Safadão e Ludmilla, como se o Brasil fosse passar vergonha. No fim, você e Gil cantaram com Anitta.
A imprensa e as redes sociais estavam chatas com Anitta. Diziam que Ivete seria muito mais representativa. Adoro axé mais do que tudo. E Ivete mais do que quase tudo dentro do axé. Mas Ivete, Gil e eu já tínhamos feito um especial na Globo. E Anitta é da geração mais nova, além de representar um fenômeno mais recente e (agora) mais contestado do que o axé. Foi lindão.
Você já cumprimentou uma plateia em Paris com “fora, Temer”. Importa o artista se posicionar politicamente?

Quando eu cantava “Odeio” no show com Gil, a plateia completava com o grito “Cunha!”. Depois do impeachment, foi virando ‘odeio você, Temer’. O artigo de Demétrio Magnoli sobre isso no “Globo” estava errado. Fez parecer que eu cantava “Odeio” para puxar protestos. E concluiu que aprovo tudo de Dilma e Lula. A canção estava lá um ano antes dos gritos surgirem. E nunca fui petista nem lulista nem dilmista.

 Na abertura da Olimpíada, Paulinha Lavigne [sua ex-mulher e empresária], que desenvolveu uma repulsa instintiva ao impeachment, me deu [um cartaz de “Fora, Temer”], meio rindo porque sabia que nos Jogos não eram admitidas manifestações políticas, tirou uma foto minha e pediu permissão para postar. Dei. Acontece que a destituição de Dilma pareceu um golpe paraguaio em câmera lenta.
Um dos membros do Bonde do Rolê revelou na semana passada ser cofundador do Movimento Brasil Livre. O Pedro Ferreira fala em ‘direita transante’ e da necessidade de abandonar a imagem do conservador coxinha. ‘Sou bi de biscate, se for para definir minha orientação sexual’, disse ele. A polarização política está chegando às artes?

Já chegou há muito tempo. Tivemos Dom e Ravel, Lobão, Roger [do Ultraje a Rigor]... contra Chico [Buarque], Wagner Moura e muitos de nós. Pena eu não ter lido essa matéria que fala do cara do Bonde do Rolê. Veria o contexto.
Isso de gay conservador é muito mais frequente do que se imagina. A direita, pelo menos a direita liberal, sempre atraiu os gays. Quando eu era moço, a homossexualidade era tacitamente tida como um aspecto da decadência burguesa. Alguns conhecidos meus na Bahia eram veados e comunistas. Mas antes de 1968 isso era um problema para eles.

A desaprovação nem sempre era apenas tácita. Oswald de Andrade, por exemplo, vê os veados como degenerados. Como algo que contrasta com a perfeição moral do proletário, que está fadado a salvar o mundo. A direita transante de Pedro é interessante e enriquece esse ambiente de polarização simplificadora.
Conheceu o ministro da Cultura, Marcelo Calero?

Conheci e o achei gentil, educado e informado. Na época diziam que era errado dialogar com representantes de um governo ilegítimo. Mas nós mesmos, os artistas, tínhamos pedido a volta do Ministério da Cultura. A conversa pareceu boa. Mas logo veio o clima que levou ao desmonte do grupo que tocava a Diretoria de Direitos Intelectuais. E a reação de Calero ao protesto do elenco de “Aquarius” não foi feliz.

 

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