Cinema LGBT: para enfrentar o preconceito
Cinema pernambucano realiza documentários com temática LGBT, dando espaço a uma parcela da população que busca acabar com o preconceito e batalhar pela inserção social
O Brasil lidera uma triste estatística: é o País que mais mata LGBTs no mundo. Esse é um dos motivos que comprovam a necessidade de se fazer esta parcela da população ocupar cada vez mais espaços e ser ouvida. Isso vem acontecendo também no cinema pernambucano, onde documentários importantes vêm sendo realizados - seja contando a história de pessoas e espaços do passado, como fez o cinesta e professor universitário Alexandre Figueirôa com o premiado "Kibe Lanches", seja promovendo uma verdadeira 'pesquisa participante', registrando a quente o que está acontecendo aqui e agora. Este é o caso de "Antes que ele chegue", documentário dirigido por Clara Angélica (autora de filmes como "Simião Martiniano") e produzido por Tiago Leitão (Opara Filmes) e Jô Conceição (Bendita Terra).
"Antes que ele chegue" mostra a movimentação de diversas mulheres lésbicas pernambucanas, que com medo de serem impedidas, resolveram oficializar suas relações em cartório. A lei brasileira não é clara em relação ao casamento entre homossexuais, e apesar de haver uma jurisprudência acumulada em todo o País, muitas pessoas estavam se sentindo inseguras neste sentido.
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O filme tem uma "pegada" política e colaborativa, como colaborativos foram também vários dos casamentos realizados em dezembro passado, quando as filmagens começaram. Os casais retratados são extremamente variados: interraciais, com idades diversas, de inúmeras classes sociais. "A captação começou nas despedidas de solteiro. Depois, registramos os casamentos coletivos e individuais. Foram sete casais de meninas lésbicas, bissexuais, trans e travestis. Também conversamos com as famílias para ouvir as histórias delas", relembra Clara Angélica. Ao todo, foram retratados mais de vinte participantes.
"Kibe Lanches" também é uma produção independente, que retrata uma lanchonete especializada em pratos árabes que funcionava no bairro do Pina. Além de vender kibes, arroz com lentilha, esfihas e outras iguarias, nas noites de sexta-feira o local se transformava numa casa de espetáculos improvisada que acabou se tornando um dos principais pontos de encontro LGBT do Recife, entre os anos 1980 e 1990.
Administrada por Luiz Ferreira de Araújo, o "Barão", a casa trazia apresentações de transformistas e um desfile de rapazes (inicialmente, trajando vestidos e ao final, completamente nus, motivos pelo qual eram conhecidos como "as rolinhas do Barão"). "Para mim, a coisa mais importante é o fato de resgatar essas pessoas e falar contra a discriminação e de uma época em que você não tinha os movimentos tão organizados como hoje", pontua Alexandre. "Kibe Lanches" recebeu menção honrosa do Festival MixBrasil de Cultura da Diversidade (o mais antigo e importante do País no segmento, e que já está em sua 26ª edição).
Atualmente, o cineasta está finalizando um novo documentário - desta vez sobre Elpídio Lima, o Piupiu; "Ele deve ter sido o primeiro transformista do Recife. Era ator, cenógrafo, figurinista, um artista muito talentoso que trabalhava no Teatro Marrocos, no início dos anos 1960, fazendo apresentações de celebridades como Carmem Miranda e Sarita Montiel", descreve.
Filme busca recursos para ser finalizado
"Antes que ele chegue" está em processo de captação de recursos, através do site benfeitoria.com/antesqueelechegue. A meta, até julho, é arrecadar R$ 53 mil, que serão utilizados para pagar os custos de montagem da obra. "Toda a equipe foi colaborativa, não tivemos R$ 1 de apoio", conta Tiago Leitão.
Apesar disso, diversos profissionais de renome se dispuseram a participar da produção, em seus vários momentos. "Acabamos de saber que o DJ Dolores vai fazer nossa trilha musical", exemplifica Clara Angélica, frisando que o filme "é uma causa". "É a oportunidade de dar voz ao sentimento de injustiça e ações discriminatórias contra mulheres que sofrem censura e perseguição".
Clara Angélica - que estava há 20 anos sem lançar um filme e ajudou a lançar no mercado do audiovisual nomes premiados como Heitor Dhalia - explica que o filme não buscou financiamento através de fundos como o Funcultura, entre outros, pela necessidade de que fique pronto rapidamente. "Não podemos esperar um, dois, três anos para que possa vir a público", conta. "Essa realidade precisa ser conhecida, divulgada". Em um dos vídeos que divulgam "Antes que ele chegue", Dona Nilda, mãe de Sophia, uma mulher trans, fala a respeito do medo de ver sua filha ser espancada, presa ou morta. Ao que Sophia responde: "meu maior medo é voltar para o silêncio".
Tiago Leitão, Clara Angélica e Jô Conceição estão à frente da produção de 'Antes que ele chegue' - Crédito: Léo Malafaia/Folha de Pernambuco
Lugar de fala da população LGBT
Enquanto no cinema a luta segue, na televisão um dos programas mais emblemáticos produzidos sobre o tema em Pernambuco vai acabar. O "Zona Multicor", produzido e veiculado na TV Universitária, vai encerrar após a exibição de sua segunda temporada.
O programa estreou em junho de 2018, através de uma parceria entre a TV e a Diretoria LGBT da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Era apresentado e produzido por uma equipe de seis bolsistas LGBTI+, entre os quais Inês Maia, que contou à reportagem da Folha de Pernambuco que por conta da mudança de reitor, da redução de verbas da universidade e de uma série de ameças sofridas, a decisão foi pela descontinuação da produção. "O programa, assim como a Diretoria LGBT, já sofreu ameaças de anônimos e difamação do pastor Silas Malafaia", disse ela.
Somando as duas temporadas, o Zona Multicor terá um total de 31 episódios, seis dos quais ainda serão lançados. Eles podem ser assistidos no canal do YouTube da TVU, sempre trazendo o foco nas pautas de gênero e sexualidade. "“Nosso desafio é atingir outros públicos para ajudar a desconstruir preconceitos”, explica Inês, que atuou no programa juntamente com Céu Falconiere, Benedita de Araújo, Vinicíus Rui, Anthony Ribeiro, e Davi Silva, ligados a diversos cursos da UFPE. A coordenação geral do projeto também foi realizada por Clara Angélica, que descreve a "Zona Multicor" como "um canal aberto, um lugar de fala para a população LGBT”.
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