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Música

Conheça a cantora Sued Nunes, que é parte da nova cena feminina de compositoras baianas

Indicada como revelação ao Prêmio da Música Brasileira, artista do recôncavo baiano fala de seu disco dedicado a Exu, com canções norteadas pela ancestralidade e força da cultura afro-brasileira

Sued NunesSued Nunes - Foto: Reprodução/Instagram

Deus. É nada menos que esse o significado do primeiro nome da cantora e compositora Sued Nunes lido de trás para frente.

Foi dado por uma mãe com o desejo de que a filha já nascesse abençoada.

Mas foi Exu quem botou a menina no eixo, como diz a letra da canção autoral que abre o disco recente da artista baiana de 26 anos, indicada ao Prêmio da Música Brasileira na categoria Revelação.

Batizado de “Segunda-feira”, dia da entidade ligada ao movimento nas religiões de matriz africana, o álbum é dedicado ao dono do tridente e celebra a espiritualidade e a resistência.

E também a caminhada percorrida pela artista desde que jogou sua primeira canção no mundo, “Velejo”, até viralizar no Tik Tok com “Povoada”, do disco “Travessia” (2021).

Com estrofe que soa como mantra ou, como ela define, “ladainha” — “Quem falou que eu ando só?/ Tenho em mim mais de muitos/ Sou uma, mas não sou só” —, a música a fez sair da bolha, com 11 milhões de visualizações e rendeu sua primeira viagem de avião, aos 23 anos.

Foi quando chorou ao ouvir de uma mulher, após show no Back2 Black, que aquela canção havia sido escolhida para tocar “em looping” durante o parto de seu filho.

Agora, Sued segue pelas ruas da vida sem marcar “Bobeira”, título de composição do novo álbum, que traz ainda “Nem tenta”, na qual avisa que tem o “corpo fechado”.

Com a garra de quem abria os próprios caminhos em solo carioca, a artista tomou para si o palco da Biblioteca Parque, no Centro do Rio, onde lançou, dias atrás, o novo trabalho no projeto Parque de Ideias, idealizado pelo diretor e produtor artístico Marcio Debellian.

A sandália de salto logo deu lugar aos pés descalços para a dança vigorosa de seu corpo, respondendo aos tambores que forjam a sonoridade de sua música.

Se seu timbre grave lembra o de Margareth Menezes e a postura abusada traz um “Q” de Elza Soares, duas de suas principais referências, não falta à Sued personalidade própria.

Uma personalidade banhada pelo sincretismo religioso de sua família — um pé no catolicismo dos pais; outro no candomblé da avó —, das tradições da Bahia e de numa infância em meio à natureza, respeito aos mais velhos e à simplicidade da vida de interior, de Sapeaçu, no recôncavo.

Sua música é fruto dessa realidade de interior, da ancestralidade, da força da cultura afro-brasileira e feminina. Mas com um olhar contemporâneo, inclusive para falar de questões que a atravessam.

“Se a paz é branca/ um preto onde encaixa, cadê?”, cantou, sozinha ao violão, no momento mais forte do show no Rio.

"É bonito ver uma artista jovem cheia de sabedorias, alma antiga. Admiro a poética e o ritmo de Sued. Tudo repleto de simbologia e ancestralidade. O recôncavo baiano como centro da travessia, a louvação a quem veio antes e seta para o futuro. Quando algo assim me toca, fico com vontade de que todo mundo veja" diz Debellian, explicando o motivo que o fez convidar Sued, além de Rachel Reis e Joyce Alane para subir naquele palco.

"A música me fez ser sujeito numa escola de maioria branca"
Quando fez sete anos, Sued ganhou um vilão do pai, que cantava no coro da igreja.

A reação foi o bico do tamanho de um bonde da menina, que só pensava em ser presenteada com uma boneca no aniversário.

Mal sabia ela que o instrumento seria o passaporte para o protagonismo numa escola particular de maioria branca.

"Por ter a música, eu era sujeito naquele lugar. Você pega o violão, e as pessoas te olham. Não vai ter coleguinha falando do seu cabelo porque, na hora do intervalo, eles vão sentar do seu lado para te ouvir cantar a música que gostam. Ela fez com que eles me respeitassem, e isso me deu segurança" conta ela, que tirava as canções com o ouvido colado no rádio do pai.

Até começar a escrever as próprias composições, quando cresceu e apareceu. Hoje, junto com Rachel Reis e Melly, forma uma tríade de jovens compositoras baianas donas de uma caneta afiadíssima.

Mas ai de quem lançar um olhar sudestino que as coloque no mesmo lugar. As três são, sim, parte de uma estirpe de mulheres jovens, talentosas e conscientes da força da cena local e de seus lugares no mundo.

Mas repletas de subjetividades.

"Somos três mulheres baianas negras. É um movimento importante de pontuar: a nova geração feminina da Bahia que tá chegando. Mas não fazemos a mesma coisa. Esse é um olhar limitado que colocar o Nordeste como uma coisa só. Temos nossas individualidades, experiências e referências musicais. No início, eu subia no palco dos barzinhos e todo mundo achava que era cantora de samba porque era uma mulher negra, com cabelo black" recorda.

"Algo que nós três temos em comum, é o suingue da Bahia. Essa rítmica ancestral que não precisa, necessariamente, ser declarada. A gente pode estar falando do tema que for, mas nossa música balança"

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