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Cineastas ficam entre a criatividade e a realidade

Com baixo orçamento nas mãos, diretores precisam adequar suas ideias às condições financeiras das produções

"Quarto para alugar" foi realizado com R$ 10 mil"Quarto para alugar" foi realizado com R$ 10 mil - Foto: Clarissa Dutra/Divulgação

Depois de lançarem o curta-metragem "Quarto para alugar" (2016), com boa trajetória por festivais nacionais e mostras em países como Rússia, Portugal e Índia, os diretores pernambucanos Enock Carvalho e Matheus Farias se preparam para filmar o segundo curta-metragem: "Caranguejo rei", que vai ser gravado em fevereiro. O primeiro trabalho da dupla foi feito com R$ 10 mil, angariado através de R$ 5mil em financiamento coletivo e o restante com recursos próprios. O novo filme está orçado em R$ 80 mil, conseguido através do Edital do Funcultura Audiovisual.

O trabalho com orçamento reduzido é recorrente em Pernambuco. Se no Brasil fazer cinema costuma ser uma ocupação associada ao esforço coletivo sem o orçamento adequado, no Estado essa ideia parece ser rotina entre criadores. O cinema pernambucano vem se destacando nos últimos anos, mas continua sendo essencialmente uma estrutura independente, com orçamento em geral reduzido para os padrões nacionais e estrangeiros, o que força produtores, roteiristas e diretores a tomarem atalhos criativos.

"Embora filme de baixo orçamento seja um termo muito usado, referente a um tipo de produção que a gente consegue reconhecer, acho a noção de baixo orçamento relativa", diz Luiz Otávio Pereira, roteirista e professor de cinema. "Na realidade de produção nacional vejo a maioria dos filmes de Pernambuco como de baixo orçamento. No entanto, existem filmes que são feitos com recursos de editais (Funcultura, por exemplo) ou leis de incentivo e filmes que são feitos quase sem recurso financeiro", detalha Luiz, que trabalhou no roteiro de "Boa sorte, meu amor" (2012), do diretor Daniel Aragão, e "Todas as cores da noite" (2015), de Pedro Severien.

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A realidade do cinema pernambucano é um recorte do que ocorre no território nacional. "O cinema brasileiro em si é feito sob a ótica do baixíssimo orçamento, salvo raríssimas exceções. Um longa metragem 'caro' aqui no Brasil custa uns R$ 10 milhões, mas a maioria deles não ultrapassa os dois ou três milhões, e isso é muito pouco", diz Matheus. "Se compararmos com as produções da Europa e dos Estados Unidos a gente percebe o quanto esses valores são baixos para a realidade do mercado cinematográfico mundial", ressalta.

Matheus Farias e Enock Carvalho, cineastas

Matheus Farias e Enock Carvalho, cineastas - Crédito: Arthur de Souza/Folha de Pernambuco


Escrita e filmagem
É comum o roteiro levar em consideração o orçamento do filme, mas não precisa ser limitado por ele. "Acho importante que na escrita o(a) roteirista, tendo noções básicas de produção, se pergunte se aquela cena será absurdamente problemática para ser produzida. Se vai precisar de efeitos visuais, se vai requerer equipamentos mais caros, se a produção dará conta de fazê-la. Fechar uma rua inteira, ou até mesmo conseguir um helicóptero, tudo isso custa caro", explica Enock.

"O roteiro do 'Quarto para alugar' sofreu adaptações até que se tornou praticamente um filme feito dentro de um único apartamento. Fomos cortando cenas externas até que ficaram reduzidas a apenas duas, porque não tínhamos grana para deslocar equipe e equipamentos por aí com segurança e também porque seria mais inteligente investir o pouco que tínhamos naquela que seria nossa locação principal", ressalta. "Foram apenas quatro diárias", lembra Matheus. "Simplificar um filme significa também barateá-lo, mas sem necessariamente empobrecê-lo", destaca.

Durante o processo de escrita é preciso um equilíbrio entre orçamento e criatividade, o entendimento que as ideias precisam se encaixar no limite imposto pela realidade, mas, ao mesmo tempo, precisam estar de acordo com o conceito da obra. "Costumo dizer que o orçamento não deve influenciar no roteiro. Seria o momento em que se está trabalhando ainda a melhor forma da narrativa, então tudo cabe no papel. Mas chega o ponto no qual a gente precisa se preocupar em transformar aquilo em um filme, e é aí que questões pragmáticas relativas à produção começam a ser levadas em conta", diz Luiz Otávio.

"Digamos que o roteiro tenha uma sequência longa, cheia de movimentação de câmeras, mudanças de locação. No roteiro ela pode estar bem escrita, mas para filmá-la é preciso de uma logística de deslocamento de equipe, equipamentos, locação. Isso tudo pode resultar em um acréscimo de dezenas (até centenas) de reais. Mas aí tem uma forma mais econômica (não só no orçamento, economia narrativa também pode ser positiva) de contar aquilo, talvez em uma cena mais contida e controlada, mas com o impacto narrativo necessário para o filme. Trabalhar com limitações é uma forma de testar a criatividade", ressalta.

Luiz Otávio Pereira, roteirista

Luiz Otávio Pereira, roteirista - Crédito: Brenda Alcântara/Folha de Pernambuco

Autoria e criatividade
Operar com baixo orçamento significa adaptar, fazer concessões, transformar ideias até que caibam no limite financeiro. "Um exemplo simples: queríamos um trilho para fazer travelling [movimento de câmera] em dois momentos específicos do filme. Conseguimos um de graça, emprestado de uma faculdade, mas o trilho não funcionou. O carrinho estava com as rodas empenadas e mal lubrificadas e tivemos que fazer os planos estáticos, com a câmera no tripé. O filme perdeu com isso, mas não ficou ruim. Gostamos do resultado", lembra Enock.

É interessante notar que recursos financeiros reduzidos podem interferir de forma positiva no processo de criação, filmagem e edição. "Trabalhar com limitações certamente nos força a trabalhar com criatividade", diz Luiz. "Dos filmes recentes feitos aqui os que mais me chamaram atenção foram 'Santa Mônica' e 'Um homem sentado no corredor', de Felipe André Silva. Ambos feitos sem grana de edital, levando essa limitação em conta e com resultados bem interessantes no que diz respeito à linguagem", opina o roteirista.

Salas de cinema
Última etapa da produção do filme, a distribuição também é afetada pelo orçamento reduzido. "Há alternativas para a distribuição, seja ela em salas de cinema ou festivais", diz Enock. “Saber onde investir a grana (eu diria: invistam muito nas redes sociais), encontrar parceiros para ações de lançamento, mostrar seu filme a curadores, programadores, chegar direto no público, criar sessões especiais, tudo isso faz parte do escopo de estratégias possíveis para distribuir um filme com orçamento reduzido", detalha.

"No caso do 'Quarto para Alugar' e da maioria dos curtas metragens, a distribuição é realizada quase que exclusivamente em festivais de cinema e pelos próprios diretores e produtores do filme, mas isso também custa dinheiro e tempo", lembra Matheus. "Muitos festivais exigem taxas para inscrição do seu filme e o risco de não ser selecionado é sempre grande. Conhecer o perfil dos festivais, saber onde o filme tem mais chances de ser exibido e um pouco de jogo de cintura são fundamentais", ressalta.

 

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