Diretora defende ''Casa de Dinamite'' após críticas do Pentágono: ''só mostro a verdade''
Novo longa da vencedora do Oscar Kathryn Bigalow está disponível no streaming
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"Casa de Dinamite", novo filme de Kathryn Bigalow que destronou o hit " Caramelo" do topo do ranking de mais vistos na Netflix Brasil, incomodou o Pentágono. Centrado num fictício ataque nuclear aos Estados Unidos e nos 18 minutos subsequentes à ação, o longa mostra como as autoridades respondem a esse problema e o que fazem para determinar os autores.
As autoridades reais do Pentágono reclamaram de não terem sido consultadas para contribuir com a veracidade do que é mostrado na tela. A cineasta vencedora do Oscar por "Guerra ao Terror", no entanto, defendeu sua obra.
"Eu só mostro a verdade. Nesta obra, tudo gira em torno do realismo e da autenticidade. O mesmo acontece com 'A hora mais escura' e com 'Guerra ao terror' — embora 'Guerra ao terror' seja obviamente uma obra de ficção, assim como esta. Para mim, essas são obras que apostam fortemente no realismo. Você está convidando o público para, digamos, a sala de controle da STRATCOM (Comando Estratégico dos Estados Unidos). É um lugar de difícil acesso, então você quer que seja autêntico e honesto. Esse é o meu objetivo, e acho que o alcançamos", afirmou Bigalow à revista Hollywood Reporter.
A Bloomberg teve acesso a um documento interno do Pentágono que fez reclamações contendentes sobre determinadas cenas do filme de Bigalow. Numa delas, o secretário de Defesa, interpretado pelo ator Jared Harris, reclama que os artefatos de interceptação de mísseis atuais têm apenas 50% de chance de sucesso, apesar do custo de US$ 50 bilhões.
A MDA diz ainda que a fala do personagem de Harris sobre 50% de chance de intercepção está baseada protótipos antigos, mas as armas atuais “têm mostrado uma taxa de precisão de 100% em testes há mais de uma década.”
Outro personagem de "Casa de Dinamite", o vice-assessor de segurança nacional, interpretado pelo ator Gabriel Basso, cita o índice de 61%. O roteirista do filme, Noah Oppenheim, falou sobre esse número à revista The Atlantic.
“Ele se baseia em dados de testes controlados. Então, você pode imaginar que esses são os melhores cenários possíveis. Muitas das pessoas com quem conversamos acharam que 61% era uma estimativa muito generosa quando se trata do sistema que temos. Como mencionamos no filme, há menos de 50 desses interceptores terrestres em nosso arsenal, então, mesmo que funcionassem perfeitamente, não temos muitos disponíveis para uso”, disse Noah.
A Bloomberg, o Pentágono insistiu que o sistema vigente “continua sendo um componente essencial de nossa estratégia de defesa nacional, garantindo a segurança do povo americano e de nossos aliados.”
Fato ou fake do filme
Disputas sobre porcentagem de eficiência de artefatos bélicos à parte, o filme, de fato, tem alguns exageros típicos de Hollywood, segundo especialistas militares independentes consultados pela rede de rádio NPR. A partir daqui, cuidado com os spoilers.
Logo de início, "Casa de dinamite" mostra o ataque nuclear acontecendo num lindo dia de sol, aparentemente calmo, com o míssil vindo do Pacífico em direção ao continente. O que experts salientam é que a probabilidade de um ataque desse tipo acontecer "do nada" é baixíssima, ou seja, é preciso que haja um conflito em andamento ou, no mínimo, uma grande tensão entre potências nucleares.
"Os verdadeiros perigos de uma guerra nuclear têm a ver principalmente com a escalada de uma crise não nuclear que evolua para um conflito armado", disse Matthew Bunn, especialista em questões nucleares na Escola Kennedy de Harvard.
O especialista acrescentou, na entrevista a NPR, que se um ataque surpresa acontecesse, nunca seria um único míssil e, sim, várias ogivas, a ponto de enfraquecer os Estados Unidos numa pronta-resposta. "Ninguém em sã consciência vai disparar apenas um míssil contra uma grande cidade americana do nada."
Confira o trailer:
Quantidade de interceptadores
Outra questão que os estudiosos divergem do filme é a quantidade de interceptadores disparados à medida que a ogiva do inimigo vai em direção ao alvo. O sistema de defesa terrestre de médio curso do país, em Fort Greely, Alasca, dispara dois interceptadores: um falha e o outro perde o alvo. Jeffrey Lewis, pesquisador de segurança global no Middlebury College, acredita que isso é bem provável de acontecer e, por isso, teriam que ser disparados pelo menos quatro.
"Eu acho que o sistema no Alasca, se tudo o que precisasse fazer fosse atingir um míssil solitário disparado sozinho, tem uma boa chance de acertar", disse ele, que reitera o fato de haver muitos cenários em que essas defesas podem falhar, sim. Afinal, muitas potências nucleares estão desenvolvendo ogivas capazes de escapar dessas defesas.
As cenas de Zoom
Muitas partes do filme giram em torno de chamadas de vídeo entre o presidente (interpretado por Idris Elba), o secretário de defesa (Jared Harris) e oficiais militares de alta patente. Ponto para o roteiro, segundo Stephen Schwartz, pesquisador da história dos sistemas de comando nuclear dos Estados Unidos.
"Se um míssil for detectado, o Centro de Comando Militar Nacional convoca uma teleconferência de avaliação de ameaças com vários oficiais de nível inferior", disse Schwartz a NPR. "Se a ameaça for validada, ela se transforma em uma teleconferência de ataque com mísseis, com a participação de autoridades de alto escalão e do presidente, se um conferencista sênior solicitar".
A turma da cenografia fez uma belo trabalho de reconstituição, porque, segundo Rose Gottemoeller, professora da Universidade Stanford que atuou como Secretária-Geral Adjunta da OTAN de 2016 a 2019 e anteriormente supervisionou o controle de armas no Departamento de Estado, as salas onde as ligações acontecem são "assustadoramente autênticas".
"A sala de situação na Casa Branca, por exemplo, era absolutamente perfeita", disse ela, acrescentando que o mesmo vale para a representação do local de comando subterrâneo do Comando Estratégico dos EUA em Omaha, Nebraska.
Outro detalhe importante que o pesquisador Stephen Schwartz elogia é a representação das opções do presidente para retaliação nuclear. De fato, elas são carregadas por um oficial militar em uma bolsa marrom, conhecida como "bola de futebol". Essa bola sempre acompanha o presidente aonde quer que ele vá, como um lembrete de que os EUA podem retaliar contra um ataque nuclear a qualquer momento.
"Parecia exatamente como é, e o manual de decisões presidenciais (que lista as opções predefinidas para um ataque nuclear) era um fac-símile de aparência razoável", disse Schwartz.

