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Série 'O Mecanismo' amplia debate sobre liberdade de expressão

Criação da plataforma de streaming Netflix estreou envolta em polêmica, polarizando discussões nas redes sociais

Doleiro Roberto Ibrahim (Enrique Diaz) em embate com delegado da Polícia Federal Marco Ruffo (Selton Mello) Doleiro Roberto Ibrahim (Enrique Diaz) em embate com delegado da Polícia Federal Marco Ruffo (Selton Mello)  - Foto: Netflix/Divulgação

No dia em que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região rejeitou os embargos de declaração do ex-presidente Lula (PT) no processo sobre o tríplex do Guarujá, tornando-o na prática inelegível, a polêmica que povoou as redes sociais tanto de direita como de esquerda foi outra: a série "O Mecanismo", lançada pela plataforma de streaming Netflix na última sexta-feira. Baseada no livro "Lava jato: o juiz Sérgio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil", de Vladimir Netto, a série foi dirigida por José Padilha (o mesmo de "Tropa de Elite") e causou diversas reações inflamadas.

Coincidência ou não, o site Cine Pop registrou que o valor das ações da Netflix no mercado subiu. Ontem, nas redes sociais, a empresa intensificou seus anúncios, frisando para potenciais novos assinantes que o primeiro mês de assinatura sai de graça. A plataforma de streaming chegou ao ponto de montar uma loja fake no aeroporto de Brasília, vendendo tornozeleiras eletrônicas e outros produtos destinados a corruptos, como cuecas de bolso para guardar dinheiro, dentro de uma ação de marketing voltada para divulgar "O Mecanismo".

“Boicotar a Netflix por conta do filme, como algumas pessoas vêm fazendo, me parece algo ingênuo”, critica o professor de comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Bruno Nogueira, que é pesquisador na área das indústrias de entretenimento.

“A empresa arrecada anualmente US$ 12 bilhões [mais de R$ 39 milhões] e não se interessa por posicionamentos políticos, quaisquer que sejam. Há uma certa má fé em lançar a série próximo ao julgamento? Talvez. Mas se querem optar pelo boicote, o próprio Facebook é uma mídia mais problemática”, opina. Bruno se declara contrário à censura de produtos culturais.

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“É preciso haver liberdade de expressão, dentro dos preceitos legais de responsabilidade e bom senso. Essa polêmica certamente é mais prejudicial para a esquerda, que se mostra incoerente ao seguir o mesmo discurso da direita perante a censura, do que para a Netflix. Se a gente espera poder abrir espaço para a arte contestar, isso tem que valer para qualquer ponto de vista”, afirma ele, destacando que não vai assistir à série por conta do discurso fascista demonstrado por José Padilha em outras obras.

“Eu tenho o direito de não assistir, e ele o de se expressar, desde que não faça apologia a crimes previstos pela legislação”, finaliza.“Acho que a Netflix já devia esperar que o público reagisse dessa forma, senão não teria optado por lançar a série sobre uma investigação que ainda não foi concluída e em pleno ano eleitoral”, aponta por sua vez a professora de comunicação da Faculdade Boa Viagem (FBV), Cecília Almeida.

Série é baseada no livro 'Lava jato: o juiz Sérgio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil', de Vladimir Netto

Série é baseada no livro 'Lava jato: o juiz Sérgio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil', de Vladimir Netto - Crédito: Netflix/Divulgação


Em seu doutorado, ela abordou o uso das controvérsias como forma de causar conversação nas redes sociais. “Quanto mais cartaz se dá a um assunto, mais ele aparece”, resume Cecília. Ela diz que também não vai assistir à série e que esta seria uma forma mais eficiente de protesto, pois os baixos índices de audiência fariam com que a Netflix descontinuasse a produção, como já fez com outras obras.

Centenas de pessoas cancelaram suas contas na Netflix, enquanto outras declararam seu apoio à plataforma e à série. Houve quem recordasse a polêmica do Cine PE - Festival do Audiovisual em maio do ano passado, em que sete cineastas retiraram seus filmes de competição, como forma de retaliar o evento, depois de terem sido divulgadas a participação de dois filmes considerados de direita: "O Jardim das Aflições", sobre Olavo de Carvalho, e "Real - O Plano por trás da história".

Obra de ficção?


O presidente do grupo Direita Pernambuco, Gustavo Henrique, que é estudante de História, classifica a série como "um mecanismo de produção de informação" e diz que vai lançar um movimento de apoio à obra. “Tentarei fazer um campanha reversa, para que as pessoas avaliem muito bem a série e venham mais assinantes”.

Já o Movimento Brasil Livre (MBL) publicou, em sua página oficial, uma postagem dizendo que o "boicote dos petistas à Netflix deve fazer a série de Padilha bombar", pois "quanto mais reclamam, mais as pessoas ficam curiosas para assistir". Surfando na onda da polêmica, a pré-candidata Marina Silva (Rede) fez uma postagem apoiando a série e usando uma foto da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL-RJ), assassinada no início do mês. Após sentir a repercussão negativa, ela apagou o post.



A ex-presidenta Dilma Rousseff se pronunciou, criticando distorções dos fatos apresentados na série, que se declara uma “obra de ficção”, embora inspirada em fatos reais". "O cineasta não usa a liberdade artística para recriar um episódio da história nacional. Ele mente, distorce e falseia. Isso é mais do que desonestidade intelectual. É próprio de um pusilânime a serviço de uma versão que teme a verdade", escreveu ela em sua página oficial no Facebook. Uma das alterações mais criticadas seria o fato de colocar uma fala do senador Romero Jucá (PMDB-RR) como tendo sido proferida por Lula.

"Jucá não é dono dessa expressão [estancar a sangria] e, portanto, roteiristas estão livres para usá-la", defendeu-se José Padilha por meio de nota. "A série representa um problema sistêmico de corrupção, que não seria exclusivo do PT, mas de outros partidos e setores", acrescentou o diretor.

Entre os internautas pernambucanos que cancelaram a assinatura da plataforma estão a cantora Renata Rosa e a professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Liana Cirne. “Como consumidora, o boicote é um dispositivo legítimo que possuo para me manifestar, para dizer que não pactuo com isso e que a Netflix errou, do meu ponto de vista”, disse Liana.

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