Cinquenta anos após "Tubarão", ciência questiona fama de devorador de humanos, mas aponta mistérios
Obra de Steven Spielberg tirou predadores 'das sombras', segundo pesquisadores, que apontam complexidade das espécies ainda maior do que se imaginava
Quando o famoso tubarão mecânico de Steven Spielberg, Bruce, apareceu pela primeira vez nas telas no verão de 1975, Chris Lowe achou que parecia falso. Ele, que agora lidera o Laboratório de Tubarões da California State Long Beach, tinha 11 anos naquele ano. Cresceu em Martha's Vineyard, a ilha em Massachusetts onde "Tubarão" foi filmado. Ele viu a equipe de Spielberg transformar sua cidade natal em Amity Island (Ilha da Amizade, em tradução livre). Alguns de seus colegas de escola serviram como figurantes, e ele viu o tubarão mecânico pessoalmente.
Mas um dos personagens do filme em particular chamou sua atenção: o biólogo marinho Matt Hooper, interpretado por Richard Dreyfuss. Lowe creditou a Hooper o primeiro despertar em sua curiosidade sobre cientistas de tubarões.
— Hooper meio que me interessou pela ideia de que existem cientistas que são pagos para estudar tubarões — disse Lowe, que não foi o único.
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"Tubarão", o filme de maior bilheteria de sua época, lançou uma longa sombra sobre a reputação desses animais. Ao longo das décadas de 1970 e 1980, esses predadores oceânicos foram vilipendiados como monstros vorazes e sofreram com a pesca. Tubarão "bom" era tubarão morto, pensava-se.
Mas o filme também inaugurou uma era de curiosidade, investigação e ciência dos tubarões. Produziu uma geração ou mais de pesquisadores fascinados por essas criaturas que permanecem em grande parte desconhecidas.
— Eu chamo isso de uma bênção e uma maldição — disse Lowe.
Antes da estreia de "Tubarão" em 1975, a maior parte das pesquisas sobre tubarões era conduzida pela Marinha dos EUA. Grande parte delas envolvia experimentos e testes de repelentes para evitar ataques de tubarão a marinheiros. Muito pouco se sabia sobre tubarões, e a pesquisa buscava entender por que eles atacavam pessoas.
Dave Ebert, cientista especializado em tubarões da Universidade Estadual de San Jose, viu o filme pela primeira vez em 1975, quando era estudante do Ensino Médio na Califórnia. Ele alimentou a paixão pelo estudo de tubarões. A década seguinte foi "uma espécie de Velho Oeste" para a ciência dos tubarões, disse ele. Havia inúmeras perguntas em aberto: Quantas espécies de tubarão existem? Qual a distância que percorrem? Eles migram? Onde se reproduzem? Qual a idade deles?
— Se você pudesse pensar em algo, seria algo como: 'Ah, vá conferir' — disse Ebert, cujo orientador acadêmico havia sido consultor do tubarão mecânico do filme.
'Espécies perdidas'
Para Ebert, o filme tirou os tubarões das sombras, onde eram relativamente pouco estudados, e os trouxe à luz do público. Ebert se especializou em encontrar as "espécies perdidas" — tubarões esquivos e raros. Ele descobriu mais de 50 espécies em todo o mundo.
Hoje, biólogos identificaram mais de 500 espécies de tubarão. Mas nenhuma foi tão estudada quanto a espécie apresentada no filme: o tubarão-branco. Pesquisas ajudaram a dissipar sua reputação de máquina devoradora de homens. O animal, Carcharodon carcharias, revelou-se muito mais complexo do que se pensava inicialmente. Pode viver até 70 anos e é migratório, e alguns se tornam altamente especializados em abater mamíferos marinhos. Biólogos costumam se referir a ele simplesmente como tubarão-branco, abandonando o "grande" que significava uma alteridade deslocada.
Greg Skomal, de 63 anos, biólogo de tubarões da Massachusetts Marine Fisheries, queria estudar tubarões-brancos desde que se formou. No início dos anos 2000, as populações de focas ao redor de Cape Cod haviam se recuperado após anos de caça excessiva. Com o retorno das focas, os tubarões-brancos os seguiram.
Skomal e sua equipe estudaram tubarões-brancos no Atlântico marcando indivíduos e rastreando seus movimentos. Os pesquisadores descobriram que os predadores migraram ao longo da Costa Leste dos Estados Unidos e que alguns até entraram em mar aberto.
Em 2018, um homem foi morto por um tubarão-branco perto de Cape Cod, a primeira fatalidade no local desde 1936. Atordoado com o ataque, Skomal disse que imediatamente se viu em meio ao estudo imparcial dos tubarões-brancos e às conotações negativas que acompanham esses animais.
— Assim como Matt Hooper — disse ele.
'Santo Graal' dos tubarões
Muitos mistérios ainda cercam os tubarões-brancos, incluindo questões sobre sua biologia reprodutiva, um tópico que Lowe chamou de "Santo Graal". Onde os tubarões-brancos acasalam? Onde eles dão à luz?
— Podemos dizer para onde eles estão indo — disse Skomal. — Mas é muito difícil para nós dizer o que eles estão realmente fazendo.
Em 2018, cientistas confirmaram a existência de um berçário de tubarões-brancos na Baía de Nova York, perto de Long Island, com base em dados de tubarões que eles haviam marcado anos antes.
— Quem imaginaria que seria possível ir alguns quilômetros além do Porto de Nova York e encontrar filhotes de tubarão-branco? — disse Tobey Curtis, cientista de tubarões da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA).
Curtis, que trabalha com mais de 40 espécies de tubarões, atribuiu ao tubarão-branco a importância de ser uma porta de entrada para a ciência desses animais. Quando ele e sua equipe estão no mar estudando as espécies, frequentemente invocam citações de "Tubarão".
— Qualquer tubarão que apareça ou nade perto do barco, nós simplesmente dizemos: 'É um tubarão de 6 metros', mesmo que tenha 90 centímetros de comprimento — disse ele.
O filme inspirou muitos cientistas e pode ter sido inspirado pelos pioneiros da ciência dos tubarões que o antecederam. Don Nelson, antecessor de Lowe e fundador do Shark Lab, era um líder da ciência dos tubarões quando a obra foi lançada. Na época, Nelson estava desenvolvendo uma tecnologia de rastreamento para estudar os predadores na Universidade Estadual da Califórnia, em Long Beach.
Nelson foi convidado a dar consultoria para a elaboração de um pôster com informações sobre tubarões que foi usado no filme, de acordo com a produtora de Spielberg.
No mínimo, cientistas inspirados por "Tubarão" ajudaram a mudar a notoriedade que essas criaturas oceânicas conquistaram após a estreia do filme. Cinquenta anos depois, a atitude das pessoas em relação aos tubarões também mudou.
— As pessoas estão olhando para eles de forma diferente com base em tudo o que aprendemos sobre eles — disse Lowe. — Acho que as pessoas os respeitam mais.