E o samba deu um salto...
Revista-selo gaúcha relança “Os afro-sambas”,disco de Vinicius de Moraes e Baden Powell gravado ao vivo em janeiro de 1966
O texto do poeta Vinicius de Moraes para a contracapa do LP sintetiza tudo o que ele e o violonista Baden Powell se haviam proposto em “Os afro-sambas”: dar uma sacudida naquela música brasileira que tinha ficado mais branca e comportada com o advento da bossa nova.
Gravado ao vivo entre os dias 3 e 6 de janeiro de 1966, num estúdio no porão de um prédio no Centro, alagado pelas chuvas torrenciais que tinham castigado o Rio de Janeiro pouco antes, o álbum atravessou décadas e reviravoltas na MPB, mas sua mensagem continua a ser escutada por músicos mais jovens até que o LP.
Eles são parte de um contingente de ouvintes que aguarda, para a segunda quinzena de novembro, a primeira reedição em vinil dos “Afro-sambas”, a ser feita pelo Noize Record Club, uma revista-selo de Porto Alegre.
“Já o Vinicius pegava aquela referência do candomblé, que era de certa forma distante para ele, e escrevia de uma forma aberta, com metáforas sobre o amor e a existência. Ele transformou os orixás em algo poético e universal”.
Saxofonista, compositor, arranjador e um dos grandes renovadores da música da Bahia (e do Brasil) com a Orkestra Rumpilezz, Letieres Leite diz que a incontestável contribuição de “Os afro-sambas” para a MPB é a divulgação da música africana ligada à religião, “principalmente, por conectá-la com o ambiente da bossa nova, em evidência na época”.
E a influência dos “Afro-sambas” chega até a Abayomy Afrobeat Orquestra, grupo carioca que busca aclimatar no Brasil a revolução do afrobeat: mistura de funk, jazz e música tradicional africana gestada na Nigéria, nos anos 1970, pelo saxofonista Fela Kuti. Para Alexandre Garnizé, percussionista e um dos idealizadores da Abayomy, o disco de Baden e Vinicius é uma referência tanto de poesia quanto da diáspora às avessas, “que é quando você vai buscar as suas origens”: “Acho que, sendo relançado agora, esse trabalho garante ainda mais a visibilidade das raízes africanas, sejam elas bantus, haussás, igbos e iorubás. A mãe é a mesma, e continua a amamentar o mundo inteiro”.
O disco de Baden Powell e Vinicius de Moraes é o primeiro relançamento histórico do Noize Record Club, um sistema de assinatura que já editou com exclusividade, para seus sócios, LPs do grupo gaúcho Apanhador Só, da Banda do Mar (de Marcelo Camelo, Mallu Magalhães e Fred Ferreira), de Curumin, Otto e Tulipa Ruiz.
Além dos LPs produzidos em tiragens limitadas (serão 1,5 mil cópias do “Afro-sambas”, algumas das quais para venda avulsa), os assinantes recebem em sua casa um kit com uma edição especial da revista “Noize” impressa, direcionada à temática do disco lançado. Em conjunto, as famílias de Vinicius de Moraes e de Baden Powell (morto em 2000) fizeram o convite aos gaúchos para reeditar o trabalho em LP.