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Pernambuco e sua relação estreita com os espetáculos operísticos

Livro registra história da ópera no Recife, a partir do século 19. Nos dias de hoje, cena cultural da cidade vem produzindo montagens do tipo com frequência

"Contrato de Casamento" teve regência do maestro Wendell Kettle"Contrato de Casamento" teve regência do maestro Wendell Kettle - Foto: Fábio Barros/Divulgação

Por sua origem europeia, muito vinculada ao deleite das elites intelectuais, a ópera não costuma ser associada à tradição cultural de Pernambuco. Poucos sabem, no entanto, que a capital pernambucana guarda uma estreita relação com esse gênero dramático. Neste domingo (25), às 17h, na Academia de Pernambucana de Letras, será lançado um livro sobre o assunto. Escrito pelos pesquisadores Karuna Sindhu de Paula, Sérgio Deslandes e Felipe Azevedo de Souza, "Ópera no Recife: Vozes, bastidores e espectadores" (Titivillus Editora, R$ 25) retrata o universo operístico na cidade do século 19 até os tempos atuais.

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A proposta da obra nasceu da constatação dos autores de que faltava um levantamento histórico sobre o tema. "Identificada essa carência, decidimos ir atrás de documentos, entrevistas e textos que ajudassem a explicar as características da ópera no Recife. Em 2015, conseguimos aprovar o projeto de pesquisa através do Funcultura, que não contemplava a publicação do estudo. Reunimos esforços para viabilizar o lançamento, porque acreditamos na importância de trazer isso a público", afirma Karuna Sindhu.

O contato inicial da capital pernambucana com a arte operística, segundo Sérgio Deslandes, ocorre com a chegada da família real portuguesa ao Brasil. "O rei Dom João VI trouxe consigo uma série de elementos da vida cultural europeia. Estando a corte no Rio de Janeiro, isso se espalhou pelas capitais, incluindo o Recife, que tinha grande relevância na época", aponta o historiador. A ópera estreia nos palcos da cidade com a execução de árias famosas, geralmente nos intervalos de peças de comédia, encenadas na Casa da Ópera, casa de espetáculos fundada em 1777.

Entre meados do século 19 e início do século 20, dezenas de companhias europeias aportaram em solo recifense, trazendo os clássicos e novos espetáculos que fazem sucesso no Velho Mundo. Esse circuito foi fortalecido com a inauguração do Teatro de Santa Isabel, em 1850. "Ele foi construído para ser um teatro de ópera. Atendia ao anseio da elite local de ter um lugar para consumir a cultura erudita", conta Sérgio. "Quando iniciamos a pesquisa, pensamos em relacionar todas as óperas que foram encenadas por aqui, mas quebramos a cara. Toda semana, tinha um espetáculo em cartaz. E o Santa Isabel não era o único teatro em funcionamento", diz.

Nesta fase inicial, não havia uma produção operística propriamente local. Os elencos eram formados, na maioria das vezes, por solistas estrangeiros ou de centros urbanos como o Rio de Janeiro. Apenas a orquestra e o coro possuíam nomes pernambucanos. Um nome do Estado, no entanto, se destaca neste período: o do músico Euclides Fonseca (1853-1929). "Ele foi professor do cearense Alberto Nepomuceno, considerado o pai do nacionalismo na música erudita brasileira. Muito respeitado, comandou diversos recitais e concertos no Recife", comenta Karuna. Ele é o autor de "Leonor", uma das poucas óperas pernambucanas, que teve apenas uma apresentação em 1883.

Programas de espetáculos antigos estão no livro

Programas de espetáculos antigos estão no livro - Crédito: Reprodução


É só a partir dos anos 1920 que começa um movimento mais intenso de obras líricas recifenses. Valdemar de Oliveira (1900-1977) e Samuel Campelo (1889-1939) impulsionam essa cena, e assinaram operetas como "Berenice" e "Aves de arribação", ambas de 1926. Com a presença cada vez maior do rádio e do cinema, o número de montagens acaba diminuindo. Em 1967, o grupo Teatro de Ópera de Pernambuco surge com o objetivo de reverter esse quadro. Até sua extinção, em 1981, levou aos palcos versões de clássicos como "La Traviata" e "Hansel e Gretel". "É um capítulo muito importante dessa história. Pela primeira vez, temos uma companhia - ainda que com artistas amadores - fazendo produções com equipe totalmente local", explica Karuna.

Entre altos e baixos, a ópera continua pulsante na capital pernambucana. Fato que, na visão de Sérgio, enaltece o viés cultural da cidade. "A produção de ópera no Recife é digna de louvor e nota. Ela tem que ser percebida e valorizada, porque são poucos os estados brasileiros com tradição neste tipo de encenação. Por aqui, até os dias de hoje, ainda há pessoas e instituições que se movem para não deixar esta arte morrer", elogia o pesquisador.

Cena operística do Recife continua pulsando

Engana-se quem acredita que assistir a um espetáculo de ópera é coisa do passado. Nos últimos anos, a cena cultural recifense vem produzindo montagens do tipo com uma frequência cada vez maior. São muitos os artistas engajados neste movimento, que busca colocar a capital pernambucana entre os grandes centros operísticos do Brasil. É preciso, no entanto, contornar as dificuldades de produção tão corriqueiras no cenário local.

A montagem do espetáculo "O elixir do amor", de Gaetano Donizetti, pelas mãos da Companhia de Ópera do Recife (Core), em 2004, marca a retomada do gênero operístico aos palcos pernambucanos. Entre as décadas de 1970 e 1990, a cidade vivenciou um hiato sem apresentações regulares de ópera. "Tivemos uma curta temporada no Teatro de Santa Isabel, que gerou muito burburinho. Acredito que esse sucesso, acabou impulsionando outros artistas a colocarem a mão na massa também", comenta o músico Jefferson Bento, tenor solista e um dos fundadores do grupo pioneiro.

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De fato, após a empreitada da Core, vieram outras adaptações de clássicos europeus, como "Carmen", encabeçada pela Companhia Operários de Música Clássica, em 2005. No mesmo ano, a companhia coordenada por Jefferson Bento voltou à cena com "As bodas de Fígaro", ópera de bolso de Mozart. A atuação crescente na área deu força para que a ópera conseguisse conquistar uma categoria específica no Funcultura, principal edital de incentivo às artes em Pernambuco, em 2008. "Antes, precisávamos concorrer com produções de teatro, dança e circo, o que era muito desleal, já que o custo de uma ópera é infinitamente maior", relembra Jefferson.

O aporte governamental tem um papel importante na viabilização dos projetos, mas os recursos empregados ainda não são os ideais, segundo os artistas e produtores. "Ópera é uma produção muito cara, porque requer pagamento de coro, solistas e orquestra, além de cenários e figurinos. Uma montagem em São Paulo, por exemplo, chega a custar mais de R$ 2 milhões. Por aqui, precisamos nos ajustar a uma estrutura bem menor, já que o edital libera no máximo R$ 250 mil", afirma Luiz Kleber Queiroz, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Natural do Rio de Janeiro, ele vem dirigindo e protagonizando montagens no Recife desde 2011.

Teatro de Santa Isabel abriga a maioria das montagens

Teatro de Santa Isabel abriga a maioria das montagens - Crédito: Rafael Furtado/Folha de Pernambuco


"A gente faz os espetáculos com muita dificuldade. Muitas vezes, tirando dinheiro do próprio bolso", afirma a mezzo-soprano Jéssica Soares, que fundou a produtora Gárgula Produções pensando na realização de projetos de música erudita. Entre os espetáculos que já produziu está "O contrato de casamento", de Gioacchino Rossini, apresentado na semana passada, entre 15 e 18 de março, no Teatro de Santa Isabel. A montagem foi uma proposta do maestro baiano Wendell Kettle, que criou a Academia de Ópera e Repertório da UFPE em 2016, após assumir o cargo de professor da instituição de ensino. Desde então, já levou para os palcos quatro obras.

Um sonho para todos os artistas que lutam na seara operística é a criação de uma companhia estatal, com financiamento estadual ou municipal. "Um dos grandes problemas que enfrentamos é não ter um corpo estável de cantores líricos no Recife. Muitos dos artistas que se formam aqui acabam indo para fora, em busca de oportunidades melhores. Os que ficam precisam ter outras profissões para garantir o sustento. A existência de um grupo com apoio público movimentaria esse mercado", defende Wendell.

Mesmo com os percalços recorrentes, a produção operística segue a todo vapor na capital pernambucana. Além de novas adaptações de clássicos europeus, duas produções em processo de construção chamam atenção por sua ligação com o Estado. Uma delas é "A compadecida", de José Siqueira, composta sobre o texto teatral de Ariano Suassuna. A produção estreia no final deste ano, financiada pelo Funcultura, com produção da Gárgula Produções. Já "Leonor", de Euclides Fonseca, deve ser encenada no próximo ano, com regência de Wendell Kettle. 

Serviço:

Lançamento do Livro "Ópera no Recife: Vozes, bastidores e espectadores"
Neste domingo (25), às 17h
Academia Pernambucana de Letras (Av. Rui Barbosa, 1596, Graças)
Entrada gratuita
Informações: (81) 3268-2211

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