Lô Borges e o Clube da Esquina, movimento que 'se fez canção'
Artista mineiro morreu aos 73 anos, deixando órfã toda uma geração agraciada por sua essência criativa
No cruzamento das ruas Paraisópolis e Divinópolis, em Belo Horizonte, nas Minas Gerais, ‘tudo se fez canção’. Com amigos que viraram músicos e com músicos que transformaram a música brasileira, fazendo dela um movimento que se tornaria um álbum, um dos melhores de todos os tempos.
Decerto Lô Borges não previu que um “mero” ponto de encontro regado a papo e música formaria um perene “Clube da Esquina”. Assim como os contemporâneos e fãs desta combinação ressonante de jazz, de rock (a la Beatles) e de música mineira, não imaginavam que perderiam tão cedo o seu maior inventor.
O cantor, compositor e instrumentista Salomão Borges Filho, Lô Borges, se foi aos 73 anos. Internado por causa de uma intoxicação de medicamentos, a causa da morte se deu em decorrência de falência múltipla dos órgãos.
O velório acontece nesta terça (4), no Teatro Cemig, do Palácio das Artes, e será aberto ao público. O enterro acontece em seguida. Em nota, o Governo do Estado de Minas Gerais decretou luto oficial de três dias.
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A sua partida, anunciada nesta segunda (3), deixou orfã toda uma geração agraciada pela essência criativa do mineiro, que junto a nomes como Beto Guedes, Wagner Tiso, Toninho Horta, Márcio Borges e Milton Nascimento, nos idos anos de 1960, mudaria para sempre a história da música brasileira.
Nascido em Santa Tereza, bairro que abrigava a família Borges, “Clube da Esquina”, composto por Lô, Márcio e Milton, deu nome ao álbum de Bituca em 1972 e, quase cinquenta anos após, foi eleito o nono melhor de todos os tempos pela revista Paste Magazine.
Cruzamento de esquinas em Santa Tereza (MG) inspirou o icônico "Clube da Esquina" | Crédito: Vanessa Lins/Folha de Pernambuco
Tal qual outras de autoria de Lô Borges, a exemplo de “Um Girassol da Cor do seu Cabelo”, “O Trem Azul” e “Paisagem da Janela”, os ares mineiros ultrapassaram fronteiras.
Carreira e parcerias
Foi com Milton Nascimento, também idealizador do movimento, que Lô fincou uma de suas maiores parcerias.
No icônico “Clube da Esquina”, o mineiro foi intérprete em algumas das vinte faixas e assinou outras como “Tudo que Você Podia Ser”, “Nuvem Cigana” (com Ronaldo Bastos) e “Paisagem da Janela” (com Fernando Brant). Antes do lançamento deste álbum, Bituca já havia levado para o seu disco “Milton” (1970) a composição “Para Lennon e McCartney”, de Lô Borges em parceria com Márcio Borges e Fernando Brant.
Crédito: Ale Frata/Código 19/Estadão ConteúdoA sua partida trouxe às redes sociais de Milton Nascimento, o amor declarado entre os artistas: “Foram décadas e mais décadas de uma amizade e cumplicidade lindas, que resultaram em um dos álbuns mais reconhecidos da música no mundo: o ‘Clube da Esquina’ (...). O Brasil perde um de seus artistas mais geniais, inventivos e únicos”, publicou o amigo.
Com o irmão, Márcio Borges, 79, Lô também o firmou como um dos principais companheiros da música, escrevendo com ele “Trem Doido” e “Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor”, entre outras. Fernando Brant e Ronaldo Bastos integram, ainda, o rol de parcerias musicais do mineiro, que teve história também com Beto Guedes e, nos anos 2000, com o conterrâneo Samuel Rosa (Skank), assinando com Nando Reis a clássica “Dois Rios”.
“(...) Afora os mais de 30 anos com meus amigos do Skank, o maior parceiro que tive na música”, escreveu Samuel em seu Instagram, como legenda de um vídeo em que canta “Um Girassol da Cor do seu Cabelo”.
Show adiado
Gal Costa, Elis Regina e Nana Caymmi também se tornaram intérpretes de suas canções. Lô chegou a engatar carreira solo após o ‘boom’ com o ‘Clube’, com o álbum “Lô Borges”, o “disco do tênis”, por causa da capa cuja imagem era de um tênis, ganhou lançamento no mesmo ano de 1972.
Seria o primeiro de outras dezenas que sucederam, até o derradeiro “Céu de Giz’’, disco de inéditas produzido ao lado do maranhense Zeca Baleiro.
A dupla ia dividir o mesmo palco em show no Teatro Guararapes, em Olinda, inicialmente marcado para o próximo 15 de novembro e remarcado por causa do problema de saúde que acometeu o mineiro, para maio de 2026. A apresentação com a presença (física) de Lô Borges não vai mais acontecer.
“E lá se vai mais um dia”, a partir de agora, para seguir a “(...) contar compasso, contar consigo”, sob inspiração de um dos mais inventivos nomes da música brasileira.

