'Se Eu Fechar os Olhos Agora' distancia séries da Globo do usual tom folhetinesco
Com boa estrutura narrativa e estética bem-cuidada, é uma série com cara de série
Carlos Manga Jr. deixou a Globo cerca de 20 anos atrás. Depois de trabalhar na equipe de direção de clássicos como “Vamp” e “Torre de Babel”, ele ainda assinou a produção de diversos títulos comandados por seu pai, casos de “Engraçadinha... Seus Amores e Seus Pecados” e o bem-sucedido “remake” de “Anjo Mau”.
Estagnado dentro da emissora, muito além de sair da sombra paterna, Carlos queria se encontrar como profissional. Ao longo do tempo, fixou residência em Los Angeles, onde conheceu o trabalho de diretores de fotografia do porte de John Mathieson e Christopher Doyle. De volta ao Brasil, fez um premiado caminho pela direção de publicidade e, aos poucos, foi se reaproximando da teledramaturgia. O fato de a Globo procurar diretores de fora do seu “casting” para variar a estética de suas produções e o investimento pesado da emissora em séries para plataforma de “streaming” Globoplay acabaram por fazer o reencontro entre Carlos e a empresa acontecer. “Noir” e cheias de referências cinematográficas, “Se Eu Fechar os Olhos Agora” é um ótimo título para marcar o retorno do diretor à casa.
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A série é fruto de uma nova tática de produção da Globo. Ávida por novos títulos para o Globoplay, a ordem agora é selecionar e realizar bons projetos para depois decidir se eles serão apresentados na tevê aberta ou apenas no “streaming”. Gravada entre novembro de 2017 e março de 2018, e inicialmente apenas disponibilizada no Net Now, catálogo “on demand” da operadora de tevê por assinatura, só agora a minissérie de 10 capítulos ganhou a atenção que merece da Globo, que já a liberou na íntegra no aplicativo e garantiu a exibição na faixa das 23h desde a segunda, 15 de abril.
Baseada no livro homônimo de Edney Silvestre, a série merecia realmente um “olhar de fora” para ser adaptada. Ambientada nos anos 1960, a história sobre a sociedade hipócrita de uma fictícia cidade do interior que é abalada pelo assassinato da jovem Anita, de Thainá Duarte, ganha contornos ainda mais misteriosos com as escolhas do diretor. Distante dos vícios folhetinescos de planos muito fechados e cenas simplórias para explicar ou recontar o óbvio, “Se Eu Fechar os Olhos Agora” é uma série com cara de série.
Fiel ao texto original, o roteiro do experiente novelista Ricardo Linhares aposta em falas curtas e boas doses de ironia, o que dá munição para que o bom elenco escalado brilhe em cena. Capitaneado por nomes como Mariana Ximenes, Gabriel Braga Nunes e o casal Débora Falabella e Murilo Benício, é sintomático que a minissérie teve altas doses de prestígio em seu processo de escalação. A boa surpresa fica por conta dos jovens João Gabriel D'Aleluia e Xande Valois, intérpretes de Paulo e Eduardo, os garotos inicialmente acusados pelo assassinato que move a trama.
Bem dirigidos e em sintonia com a narrativa, a dupla passa longe do esquema infantilizado que atores mais novos costumam imprimir nos personagens. Densa por conta fotografia de contrastes e sombras, profunda a partir de um texto que não duvida da perspicácia de seu espectador e com atuações que realmente valorizam os personagens, “Se Eu Fechar os Olhos Agora” é um título que confirma o nível diferenciado da Globo quando o assunto é teledramaturgia e mostra que a emissora está pronta para entrar no disputado mercado de séries dramáticas “on demand”, hoje dominado pela Netflix e HBO.