Dj Dolores conta bastidores da produção de 'Da Lama ao Caos'
Artista narra fatos curiosos do disco que foi eleito por 25 especialistas como melhor álbum feito no Brasil nos últimos 40 anos
Eleito recentemente o melhor disco já feito no Brasil nos últimos 40 anos em enquete com 25 especialistas feita pelo jornal O Globo, "Da Lama Ao Caos", álbum de estreia de Chico Science e Nação Zumbi, lançado em 1994, foi produzido em uma época de poucos recursos tecnológicos acessíveis aos artistas. Helder Aragão, o Dj Dolores, que assina a capa do álbum em parceria com Hilton Lacerda (pelo estúdio Dolores e Morales), publicou em suas redes sociais um vídeo em que detalha momentos curiosos da produção do disco.
“Pra começar teve a reunião com o cara do marketing da Sony. A reunião foi com o fotógrafo Fred Jordão e com Hilton Lacerda, que foi o meu parceiro nesse projeto. A gente se encontrou com o cara e ele mostrou a capa do Asa de Águia. E dizia ‘a gente está pensando em uma coisa mais ou menos assim'. E eu disse: ‘cara, mas não tem nada a ver. Você ouviu o disco, o material dos caras?’ E ele falou: ‘ouvi, é uma coisa com tambor, com percussão, né?’ Então, na cabeça dele, Chico Science e Nação Zumbi era igual a Asa de Águia”, contou.
Helder lembra que aceitou fazer o trabalho por insistência de Chico Science e da banda, para fortalecer o movimento que eles estavam criando. “Eles bancaram essa ideia para manter o espírito da turma. Porque na verdade o manguebeat era um núcleo muito pequeno de amigos que foi se expandindo no decorrer do tempo”, lembra.
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Tecnologia analógica e problemas hi-tech
Apesar de fazer referência a um caranguejo futurista e passar uma aparência de alta tecnologia, a capa foi feita em processos muito artesanais e teve que enfrentar desafios para ser aprovada. “A gente não tinha recursos tecnológicos e basicamente tudo aquilo foi feito com xerox. Eu recortava, montava e colava. A gente tinha o conceito do caranguejo poderoso. Fred fez uma foto magnífica e aí a gente saiu processando essa foto usando máquina de xerox, uma coisa que nem existe mais hoje em dia”, relata.
“No final a gente colorizou. Mabuse tinha um computador com algum recurso gráfico e a gente fez as cores nesse computador super antigo (eu nem me lembro mais do nome do modelo, mas era um que veio antes do PC, imagina só…). Aí a gente precisava mandar um layout. Porque tinha a capa estava no computador, mas tinha que imprimir e não tinha impressoras coloridas. Então, a gente procurou uma agência de publicidade, a Ítalo Bianchi, eles tinham uma impressora de cera colorida. E acreditem: eles deixaram a impressora trabalhando durante a noite e foram seis horas para imprimir um layout, que era um pouco maior do que a capa do CD, para o pessoal da Sony aprovar e para os meninos da banda aprovarem”. recorda Helder.

Curiosidades da gravação
Helder, que até hoje tem guardada a demo original de Da Lama ao Caos, revelou detalhes interessantes sobre a produção musical do álbum. “O repertório do disco é incrível e eu já conhecia a maior parte das músicas, mas havia versões diferentes. A primeira música que eu lembro ter ouvido foi ‘A cidade’, em uma versão que era com Mabuse tocando baixo, Jorge du Peixe tocando uma ‘bateria de dedo’ e Chico cantando em um estilo ainda mais rapper do que tem gravado no disco (acho que muito influenciado por Kurtis Blow e por aquela galera da época”, detalha.
“Tem outra coisa que tem no disco que são os samples. A gente ouvia muita música e ele acabou incorporando alguns samples no ‘Da lama ao Caos’, como Brown Rice, do Don Cherry. Tem também as baianas de Alagoas, de um disco de pesquisa de cultura regional da Funarte. E deve ter mais coisas. O disco está recheado de samples. E aí eu me lembro de Chico falar ‘cara, a gente sampleou isso e aquilo, mas fica calado, ninguém pode saber disso’. Em uma época em que os algoritmos nem eram tão poderosos assim como os que identificam quando você usa um sample na sua música”, pontua.
“Queria dividir com vocês algumas lembranças sobre aquele momento tão bacana da vida da gente. Especialmente sobre esse que foi o primeiro disco que um amigo conseguiu gravar, então foi importante para todo mundo”, conclui Dolores.
Assista: