"O conto da aia" deve terminar com mensagem de esperança, diz criador e produtores da série
Série que se tornou símbolo da resistência contra a extrema-direita chega à ultima temporada
Embora tenha sido concebida na era Barack Obama, “The handmaid's tale - O conto da aia” estreou no Hulu nos primeiros meses da presidência de Trump. Oito anos depois, chega ao fim no início do segundo mandato como um símbolo duradouro — ainda que inicialmente acidental — de resistência feminista.
Assim como o romance de Margaret Atwood, de 1985, no qual é baseada, “The handmaid's tale - O conto da aia” foca na violência infligida às mulheres em Gilead, um lugar assolado por baixas taxas de natalidade e desastres ambientais, que divide as mulheres, com base em idade e fertilidade, em Esposas, Aias, Marthas, Tias, Econoesposas e Não-Mulheres.
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Desde o início, a série foi interpretada como um comentário contínuo sobre a política de gênero no mundo real — ativistas em todo os EUA usaram o uniforme das Aias (capas vermelhas e toucas brancas) em protestos, e “The handmaid's tale - O conto da aia” fez história ao se tornar a primeira série de streaming a vencer o Emmy de melhor drama, em 2017.
Seu enredo distópico, no qual uma nação assume controle total sobre os direitos reprodutivos das mulheres, tornou-se ainda mais ameaçador conforme legislaturas estaduais norte-americanas aprovaram restrições ao aborto, culminando na revogação do caso Roe v. Wade pela Suprema Corte, em 2022.
“The handmaid's tale - O conto da aia” termina em 27 de maio. (Uma série derivada, chamada "The Testaments", está em produção.) A sexta e última temporada se concentra no poder da ação coletiva, incluindo a colaboração inesperada entre antigas inimigas: June Osborne (Elisabeth Moss) e Serena Joy (Yvonne Strahovski), em sua tentativa de destruir Gilead e restaurar a democracia americana. (Como ex-Aia, June era rotineiramente estuprada pelo marido de Serena, um alto funcionário do regime.)
Membros da equipe criativa falaram sobre“The handmaid's tale - O conto da aia” em entrevistas recentes por vídeo, incluindo Strahovski e Moss (também produtora e diretora da série), o criador Bruce Miller, o produtor Warren Littlefield e os showrunners da sexta temporada, Yahlin Chang e Eric Tuchman (ambos roteiristas nas temporadas anteriores).
Eles discutiram o legado duradouro do livro de Atwood, a relação da série com eventos políticos atuais e o amor profundo entre June e Serena. A seguir, trechos editados da conversa:
Quando você idealizou a série, sentia que precisava ser fiel ao romance de Margaret Atwood?
BRUCE MILLER: Li "O conto da aia" pela primeira vez na faculdade. Sou disléxico, então costumo reler os mesmos livros várias vezes. Como esse virou um dos meus favoritos, não queria estragar tudo numa adaptação. O essencial, pra mim, não era a fidelidade ao livro ou à Margaret como artista — era o poder da narrativa, que já tinha resistido a muitas leituras. Há partes que nunca entendi direito.
ELISABETH MOSS: O tom da Margaret é muito específico e importante demais para ficar de fora da série. Como produtora, se me mandam um projeto e dizem: “Não vejo como isso pode virar um filme ou série”, eu penso: “Você já leu 'O conto da aia'?” É uma narrativa em primeira pessoa, toda pelo ponto de vista de uma única personagem, cheia de pontas soltas e com um final abrupto e sem explicações.
Assim como o livro, a série tem um tom profético em relação à política, mas é bem mais diversa em termos raciais e culturais. Quais foram suas prioridades na adaptação?
MILLER: Desde o início, decidi que a fertilidade seria o fator dominante. Imaginei que, quando a taxa de natalidade caísse 95%, o racismo, o sexismo e outros preconceitos desapareceriam. Estava completamente errado. Os últimos 10 anos mostraram que essas coisas são mais arraigadas do que eu pensava. Mas, de maneira prática, seguir o livro à risca e excluir atores não brancos não fazia sentido.
WARREN LITTLEFIELD: Queríamos que a série fosse relevante. E, para isso, precisávamos refletir o mundo em que vivemos.
A série foi desenvolvida durante o governo Obama, e mesmo naquela época já víamos a ascensão da extrema direita, nos EUA e no mundo. Achávamos que isso chegaria à Casa Branca? Não. Mas quando estávamos prestes a filmar o episódio 4, percebemos que o presidente seria Donald Trump. Então nos vimos fazendo essa série justamente naquele momento. Meses depois, o Hulu comprou espaço publicitário no Super Bowl para a série, o comercial passou duas vezes, e de repente fomos “adotados” como parte da resistência.
Vocês tinham objetivos políticos específicos?
YAHLIN CHANG: Se essa série puder inspirar ao menos uma pessoa a continuar lutando e não desistir, já ficamos felizes. Na segunda temporada, escrevi o episódio em que June reencontra sua filha Hannah por 10 minutos antes de serem separadas de novo. Coincidentemente, esse episódio foi ao ar na mesma semana em que Donald Trump separava pais e filhos na fronteira. Também fizemos um episódio em que mulheres eram colocadas em gaiolas — o que também estava acontecendo na fronteira.
Nossa série parece profética porque os personagens poderosos em Gilead são seres humanos falhos: movidos por inseguranças, ressentimentos, rancores, malícia e egoísmo. Quando você imagina essas pessoas no poder, o que elas fariam? Chega muito perto do que certas pessoas realmente fariam no mundo real. É triste, mas nos ajuda a entendê-las.
Falando em dinâmicas de poder: a série começa com Serena como Esposa e June como sua ex-Aia. Como essa relação evoluiu ao longo das temporadas?
MOSS: Para mim, elas são a grande história de amor da série. Serena representa a melhor e a pior qualidade de June: a crença de que as pessoas vão fazer o que é certo. E, na maioria das vezes, June acerta. Mas quando erra, o impacto é enorme, porque há pessoas que são simplesmente más. June não perdoa Serena, mas a conhece melhor do que ninguém e aceita suas falhas e seu lado sombrio. Acho que todos esperamos isso de um relacionamento: aceitação plena. Por isso elas são a história de amor da série; June nunca desiste da ideia de que Serena pode fazer a escolha certa — e ainda não sabemos se ela fará.
YVONNE STRAHOVSKI: À medida que a relação se aprofundou, ficou mais claro o quanto ela é complexa. Serena esteve isolada o tempo todo, desesperada por uma conexão. Ela se sente atraída por June porque é a relação mais profunda e íntima que ela já teve. June consegue fazer rachaduras na armadura de Serena e mostrar que suas escolhas têm consequências terríveis. Não sabemos se Serena vai mudar todo o seu sistema de crenças, mas essa rachadura já é muito importante.
ERIC TUCHMAN: É um mérito da atuação da Yvonne o fato de o público se importar com Serena e até torcer por ela. Ela começou como uma vilã brutal na primeira temporada — e vejam como evoluiu. A Yvonne deu tantas camadas à personagem, com tanta complexidade e nuance. Ela nunca foi apenas uma vilã pura.
Como vocês queriam que o público vivenciasse esta última temporada?
CHANG: Como showrunners este ano, estávamos completamente livres. Não precisávamos de aprovação para nada — fizemos o que quisemos. E nos libertamos, então também libertamos as mulheres de Gilead, certo? Libertamos as Aias, libertamos Serena. Libertamos todas. Já que o oposto está acontecendo na vida real, pelo menos podemos fazer isso na TV.
TUCHMAN: Em relação ao que o público vai tirar da temporada: sim, a série foi sombria e pesada muitas vezes. Mas o coração da série está na esperança, na coragem, na resiliência. As pessoas continuam assistindo porque veem pessoas comuns — especialmente mulheres — fazendo coisas extraordinárias. É um lugar para se sentir inspirado e fortalecido, não deprimido e perturbado. Especialmente nesta temporada, acho que o público vai se sentir esperançoso ao final.