Samba e Carnaval? Pesquisa sobre hábitos culturais mostra que Brasil é o país do São João
Levantamento divulgado nesta segunda-feira (3) revela que escolaridade pesa mais que renda no acesso à cultura
O Brasil é o país do samba e o do Carnaval? Não é bem assim. De acordo com a pesquisa “Cultura nas capitais”, nós somos o país do sertanejo e da festa junina.
Leia também
• Carnaval 2025: fevereiro abre alas para prévias. Veja preparativos de blocos tradicionais
• Casa Estação da Luz abre as portas para prévias e para o Carnaval em Olinda
• Prefeita de cidade do interior do Maranhão troca festa de carnaval por festival de música gospel
O sertanejo é o gênero musical favorito em 15 das 27 capitais e é citado por 34% do público como um de seus três ritmos prediletos, superando o pagode (18%) e o samba (11%) somados.
Enquanto 78% dos moradores das capitais frequentam festas juninas, menos da metade (48%) vai a desfiles ou blocos de Carnaval.
No entanto, se a pergunta é sobre a festa mais importante da cidade, mais gente cita a folia (12%) que a festa caipira (10%).
Realizada pela consultoria JLeiva Cultura & Esporte e apresentada nesta segunda-feira (3) num seminário no Itaú Cultural, em São Paulo, a pesquisa ouviu 19.500 pessoas com 16 anos ou mais em todas as capitais brasileiras e identificou que a participação em atividades culturais tem diminuído, o acesso a jogos eletrônicos é duas vezes maior que a bibliotecas, um terço nunca foi a um museu e o interesse pela cultura é mais proporcional à escolaridade que à renda, entre outras descobertas.
Trata-se do levantamento mais abrangente já realizado sobre os hábitos culturais dos moradores das capitais.
Em 2017, a JLeiva investigou os hábitos culturais de 12 capitais (Manaus, Belém, São Luís, Fortaleza, Recife, Salvador, Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre).
Em comparação com 2017, o acesso a atividades culturais nessas 12 localidades diminuiu (especialmente a frequência a cinemas e bibliotecas).
A única atividade cultural que ganhou adeptos no período foram os videogames. A queda foi mais expressiva entre homens, pardos e indígenas.
Escolaridade, gênero e raça
A pesquisa confirma que o acesso à cultura aumenta proporcionalmente à renda. No entanto, a escolaridade se mostrou um fator ainda mais determinante.
Entre as pessoas da classe D/E com ensino superior, 97% participaram de ao menos uma atividade cultural nos últimos 12 meses, contra 83% das pessoas da classe A/B que cursaram apenas o ensino fundamental.
Em todas as atividades culturais pesquisadas, quanto maior a escolaridade, maior o acesso — não importa se a atividade em questão é a leitura, o videogame ou o circo.
A diferença entre os mais e menos escolarizados é maior na frequência a concertos de música clássica, museus, saraus, teatro, bibliotecas e cinema.
Apenas 9% das pessoas com ensino fundamental vão ao teatro. O índice sobre para 40% entre aqueles que têm ensino superior.
No que se refere à renda, a distância entre as classes A e D/E é maior no acesso a concertos, teatros e museus, e menor no caso de festas populares, circo, leitura e jogos eletrônicos.
A pesquisa mostra que 3% das pessoas das classes D/E já foram a concertos, contra 20% dos membros da classe A.
No caso da leitura, o percentual é de 41% nas as classes D/E e chega a 81% na classe A. “Os espaços escolares são cruciais para a formação do hábito cultural”, disse em nota João Leiva, diretor da JLeiva Cultura & Esporte.
A pesquisa também mostrou que mulheres têm mais interesse em cultura que homens, embora a frequência de ambos os gêneros seja praticamente a mesma.
A queda registada entre 2017 e 2024 foi menor entre as mulheres. Pessoas com filhos pequenos, tanto homens quanto mulheres, vão menos atividades culturais e donas de casa são o grupo com menos acesso.
Para Leiva “a mulher é uma figura estratégica no desenvolvimento do acesso a atividades culturais no Brasil”.
“Se olhamos para os países desenvolvidos, o acesso à maioria das atividades culturais é sempre maior entre as mulheres que entre os homens. Já no Brasil, percebemos que esse índice é geralmente muito similar, às vezes maior para os homens. Mas quando se avalia o interesse, esse aspecto é maior entre as mulheres para todas as atividades pesquisadas. Fica evidente que elas têm mais barreiras para transformar seu interesse em acesso de fato”, afirmou.
A participação de pessoas brancas em atividades culturais também é maior em comparação com outros grupos. Brancos têm mais acesso a bibliotecas (28%), museus (32%), teatros (29%), feiras literárias (24%), concertos (11%), locais históricos (49%) e livros (67%).
Por outro lado, pessoas que se declaram pretas (segundo a nomenclatura do IBGE) vão mais a espetáculos de dança (27%), shows (44%), saraus (15%) e festas populares (39%). Pessoas amarelas são as que têm maior acesso a cinemas (59%) e jogos eletrônicos (59%).
O interesse de brancos e negros (pretos e pardos) pela cultura é praticamente no mesmo. No entanto, a participação efetiva dos negros é menor. Pardos e indígenas são os grupos com menor acesso.
Exclusão cultural do idosos
A frequência a atividades culturais também é menor entre os idosos. Quanto mais velha é a pessoa, menor o acesso.
Segundo Leiva, a exclusão cultural dos idosos é “muito provavelmente” resultado da baixa escolaridade. “Em outros países, o acesso também tende a diminuir com o avanço da idade, mas a queda é menor e começa muito mais tarde.
No Brasil, a queda já começa na faixa entre os 35 e 45 anos”, explicou.
A pesquisa “Cultura nas capitais” cobriu um universo de 37,5 milhões de brasileiros, de acordo com o censo de 2022. A coleta dos dados foi realizada pelo Datafolha e a análise dos resultados pela JLeiva.
“Pesquisas como essa nos dão a oportunidade de contribuir diretamente para o fortalecimento de políticas públicas, por meio de dados e evidências que comprovam a importância da arte e da cultura para o desenvolvimento da sociedade”, disse em nota Eduardo Saron, presidente da Fundação Itaú, parceira da pesquisa.
“A cultura é um direito fundamental que deve ser democratizado no país inteiro, garantindo a participação de todos. Ela é um pilar da nossa formação cidadã, que reforça a coesão social, oferece benefícios que vão além do individual e impacta positivamente a sociedade e a economia”, completou.