Francisco Brennand terá um instituto à altura do seu mestre
A Oficina Cerâmica Francisco Brennand passará de privada para instituição sem fins lucrativos, a fim de imortalizar e divulgar a obra deste que é um dos maiores artistas plásticos do Brasil e do mundo
No coração da mata da Várzea, sobre as ruínas da antiga Cerâmica São João, Francisco Brennand vem construindo, há quase 50 anos, uma espécie de cidadela de sonho (que, como bem pontua sua filha Maria Helena, só tem como paralelo possível, em extensão e importância, o conjunto arquitetônico construído por Antoni Gaudí, em Barcelona, na Espanha).
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As ações acontecem após quase cinco anos de preparativos, com estudos jurídicos especializados e a colaboração da sobrinha-neta do artista, Marianna Brennand Fortes, que é cineasta e neta de Cornélio Brennand - irmão de Francisco, este, por sua vez, também aderiu ao projeto e é o primeiro patrocinador confirmado da nova instituição. "Só demos início ao processo porque era esta a vontade dele. É um privilégio poder fazer isso enquanto ele está vivo, lúcido, podendo dizer o que e como ele quer que seja feito, como ele gostaria que fosse e o que ele não quer de jeito nenhum. Ele está com 92 anos, mas esperamos ter ainda muito tempo para que ele nos guie nessa nova etapa", acrescenta Neném.
Em 1961, ele ocupou a antiga Cerâmica São João, que tinha sido fundada por seu pai, Ricardo, em 1917, mas estava em ruínas, com alguns poucos fornos em funcionamento. Lá, ele fez experimentos que lhe permitiram criar o célebre painel da Batalha dos Guararapes, até hoje exposto no centro do Recife.
"É um espaço único. Dificilmente um artista conseguirá, como ele fez, concentrar a maior parte de sua produção dentro de um espaço e não pulverizado em galerias, museus e coleções particulares. Além disso, é uma produção que tem uma narrativa intrínseca, todo um pensamento, uma visão de mundo, uma mensagem que ele quer deixar. Ali está a alma dele e seu legado para as novas gerações", diz Marianna Brennand.
"Ele tem uma história muito bonita com esse espaço, porque ele já entrou ali com a intenção de continuar contando a história daquela fábrica", pontua Marianna. "A paixão do pai dele, meu bisavô Ricardo, pela cerâmica e por aquela mata sempre o encantaram", destaca. Segundo Neném, nada foi demolido ou retirado. "Ao chegar aqui, papai aproveitou cada pequeno detalhe, recriou em cima do que existia".
O espaço hoje ocupado por uma espécie de templo com ovos, soldados, pássaros-roca, trechos de literatura e toda uma fauna de elementos fantásticos que só pode ser vista e apreciada, mas palidamente descrita, foi gradativamente montado sobre uma olaria em ruínas, num galpão paralelo àquele que continua em funcionamento atualmente. "Existe aqui uma memória afetiva de mais de 80 anos. Papai vinha brincar com os irmãos quando era criança, ele cresceu neste espaço e sempre disse que, para ele, era um lugar de mistério. Graças a Deus, ele pôde sentir e ampliar aquele mesmo mistério a vida inteira, tornando a oficina uma fonte eterna de inspiração", diz Neném.
Detalhes do espaço do Instituto Oficina Francisco Brennand - Crédito: Rafael Furtado/Folha de Pernambuco
Cravado na história
O processo que abriu caminho para que o Instituto Oficina Francisco Brennand pudesse ser implementado começou em 2002, quando Marianna Brennand Fortes iniciou sua pesquisa para o documentário cinematográfico "Francisco Brennand", lançado uma década depois. "Descobri que a obra dele não estava catalogada, nem esculturas, pinturas, desenhos... Nada. Então buscamos resgatar a memória, conservando o acervo artístico e também os documentos e fotografias", descreve ela.
Na sequência, foram elaborados o livro "O Universo de Francisco Brennand" (2011) e, em 2016, foram publicados os diários que o artista escreveu a partir dos 22 anos. As bases do Instituto começaram a ser firmadas a partir desse resgate da memória de Francisco Brennand. "Começamos a perceber a necessidade de musealização do espaço, de transformar aquele lugar num centro cultural com uma orientação mais institucional", diz Marianna.
"Aquela mata começou a ser preservada pelo pai dele, há mais de cem anos. Ainda existe vegetação primária no interior dessa mata, além do que foi reflorestado. Então, também existem muitas atividades que a gente gostaria de fazer nesse âmbito ambiental, de educação e de preservação", conta Marianna, para quem o novo instituto pode se tornar uma grande potência de desenvolvimento para a região.