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Sem carisma, nem vigor
“Pequeno Segredo”, indicado pelo Brasil à categoria de melhor filme estrangeiro do Oscar, sofre com estética banal, mesmo com uma trama que une melodrama e fé
Finalmente estreia “Pequeno Segredo”, longa-metragem de David Schürmann que talvez não atraísse tanta atenção se em sua breve trajetória não houvesse uma vitória significativa: foi escolhido como o filme brasileiro para disputar uma vaga no Oscar. Parece importante, neste primeiro momento, esquecer todas as polêmicas que envolveram esta seleção - os ataques de um certo jurado contra o pernambucano Kleber Mendonça Filho e o favorito “Aquarius”, os cineastas que retiraram seus filmes da disputa como forma de posicionamento político contra o Ministério da Cultura. É preciso ignorar esses eventos por um momento e analisar o que de fato é “Pequeno Segredo”.
A primeira cena do filme é reveladora sobre o alcance estético do diretor, seu repertório, recursos de estilo e manejo da linguagem do cinema. A câmera viaja sobre o oceano, enquanto uma borboleta voa ao som de uma melodia dramática. É uma cena que apresenta alguns temas do filme: a contemplação e a fé, o melodrama e a esperança.
Mas isso é feito de forma básica, recorrendo a imagens que de tanto serem usadas parecem desgastadas, ideias elementares demais quando há tantas possibilidades mais sofisticadas para apresentar esses mesmos conceitos. É uma estética banal e comum, que destoa de uma história de origem tão pessoal e delicada.
Mas isso é feito de forma básica, recorrendo a imagens que de tanto serem usadas parecem desgastadas, ideias elementares demais quando há tantas possibilidades mais sofisticadas para apresentar esses mesmos conceitos. É uma estética banal e comum, que destoa de uma história de origem tão pessoal e delicada.
O enredo apresenta fatos reais da família Schürmann, em parte baseado no livro de mesmo nome escrito por sua mãe, Heloisa (interpretada por Júlia Lemmertz). Heloisa e Vilfredo (Marcello Antony) têm uma filha, Kat (Mariana Goulart), que parece mais sensível e frágil do que outras garotas de sua idade. Os pais demonstram preocupação excessiva com tudo que se relaciona à garota. Ao mesmo tempo, outras duas linhas narrativas se desenvolvem: o neozelandês Robert (Erroll Shand) vive em Belém e se apaixona por Jeanne (Maria Flor), para desespero de sua mãe extremamente preconceituosa, Barbara (Fionnula Flanagan), que mora na Nova Zelândia e cuida de seu marido.
Essas histórias se cruzam, e temos neste ponto um problema de natureza cinematográfica. A união dos Schürmann e do casal Robert e Jeanne se dá por caminhos forçados; nunca temos a real sensação de uma amizade nascendo, o que faz a surpresa do filme - parte do “pequeno segredo” do título - perder o impacto. Enquanto descansam em um porto na Nova Zelândia, Robert conhece os Schürmann, puxa assunto sobre o Brasil e na cena seguinte todos já são grandes amigos, ajudando na mudança e cuidando das emergências médicas de Jeanne, que está grávida. Pode ser uma história real, uma amizade genuína, mas para encantar nas telas precisa ser repassada de forma crível e coerente.
Parece esse o problema fundamental do longa. Certamente já ouvimos a frase “essa história daria um filme”, por ser tão espetacular, com reviravoltas e dramas de cortar o coração. Isso existe em “Pequeno Segredo”, mas há algo essencial que não é dito nesta frase: para existir um filme, é necessário que exista um diretor. Parece faltar talento a David Schürmann; seus personagens carecem de vigor e carisma, tomam decisões que não fazem sentido (podem ter feito essas escolhas na vida real, mas no cinema é preciso envolver o espectador, empolgar através da linguagem do cinema), a história é montada sem ritmo e nem intriga, falta aprofundamento dramático nas emoções e contradições dos personagens - um filme que parece inferior à história real.