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trajetória

Relembre "Roda viva", peça revolucionária que rendeu agressões e ameaças de morte ao elenco

Primeiro espetáculo teatral escrito por Chico Buarque, montagem teve Marília Pêra agredida em São Paulo e atriz sequestrada na temporada de Porto Alegre

Zé Celso na remontagem de 'Roda viva', no RioZé Celso na remontagem de 'Roda viva', no Rio - Foto: Alexandre Cassiano

José Celso Martinez Corrêa, morto nesta quinta-feira (6), aos 86 anos, marcou seu nome na história do teatro brasileiro a partir do final da década de 1950, com a fundação do Teatro Oficina, em 1958; a montagem de "O Rei da Vela" em 1967, adaptação do clássico modernista de mesmo nome escrito em Oswald de Andrade (1890-1954) em 1933; e por “Roda viva”, primeiro texto teatral de Chico Buarque, encenado em 1968, poucos meses antes do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), que inauguraria o período mais violento da repressão da ditadura militar.

Com “Roda viva”, o diretor e dramaturgo — que morreu após ser internado no Hospital das Clínicas, em São Paulo, com queimaduras em 53% do corpo, causadas por um incêndio em seu apartamento — criou um dos maiores símbolos da luta contra a censura e pela liberdade de expressão. A comédia em dois atos fazia uma crítica à sociedade de consumo e a instituições tradicionais, como a família e a propriedade.

Além do conteúdo, o encenador inovou na forma, em uma abordagem brechtiana de romper o realismo da interpretação e envolver o espectador na cena, muitas vezes de forma radical: em um momento em que o elenco devorava um fígado de boi cru, o público da primeira fila invariavelmente era salpicado de sangue. A forma como os atores se dirigiam à plateia, por vezes com insultos e provocações, levou o crítico Anatol Rosenfeld a cunhar a expressão "teatro agressivo" para este tipo de montagem.

Para além da incompreensão por parte da crítica, o espetáculo enfrentou uma questão mais grave no decorrer da temporada: invasão de teatro e agressão aos atores. No Teatro Princesa Isabel, no Rio, onde a peça estreou, grupos conservadores destróem o cenário e agridem os artistas. Em julho, já em São Paulo, o Comando de Caça aos Comunistas (CCC) invade o Teatro Ruth Escobar, destruindo poltronas, camarins e agredindo atores, entre eles, Marília Pêra, que substituía Marieta Severo na temporada paulista.

Em outubro, quando a peça chegou a Porto Alegre, a agressão foi pior, com cerca de 200 pessoas perseguindo e espancando equipe e elenco após a noite de estreia. Fugindo dos agressores, a atriz Elizabeth Gasper (que substituiu Marília Pêra) e o músico Zelão, seu marido, foram sequestrados e levados a um local ermo, onde foram ameaçados de morte. Obrigados a voltar a pé para a capital gaúcha, o casal encontrou o Teatro Leopoldina com a fachada toda pichada com palavras de ordem contra a "pornografia" e a "subversão". A montagem foi interrompida e, em seguida, censurada pelo regime militar. Cinquenta anos depois, o Oficina remontou o espetáculo em São Paulo (2018) e no Rio (2019), em versão atualizada.

Zé Celso morreu após ser internado no Hospital das Clínicas, em São Paulo, na manhã de terça-feira (4), com queimaduras em 53% do corpo, causadas por um incêndio em seu apartamento no bairro do Paraíso, Zona Sul da capital paulista, causado por uma falha no aquecedor da residência. Ele foi encaminhado para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), onde foi entubado, mas não resistiu.

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