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Quadrinhos: para dizer muito, falando pouco

Semana do Livro chega à reta final com convidados,como o quadrinista carioca André Dahmer e o escritor cearense Sidney Rocha

André Dahmer fala no Museu do Estado sobre como tornar em imagens os conflitos sociaisAndré Dahmer fala no Museu do Estado sobre como tornar em imagens os conflitos sociais - Foto: Reprodução/Youtube

 

Se no mundo da falação sem freio o sucinto é rei, coroa para a literatura de André Dahmer, é a arte de dizer muito, falando pouco. Na programação da Semana do Livro de Pernambuco, neste sábado (3), Dahmer fala sobre como tornar em imagens os conflitos da sociedade, às 16h. A reportagem também conversou com o escritor Sidney Rocha que lança também hoje “Guerra de ninguém”, às 19h. O evento segue até domingo (4), no Museu do Estado, com entrada franca.
No início, Dahmer achava engraçados os convites para participar de feiras de livros. Seriam os quadrinhos ganhando “status de leitura de adultos no Brasil”, o que já é comum em outros países como Argentina e França? “Sempre perguntam se quadrinho é literatura, se chegou até ali, no mesmo patamar. São linguagens diferentes. É como comparar arte com artesanato, não se pode colocar um menor que o outro”, diz o quadrinista e poeta carioca.

As tirinhas de personagens como Os malvados e Terêncio são publicadas diariamente em jornais da região Sudeste e são populares das redes sociais. É ótimo e ruim, confirma Dahmer. “O Facebook poderia oferecer um curso de interpretação de texto, porque é um lugar de muito ruído. Mas quando você faz um trabalho, ele está no mundo, não tem como controlar”, diz sobre os feedbacks nem sempre amistosos que recebe.

“Antigamente eu lia mais os comentários, mas comecei a ver muita agressividade por questões políticas e religiosas e passou a ser contraproducente. Trabalho com tira diária, então eu tenho que me concentrar e há ali um desperdício de energia. Mas ainda respondo injúrias, quando alguém diz que eu vivo de Lei Rouanet”, acrescenta Dahmer, que nunca foi contemplado pelo incentivo.

A despeito dos erros de interpretações em suas mensagens, André Dahmer diz que não tem esse “aspecto de eficiência”, de ser necessariamente compreendido. “Às vezes é bom estar ali para confundir também”. Terêncio Horto é um personagem muito humano, traz mais a crítica de costume. Já com Os malvados, a fala é mais política e religiosa.

Para ambos, a inspiração vem o mundo, mas o trabalho de ficção anda com concorrência desleal no Brasil. “São tantos absurdos no País que é difícil concorrer com a realidade”.
Sempre chamado para falar das tirinhas, André Dahmer é também escritor e trabalha com outras artes como fotografia e música. “Eu queria muito que, uma vez ou outra, me chamassem para falar de poesia”.

Hoje e amanhã
Ainda hoje, às 17h30, o professor da UFPE, Lourival Holanda, e o dono da livraria carioca Leonardo da Vinci, Daniel Louzada, conversam sobre o papel humanístico das livrarias, como um espaço de cultura. A partir das 15h, tem o lançamento de “Religiosidade Popular- França e Pernambuco: Diálogos, expressões e conexões”, do músico Silvério Pessoa, além de conversa com a romancista Eugenia Zerbini, que autograva “Harém”, novo livro de contos. Termina com lançamento de “20 para pensar um pouco”, de Miró, e apresentação do escritor Zelito Nunes e Eugênio Jerônimo.
Amanhã, a editora da Rocco, Monica Figueiredo, fala sobre a implantação e manutenção da marca Harry Potter no Brasil, às 15h. Às 17h, a booktuber Pam Gonçalves conversa sobre o que implica a expressão booktuber e como sobreviver à ela.

Palavras pulsantes sobre a criação

Como foi a escolha da temática para “Guerra de ninguém”? Por que falar sobre a morte?
Houve a decisão de contar histórias. Não é de todo certo afirmar que haja um tema, e que esse tema seja a morte. A luta pela vida está bem clara já no título que se reporta à guerra. Acho até curioso ninguém até agora tenha observado que a morte está mesmo no título do meu livro de contos anterior, “O destino das metáforas”, que é o título de uma das histórias, e onde a morte representa o fim de tais metáforas. “Guerra de ninguém” pode-se dizer, ironicamente, que é o destino de todas as metonímias. Isto é, a vida.

Qual a sua relação com a morte e o que há dela neste novo livro?
Ainda não tive, felizmente, nenhuma relação com a morte, se considerarmos a palavra “relação” no sentido mais físico possível. No mesmo sentido de humor, é fácil dizer que a morte dos outros me incomoda e me entristece mais do que a minha própria morte, é claro, pois uma vez acontecida já não há acontecimentos nem opiniões, e tudo o que fica é só literatura. Claro que o pensamento e o sentimento de um autor em relação à morte em si e a morte de si se reflete de um modo ou de outro nas histórias que inventa, mas acho que isso está lá apenas indiretamente. “Guerra de ninguém” é um livro em terceira pessoa; portanto, as figuras que lá estão morreram há muito e continuam vivas, com ou sem paradoxo.

Assumindo essa característica criativa, como vê a literatura hoje?
Não concordo que estejamos numa época de inércia literária. Cada escritor é quase um movimento em si. Talvez nunca houve tantos ocupados com escrever e publicar livros. E talvez por essa superabundância seja difícil ou até impossível separar o joio do trigo. Está muito cedo para avaliarmos o impacto ou a presença da literatura contemporânea, as ‘vozes’ se confundem. O que falta ao mundo, hoje, é inteligência, no geral. E disso sofre também a literatura, o jornalismo e a política. Por isso o que se busca tanto hoje nas artes e na literatura como panaceia é a ‘criatividade’ e ‘originalidade’. O sonho da originalidade, contudo, não pode se desviar do caminho do conhecimento, uma esquecida virtude ou capacidade de nos emocionarmos de verdade com as coisas do mundo. Essa potência, que poderíamos chamar de lucidez, literária ou não, vem se perdendo. Estamos ficando tolos demais até para aceitar isso.

 

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