"A regulação do streaming é para ontem", defende Joelma Oliveira Gonzaga, secretária do Audiovisual
Secretária Nacional do Audiovisual reconhece que há muito o que fazer para que obras nacionais 'cheguem ao grosso da população brasileira' e diz que 'almejamos muito ser uma grande indústria'
Iniciando seu terceiro ano à frente da Secretaria Nacional do Audiovisual, Joelma Oliveira Gonzaga falou ao Globo, durante a 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes, sobre o retorno da cota de tela, o sucesso de “ Ainda estou aqui” e um tema prioritário para o setor audiovisual nacional: a regulamentação do streaming.
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São dois anos à frente da Secretaria do Audiovisual e da retomada do Ministério da Cultura. Como vê o trabalho feito até aqui?
São dois anos de reconstrução não apenas do Ministério da Cultura, mas da própria Secretaria do Audiovisual e de um pensamento macro sobre qual é a política para o audiovisual no Brasil.
No primeiro ano, focamos o trabalho na institucionalização, fortalecendo a governança. Tivemos o impacto da Lei Paulo Gustavo, que é majoritariamente sobre o audiovisual em termos de recurso.
No segundo ano, nos debruçamos nos planos de diretrizes e metas para chegar neste terceiro ano pensando no audiovisual para os próximos dez anos. Entramos no Conselho Nacional da Indústria, uma pauta antiga do setor.
Almejamos muito ser uma grande indústria do audiovisual. Somos muitos consumidores, produzimos muito, e temos a oportunidade agora de sermos um dos grandes produtores de audiovisual no mundo.
Estamos batalhando para ontem a regulação das plataformas de streaming. A ministra (da Cultura) Margareth (Menezes) tem feito várias articulações com outros ministérios, como o da Fazenda e o do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, porque não dá para passar deste ano a regulação do VOD (video on demand).
E não é qualquer regulação. É regular essas plataformas tendo como prioridade a produção brasileira independente, a proteção ao nosso direito patrimonial e a propriedade intelectual. Que muitas séries e filmes venham aí com direito majoritariamente nosso.
Nenhuma indústria cresce sem impulsionar ou proteger sua propriedade. É uma questão de soberania.
A ministra Margareth fala bastante sobre a regulamentação das plataformas de streaming. Em 2023, a secretária falou que estavam sendo realizados estudos sobre modelos de como fazer isso. Já existe algo mais concreto sobre o tema?
No primeiro ano iniciamos um trabalho para estudar as experiências internacionais de regulação.
E agora chegamos ao terceiro ano para regular e regulamentar tendo como diretrizes macro a proteção ao direito autoral, a proteção ao direito patrimonial, a transparência de dados, a visibilidade das nossas produções nas plataformas de streaming através dos mecanismos de cota de catálogo e proeminência, a contribuição à nossa Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) do Fundo Setorial do Audiovisual a partir de uma alíquota pra Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional) que seja a partir do faturamento bruto dessas empresas.
A ministra falou que o mínimo pautado para esta alíquota é de 6%.
Após anos sem validade, a cota de tela foi retomada ano passado. E já se vê um reflexo no aumento do market share do cinema brasileiro em 2024. Como vê este movimento?
O retorno da cota de tela da TV paga e do cinema foi importantíssimo. Conseguimos ali no finalzinho de 2023. Era muito importante que a gente tivesse, de imediato, este mecanismo de volta, que está na nossa legislação há 90 anos e que garante o espaço para as produções brasileiras nas salas de cinema.
Este segundo ano do decreto vem com uma ampliação no que trata a diversidade de obras e com a definição também de um horário a partir das 17h, reservando para as nossas produções um horário mais nobre nos cinemas. E isso já se refletiu.
O market share ainda pode chegar mais longe. Nos próximos dois anos vamos nos dedicar muito a campanhas de promoção do cinema brasileiro e o fomento aos festivais de cinema, que funcionam como formação de plateia.
O cinema brasileiro está em alta, e ainda temos muito por fazer para que as nossas obras cheguem ao grosso da população brasileira, um déficit que ainda enfrentamos.
Uma pauta que está presente no audiovisual, muito discutida a partir das greves em Hollywood, é a inteligência artificial. Isso é algo em debate na secretaria?
A inteligência artificial é uma pauta que, no momento, está muito ligada à Secretaria de Direitos Autorais.
Mas é algo que está forte no nosso radar. Precisamos olhar com muita atenção e entender a convergência dela com a pauta do audiovisual.
Como vê a importância dessa trajetória de “Ainda estou aqui” para o cinema brasileiro?
É uma alegria e um orgulho imenso como cidadã e profissional do audiovisual ver “Ainda estou aqui” no lugar que ele está. Não só pelo que ele fala, que é um tema muito caro a todos nós e que agora está transbordando fronteiras, mas é um filme brasileiro, falado em português, que está no mundo.
É muito grande. Assim que saiu o anúncio das indicações ao Oscar, me lembrei da fala de Bong Joon-ho ao ganhar o Oscar por “Parasita”. Ele falou que, se nós nos abrirmos para outras línguas, as histórias irão transpor barreiras.
Foi o que “Parasita” fez e é o que “Ainda estou aqui” está fazendo agora. É o que queremos e trabalharemos para que muitas outras obras brasileiras façam.