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Xande de Pilares: “O samba para mim é uma coisa sagrada”

O cantor e compositor é uma das atrações que vão brilhar nos quatro palcos da 16ª edição do Samba Recife, que rola neste sábado (28), em estrutura que abrange Centro de Convenções e Classic Hall

Xande sobe ao palco do Samba Recife, neste sábado (28)Xande sobe ao palco do Samba Recife, neste sábado (28) - Foto: Divulgação

O Samba Recife celebra 16 anos em 2019, em edição que promete ser a maior da sua história. Neste sábado (28), a partir das 18h, os quatro palcos -Recife, Olinda, Raiz e Pernambuco- montados na área externa do Centro de Convenções e na área interna do Classic Hall vão ferver ao som de nomes locais e nacionais conhecidos do ritmo. As 12 horas de festa serão embaladas por nomes do porte de Belo, Dilsinho, Ferrugem, Leo Santana, Parangolé, Sorriso Maroto, Thiaguinho, Turma do Pagode, Suel, Xande de Pilares, Reinaldo, Vou pro Sereno, Tiee, Beleza Pura, Camisa 10, Sambar & Love, LongNeck, GrupoTS, Taiguara e Gabi do Carmo, esta última, aliás, a única mulher da programação inteira.

Nome do samba nacional que conquistou o público do Recife ainda quando cantava na banda Revelação, na qual entrou em 1991 e saiu em 2014, Alexandre Assis, o Xande de Pilares, estampa mais uma vez a programação do evento, agora no palco Raiz. Em entrevista exclusiva à Folha de Pernambuco, o artista falou sobre os passos na carreira, as inspirações, a história da música "Tá Escrito" e a sua paixão desmedida pelo Estado.

Folha de Pernambuco - Desde que saiu do grupo Revelação, você fez dois álbuns, "Perseverança" (2015) e "Esse Menino Sou Eu" (2017). A gravação do DVD "Xande nos braços do povo" está na agulha. O que o público pode esperar?

Xande - O “Esse Menino Sou Eu” seria 1 e 2, mas hoje a situação é totalmente diferente de antes, então o 2 acabou ficando guardado, eu arquivei, por causa do lançamento do DVD, que eu vou gravar dia 22 de novembro. O que o público pode esperar é o Xande sambista, nada mudou. A única coisa é que eu estou sozinho, mas a mesma alegria de sempre, a mesma preocupação em levar uma boa música para casa das pessoas. Afinal a gente invade a casa das pessoas com nossas músicas, nossas mensagens. A gente faz parte desse mundo artístico que não para. O samba é o maior foco.

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- O samba tem uma tradição de resistência. Ainda mais e principalmente no Rio de Janeiro. Como você leva isto para a sua música?

Xande - O samba tem essa coisa da resistência porque é adorado por uns, odiado por outros. Tem gente que não gosta dele, mas quando conhece começa a gostar. E a personalidade e a resistência é o que faz a diferença. Eu sou um cara que não me vendo. Quando eu decidi ser sambista, eu vou ser sambista até Deus me chamar. Eu não chamo o samba de você, chamo o samba de senhor. Eu não sou desses que é sambista quando precisa e quando ele abraça não é mais. Então a resistência faz parte disso. Por isso que nós temos grandes nomes que passaram pelo samba, que não estão mais entre nós, mas que têm seus legados para a gente poder usufruir.

A Beth Carvalho foi uma pessoa que me marcou muito, porque ela deu oportunidade para alguns sambistas que viviam no anonimato naquela época, que são consagrados hoje, como o Zeca (Pagodinho), Arlindo Cruz. A nossa função é seguir a mesma função, sem radicalizar, que eu não sou radical, mas quando a gente sabe o que quer é mais importante. O samba para mim é uma coisa sagrada, eu sou muito apaixonado pelo que eu faço. O samba para mim não tem diferenças. Essa coisa de classe A, B, C, isso é conversa afiada. Samba é samba. Cada um faz da maneira que aprendeu, cada um tem a sua tradição, a sua origem.

Xande de Pilares

Xande de Pilares - Crédito: Divulgação

Folha de Pernambuco - "Orgulho Negro", música que fecha o seu álbum "Perseverança", é forte e até ativista, uma exaltação ao povo negro. Esse, no entanto, não é um caminho que você costuma percorrer. Podemos esperar mais produções deste tipo?

Xande - "Orgulho Negro" é do Pretinho da Serrinha, minha e do Arlindo Cruz. Não é que eu não percorro muito por esses caminhos. É que eu tenho muito cuidado com isso. Porque a gente vive num mundo muito agressivo hoje. As pessoas se agridem o tempo todo. A gente vive num mundo que a gente tem sempre que receber a autorização de alguém para poder se manifestar. Eu sou um cara que tenho a minha opinião própria, eu honro muito a minha raça, eu só não sigo ordem de ninguém. Eu falo da minha maneira. Falo sem agredir para não ser agredido. Então eu prefiro contar a história da raça negra da minha maneira, do jeito que eu acho que deve ser contada. Eu prefiro defender a minha raça da maneira que eu acho que deve ser defendida. Nada de briga. Eu sou de um tempo que não precisava brigar para resolver nada. Eu tenho orgulho de ser negro e eu tenho uma forma de encarar o racismo.

O racismo pra mim é igual ao bullying, que antigamente era encarnação, quando as pessoas encarnavam na gente. Eu não dava confiança, quando me chamavam de bicudo, de cabeludo, eu começava a rir junto e tudo certo, saia de perto. Quem gosta de mim eu estou perto, quem não gosta eu não estou nem aí, porque eu tenho uma vida para viver. Eu me preocupo muito com o que tem à minha frente, como eu vou caminhar nessa estrada. Eu sou persistente.

Folha de Pernambuco - Quais são as suas maiores inspirações na música e na vida?

Xande - As maiores inspirações da minha vida são as crianças. Eu adoro criança. O segundo é o amor ao próximo, o objetivo, Deus, a fé, as pessoas que me inspiraram na música, a poesia bem cantada e a vida. Não tem como melhor do que viver. Tem gente que fica preocupado com a opinião do outro. Mas tem que viver. Eu levo tudo isso pro papel [...] Eu ainda vou fazer um disco 'Tudo acaba em samba'. 



Folha de Pernambuco - "Tá Escrito" é uma música de 2009 que sempre acaba voltando, já está cravada na história da música brasileira. Como foi ter ela na abertura da novela “A Dona do Pedaço”, agora em 2019, e no repertório do show "Ofertório", de Caetano Veloso e seus filhos?

Xande - Essa música foi feita entre 2006 e 2008. Ela foi gravada por um grupo no Rio, chamado Samba Pra Gente, depois o Revelação regravou e ela acabou ficando muito marcada com a versão que a gente gravou no Morro da Urca. Aí eu fui surpreendido. Fui ao show do Caetano com os filhos, onde ele cantou a música, mas eu achei que eles cantavam só no show, mas eu vi que eles fizeram um registro. Imagina você ter o Caetano Veloso cantando uma música que você fez? Essa música é minha, do Carlinhos Madureira e Gilson Bernini.

Aí eu sou surpreendido com esta mesma música fazendo parte da abertura de uma novela. Eu, que cresci assistindo novela, sempre aprendendo as músicas de abertura. Aí você se vê numa abertura de novela. Então até hoje eu fico: 'caramba'. Eu também entrei para a história das novelas. Eu fiquei feliz. Aí essa mesma música que foi feita para acalmar o coração de um pai que tinha acabado de perder o filho, o Gilson Bernini, acabou de servindo para um monte de coisa. Já curou até depressão.

Folha de Pernambuco - O público de Pernambuco já te conhece e adora. O que podemos esperar deste seu show no Samba Recife?

Xande - Muita gente me chama de puxa saco de pernambucano. Eu não sou puxa saco de pernambucano. Eu, antes de conhecer Pernambuco, as pessoas desenharam de um jeito que eu fiquei com medo, que nordestino não gostava de sambista, que nordestino não gostava de preto. O primeiro show que eu fiz aí foi no Clube Português, a maneira que eu fui recebido, eu fui tão surpreendido. Eu sou muito apaixonado pelo povo pernambucano. Tive o prazer de conhecer um bom pedaço de Pernambuco porque eu fiz um Carnaval em vários lugares. Toda vez que eu vou pra Recife eu preparo o show na minha cabeça. Eu agradeço muito. Eu sou muito grato a esse povo, o que ele fez por mim no Revelação e na minha carreira solo.

Eu lembro de um show quando eu fui na Copa do Mundo, Brasil x Bélgica, eu tinha que fazer o evento, tava lotado e o Brasil perdeu. Eu tinha que subir no palco e dar meu jeito. Novamente me surpreenderam: ninguém foi embora, ninguém arredou o pé de lá. Então eu tenho muita gratidão pelo povo pernambucano, pelo que faz por mim, pelo samba, pelos artistas que todo ano pisam nesse solo sagrado. Eu sou muito fã de um cara daí, Bezerra da Silva, e têm outros artistas, compositores. Eu fico muito feliz de ainda poder me apresentar aí. 

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