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Ironia, perfil abusivo e excêntrico: como a defesa de "Diddy" conseguiu "livrá-lo" de pena perpétua

Brevidade da atuação dos advogados de rapper em julgamento foi sinal de que estavam confiantes em absolvição nos crimes mais graves, como o de associação criminosa

Rapper P DiddyRapper P Diddy - Foto: AFP

Durante 28 dias de depoimentos, promotores federais convocaram testemunhas que relataram histórias contundentes de violência, atos de intimidação e sexo voyeurista em quartos de hotel com "oceanos" de óleo de bebê. Segundo disseram, Sean Combs era o chefe do esquema. A condenação parecia próxima. Mas alegações não convenceram os jurados, que decidiram condenar o rapper em dois casos de transporte para fins de prostituição, mas absolvê-lo nos crimes mais graves, de tráfico sexual e associação criminosa.

Investigadores detalharam ao júri as batidas realizadas nas mansões de Combs em Miami Beach e Los Angeles, onde foram apreendidos vários fuzis estilo AR-15 e drogas ilícitas. Pessoas que trabalhavam para Combs — o magnata da música conhecido como Puffy Daddy ou Diddy — testemunharam que compravam drogas para ele ou que haviam presenciado seus abusos físicos contra uma ex-namorada.

Diante dessas evidências, a defesa apresentou argumentos por menos de meia hora. Combs se recusou a testemunhar, e nenhuma outra testemunha foi convocada. A rapidez surpreendeu após seis semanas de julgamento. Em retrospecto, a brevidade da atuação da defesa foi um sinal de que os advogados de Combs estavam confiantes de que o governo não havia conseguido convencer o júri federal de que Combs era, como acusado, o chefe de uma organização criminosa.

Essa confiança pareceu balançar na tarde de terça-feira, quando oito advogados de Combs se reuniram de forma sombria com seu cliente após o júri declarar que havia chegado a um veredito em todas as acusações, exceto na de associação criminosa. Mas os mesmos advogados comemoraram na quarta-feira quando o júri declarou Combs inocente das acusações de tráfico sexual e de associação criminosa — as duas mais graves.

Embora as condenações de Combs por duas acusações menores de transporte para fins de prostituição possam levá-lo a passar anos na prisão, as duas acusações mais graves poderiam resultar em sentenças de prisão perpétua.

— Ele lutou por sua inocência — disse Marc Agnifilo, principal advogado de Combs, no tribunal. — Um júri ouviu as evidências. E o absolveu das acusações mais graves.

Como a defesa conseguiu "livrar" Diddy?
A absolvição de Combs nas acusações mais pesadas o redimiu aos olhos de seus apoiadores, embora tenha gerado preocupação entre grupos de defesa dos direitos das mulheres. Também levantou questionamentos sobre se o governo teria exagerado ao acusar Combs de ser muito mais do que um namorado abusivo — um verdadeiro chefe de quadrilha.

— A primeira conclusão que vou pedir que vocês cheguem é que este caso foi extremamente, extremamente exagerado — disse Agnifilo ao júri de oito homens e quatro mulheres na declaração final da semana passada.

A acusação de associação criminosa pela qual Combs foi julgado foi originalmente criada para combater o crime organizado, como a máfia, embora tenha sido ampliada para incluir casos de crimes sexuais, como nos casos de R. Kelly e do líder de culto Keith Raniere.

Os promotores tentaram provar que Combs coagiu duas mulheres a participarem de maratonas sexuais com acompanhantes homens, usando drogas para mantê-las acordadas, ameaças para mantê-las obedientes e funcionários fiéis para organizar a logística.

A defesa sustentou que os encontros sexuais eram consensuais — ainda que “excêntricos” — e envolviam namoradas de longa data. Também argumentou que a equipe de assistentes e seguranças de Combs estava longe de ser uma quadrilha criminosa.

Quando a acusação concluiu sua argumentação, a defesa já havia apresentado a maior parte de suas teses por meio de longos e vigorosos contra-interrogatórios. Os advogados de Combs buscaram reformular o que os promotores apresentavam como evidência de mulheres coagidas a atos sexuais abusivos, interpretando como relações adultas consensuais — embora pouco convencionais.

Foram apresentados dezenas, senão centenas, de mensagens de texto enviadas por suas ex-namoradas, algumas demonstrando entusiasmo ou até empolgação em relação ao sexo que estava no centro do processo. A defesa utilizou sete dos seus nove advogados para explorar inconsistências nos depoimentos das testemunhas — em um momento, descreditando tanto a linha do tempo de uma testemunha que o juiz chamou de “um verdadeiro momento Perry Mason”.

Embora a acusação tenha exibido trechos de vídeos dos encontros sexuais, conhecidos como “freak-offs” e “noites de hotel”, a defesa apresentou um conjunto mais amplo dessas imagens — cujo impacto completo talvez nunca seja amplamente conhecido, já que foram restritas ao público.

A acusação concentrou grande parte de seu caso em mostrar que Combs apresentava um padrão de violência física, especialmente contra Casandra Ventura, a principal testemunha. Ela começou a namorar Combs aos 21 anos, quando era cantora em sua gravadora. Ele tinha 37.

"Assumir o que não se pode negar"
Durante quatro dias de depoimento, Ventura afirmou que a violência de Combs era frequente e imprevisível — deixando-a com olhos roxos, lábios inchados e hematomas — e que ela tinha medo do que poderia acontecer se recusasse suas exigências de sexo com acompanhantes masculinos.

— Bastava fazer uma cara errada e, na sequência, eu levava um soco no rosto — disse ela.

Neste ponto, a defesa adotou uma estratégia clássica: admitir o que não se pode negar.

— Assumimos total responsabilidade de que houve violência doméstica neste caso — disse Teny Geragos, uma das advogadas de Combs, no primeiro dia do julgamento.

Mas a defesa rejeitou veementemente a ideia de que a violência era usada para forçar Casandra a atos sexuais.

Ao interrogar as mulheres que Combs era acusado de traficar — Ventura e uma mulher identificada pelo pseudônimo “Jane” —, a defesa evitou ser combativa. Em vez disso, passou horas pedindo que Casandra e Jane lessem em voz alta suas próprias mensagens de texto para Combs, muitas delas expressando amor ou interesse em sexo aventureiro.

“Baby, eu quero fazer FO muuuuito”, escreveu Casandra Ventura para Combs antes do incidente de 2016, usando uma abreviação para "freak-off".

Nas alegações finais, Agnifilo foi por vezes sarcástico ao retratar o caso da promotoria como uma invasão do governo à vida sexual privada de adultos. Ele ridicularizou as acusações como implausíveis e apresentou Casandra Ventura como uma mulher ousada e sexualmente aventureira.

A acusação mais grave
Para provar a acusação de associação criminosa, o governo precisava convencer o júri de que Combs fazia parte de uma organização criminosa — com estrutura contínua, que cometia crimes e que não era apenas um grupo informal de conhecidos, mas sim, uma entidade com um objetivo em comum.

A acusação disse que membros do círculo de Combs, chamados de co-conspiradores, participaram ativamente de atos ilegais. Uma assistente, disseram os promotores, ensinou Jane a esconder drogas num avião. Quando Jane perguntou se era seguro, ela testemunhou que a assistente, Kristina Khorram, respondeu: “Claro, eu faço isso o tempo todo”.

Khorram, que não foi acusada nem chamada a testemunhar, também teria ajudado a comprar as imagens de segurança do vídeo do hotel.

Mas Agnifilo apontou que os funcionários pareciam tentar conter a agressividade de Combs, e não incentivá-la. Após a agressão no hotel em 2016, Combs teria aparecido no apartamento de Casandra Ventura e tentado arrombar a porta com um martelo, segundo uma testemunha. A mulher disse que não chamou a polícia. Em vez disso, ligou para Khorram e para um segurança conhecido como D-Roc.

— Quer dizer, se, Deus me livre, se John Gotti estivesse na sua porta, você chamaria Sammy Gravano para se livrar dele? — perguntou Agnifilo ao júri, referindo-se a um chefe da máfia e seu assessor que já foi associado a uma forma mais tradicional do crime organizado.

Agnifilo criticou particularmente as buscas nas propriedades de Combs em março de 2024, quando agentes federais fortemente armados encontraram e fotografaram armas e drogas, além de centenas de frascos de óleo de bebê e lubrificante da marca Astroglide.

— Ufa, já me sinto melhor — disse Agnifilo, acrescentando: — As ruas dos Estados Unidos estão a salvo do Astroglide!

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