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Matisse e Portinari: séries roubadas em São Paulo são marcos do modernismo brasieliro e mundial

Um dos ladrões que levaram, no domingo, 13 gravuras expostas na Biblioteca Mário de Andrade foi preso nesta segunda-feira (8)

Obras foram roubadas da Biblioteca Mário de AndradeObras foram roubadas da Biblioteca Mário de Andrade - Foto: Prefeitura de São Paulo/Divulgação

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Agência O Globo -
cultura

Um audacioso roubo à Biblioteca Mário de Andrade, no Centro de São Paulo, mobilizou autorididades da capital e durante o domingo (7) e a parte da segunda-feira, após oito gravuras do francês Henri Matisse e cinco do brasileiro Candido Portinari serem levadas da exposição "Do livro ao museu: MAM São Paulo e a Biblioteca Mário de Andrade".

A exposição, realizada em parceria com o Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, reunia obras e livros raros para celebrar a influência da instituição na formação da arte moderna no país, e seria encerrada neste domingo. Nesta segunda, um dos dois suspeitos, Felipe dos Santos Fernandes Quadra, de 31 anos, foi localizado e preso em uma casa na Mooca, na Zona Leste de São Paulo.

As gravuras foram levadas após criminosos renderem os seguranças locais e dois idosos que visitavam a mostra, na manhã do domingo. A lista divulgada pela Prefeitura de São Paulo aponta o roubo de oito das das 20 pranchas impressas do raro livro "Jazz", lançado pelo pintor francês em 1947.

Já as gravuras de Candido Portinari pertencem à série “Menino de engenho”, criadas para ilustrar o clássico de José Lins do Rego, publicado em 1932. Segundo reportagem do Jornal Nacional, funcionários da Biblioteca estimaram o valor das obras roubadas em mais de R$ 1, 3 milhão.

As pranchas de "Jazz" foram identificadas como as seguintes:

"Jazz" é considerado um dos mais importantes livros de artista lançados no século XX, sendo um marco na técnica de découpage (recortes de papel) desenvolvida por Matisse e pela relação inovadora estabelecida entre texto e imagem. Em abril deste ano, o livro foi o destaque do leilão de "Gravuras e múltiplos" da Christie's, que alcançou US$ 8,6 milhões (R$ 46,2 milhões na cotação atual) em Nova York. A obra foi arrematada por US$ 504 mil (R$ 2,7 milhões), 68% acima da estimativa mínima, de US$ 300 mil.

O livro foi o primeiro grande trabalho a apresentar a técnica de "desenhar com tesouras", na qual Matisse cortava formas de folhas de papel previamente pintadas com guache por seus assistentes, adotada após enfrentar problemas de saúde.

Após uma cirurgia para tratar um câncer, em 1941, aos 71 anos, o francês ficou impedido de pintar da maneira tradicional, ficando de pé por longos períodos. Ao adotar o recorte como expressão, Matisse conseguiu trabalhar sobre uma cadeira de rodas ou sua cama, mantendo-se ativo até seus últimos anos de vida, em 1954.

A junção entre cores e linhas foi uma nova contribuição do francês ao modernismo, após tornar-se a principal referência do fauvismo no início do século XX, movimento que trouxe o uso de cores puras, fortes e aplicadas de maneira não descritiva, de forma que o cromatismo expressasse emoções por si só. A relação entre texto e imagem na publicação também é tida como revolucionária, com o artista dispensando as fontes tipográficas tradicionais para escrever tudo a mão, como uma caligafia em grande escala.

Série criada para a coleção Cem Bibliófilos
Já as obras de Portinari foram criadas para a Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil, projeto editorial de luxo fundado nos anos 1940 pelo industrial e mecenas Raymundo de Castro Maya — cuja coleção deu origem aos Museus Castro Maya, no Rio: o Museu do Açude e o Museu da Chácara do Céu. A proposta era reeditar obras-primas da literatura brasileira, ilustradas por grandes artistas nacionais. Além de "Menino de engenho", Portinari foi incumbido de ilustrar as edições de "O alienista" e "Memórias póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis.

Filho do modernista, o matemático, escritor e professor João Candido Portinari, idealizador do projeto que leva o nome do pai, explica que as reedições limitadas a cem exemplares, distribuídos aos membros, trazia uma tiragem numerada de gravuras que acompanhavam o texto, como as expostas na BMA.

— O Zé Lins do Rego e meu pai foram muito amigos. A minha mãe costumava fazer umas macarronadas que viravam a noite, e muitos escritores frequentavam. Iam o Graciliano Ramos, o Manuel Bandeira, o Drummond, o Jorge Amado, e o Zé Lins fazia parte desse grupo. Eles discutiam tudo, arte, literatura, política, o que acontecia no mundo — conta João Candido. — Meu pai fez parte da segunda geração do modernismo, depois do "Salão Revolucionário", organizado pelo Lúcio Costa em 1931. O Zé Lins também chega na literatura nesse período, como um dos pioneiros do romance moderno nordestino.

O que se sabe até agora sobre o assalto
Nesta segunda-feira (8) um dos dois suspeitos foi preso pela polícia de São Paulo. Felipe dos Santos Fernandes Quadra, de 31 anos, foi localizado em uma casa na Mooca, na Zona Leste. Segundo autoridades, ele já tinha antecedentes por furto, roubo e tráfico de drogas.

O segundo criminoso, embora identificado, segue foragido. A dupla foi reconhecida a partir de imagens de câmeras do Smart Sampa, que registraram os dois andando com as obras roubadas na manhã de domingo (7). Enquanto a prefeitura citou o programa municipal de vigilância como responsável por identificar os criminosos, o governo do Estado pontuou que o programa estadual, o Muralha Paulista, ajudou na prisão.

Trocas de roupa, abandono de veículo e quadros 'largados' em esquina: a fuga caótica após o assalto à Biblioteca Mário de Andrade

A Prefeitura afirma que as peças tinham apólice de seguro vigente, e todo o material disponível foi entregue às autoridades para auxiliar as investigações. Para evitar que as peças deixem o país, a Prefeitura de São Paulo acionou a Interpol, por meio da Polícia Federal. A 1ª Central Especializada de Repressão a Crimes e Ocorrências Diversas (Cerco) afirmou, em nota, que apura o caso. O carro usado na fuga foi apreendido e encaminhado para perícia

Outro caso
Não fi a primeira vez que o lugar foi alvo de um roubo. Em junho de 2024, a Polícia Federal (PF) anunciou a recuperação de várias gravuras raras que haviam sido furtadas da Biblioteca Mário de Andrade em 2008 — um dos episódios mais graves de furto de acervo cultural da instituição.

As gravuras brasileiras do livro "Souvenirs de Rio de Janeiro", pintado à mão por Johann Jacob Steinmann entre 1834 e 1835, foram encontradas 16 anos depois com um colecionador brasileiro, que teria comprado a obra legalmente numa casa de leilões em Londres. Após recuperadas, as obras foram devolvidas à Prefeitura de São Paulo, responsável pela Biblioteca Mario de Andrade.

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