Música

Zé Renato: fora do Boca Livre por questões que vão além de "mera" opinião política

Em entrevista à Folha de Pernambuco, cantor e compositor admite imbróglio com Maurício Maestro e se diz arrependido de não ter saído antes do grupo

Zé Renato, cantor e compositorZé Renato, cantor e compositor - Foto: Rafael Furtado/Folha de Pernambuco

Entre o cidadão e o artista, o cantor e compositor Zé Renato escolheu ser os dois. Porque são nestes papéis que ele integra o País em que vive e que, especificamente em relação  a uma pandemia que assola o mundo, enfrenta impasses injustificáveis que remetem ao negacionismo e ao deboche sobre a doença e o principal meio de contê-la, a vacina.

Motivos que amparam a sua saída do Boca Livre, anunciada há poucos dias mas pensada há algum tempo, “Me arrependo de não ter saído antes porque foram dois anos de muito sacrifício para mim”, ressaltou.

Em outra ponta, como protagonista do imbróglio, está Maurício Maestro, criador de um grupo que ganhou a MPB pelo estilo próprio e revolucionário, de harmonia vocal incontestável e que, em plena década de 1970 ganhou o improvável espaço de um mercado fonográfico que não comportava “novidades” fora do âmbito comercial. 

 

Em entrevista à Folha de Pernambuco, além de contar sobre sua saída, Zé enfatizou a surpresa de se deparar com os pensamentos contrários de um amigo de décadas e que ultrapassam uma “mera” opinião política. Maestro, agora segue sozinho depois que Lourenço Baeta e David Tygel também anunciaram a saída do grupo.

Vacina como gota d`água
Até então eu achava que conhecia uma pessoa  que se revelou outra. No grupo nunca tivemos problemas envolvendo política, só que neste momento, quando vi que o apoio a uma ideologia que faz apologia à tortura e ao preconceito, e com a pandemia, onde tudo ficou mais escancarado e o Maurício ainda apoiando.

A gota d’àgua foi a vacina, quando fomos convidados para gravar um disco e eu falei que toparia mas depois de vacinados e ele disse que não ia se vacinar.

Discussões acaloradas
Conversamos muito, discussões acaloradas. Tentei pensar só na música mas para mim uma coisa está ligada a outra. A causa não foi só a vacina, mas foi tudo que veio antes. E a questão não é pensar diferente. Divergências são saudáveis, se houver diálogo. 

Em defesa do Boca Livre e do cidadão Zé Renato
Não conseguia ligar o Maurício que eu conhecia com esse de agora. Até me tornei muito mais ativo nas redes para tentar preservar o Boca Livre, mostrar que o grupo não tinha conexão com isso, que ultrapassa a política.

Estamos falando de uma questão humanitária. No meu caso não consigo separar o artista, e parte do público esquece que somos cidadãos. Há uma maior parte do público apoiando e tem outra parte que quer moldar um artista achando que o artista não tem que se meter em política.

Não faço parte dessa turma, com certeza. Nunca me preocupei se vou ter mais ou menos público. O que importa é a minha consciência, em paz com ela, ser mais claro possível com questões que digam respeito à sociedade. Tecendo meu direito no papel de cidadão e é o que está ao meu alcance.

Decisão irreversível
Dificilmente a história vá se reverter. O Maurício não vai mudar uma maneira de pensar e do jeito que ele está tão convencido sobre isso. Foi uma experiência que me fez muito mal e me arrependo de não ter saído antes porque foram dois anos de muito sacrifício para mim. Falando por mim, acho pouco provável que um retorno aconteça de novo.

Boca Livre, grupo musicalGrupo Boca Livre.          Crédito: Reprodução/Instagram


Boca Livre: formação como artista 
Levo do Boca Livre momentos importantes, aprendi muito com todos eles, em todas as formações. Foi uma escola, e praticamente devo minha formação como músico ao grupo. Desde o início com o disco independente, ali já tínhamos uma atitude revolucionária, o Boca veio com um estilo que poderia não funcionar comercialmente.

Momentos divertidos, histórias de viagens. Integrar o Boca Livre me enriqueceu em vários aspectos, musicais e pessoais. Cumpriu-se um ciclo que eu estou deixando com o grupo que tem uma obra de altíssimo nível, sempre muito rigoroso na escolha do repertório, feitura dos arranjos... tive o privilégio de participar disso tudo.

A única coisa que tínhamos certeza era de que o trabalho nos satisfazia e isso foi um bom ensinamento. Cumpriu-se um ciclo. Sou muito grato.

2020 e o futuro 
2020 foi produtivo. Sempre fui muito caseiro, de criar em casa, na madrugada. Fiz lives, participei de entrevistas, compus sóe com muita gente. O registro de algumas dessas canções pode se tornar um projeto. Está vindo também um disco de show gravado em 2004 no Rio de uma temporada sobre o Orlando Silva, acho que sai em fevereiro pelo selo Discobertas.

E “Água para Crianças”, projeto infantil que me debruço há mais de uma década, vai sair este ano também pelo Sesc SP. Gravamos antes da pandemia e tem parceria com o Juca Filho, Zélia Duncan, Pedro Luís, participação de Lenine e de um coral de crianças da (Comunidade) Maré.

Pedidos para 2021
Sempre peço saúde, principalmente. Peço paz. São meus principais pedidos. E como cidadão brasileiro, o que desejo é que a gente tenha uma retomada de uma vida, que alguém possa proporcionar uma vida menos sofrida, que não semeie tanto ódio e que cuide das pessoas que precisam ser cuidadas, olhe para nossas desigualdades e proponham projeto que possa diminuir nossa desigualdade. 

Não enxergar pessoas espalhadas nas comunidades e vê-las só como elementos perigosos. O perigo está na falta de educação, que as pessoas tenham chance de ter um horizonte, porque isso transforma. Mas esse Governo não está preocupado com isso e vamos torcer que isso aconteça o mais rápido possível.

Também que não haja tantas ameaças à democracia, que vem sofrendo e sendo posta a prova quase que diariamente. São direitos conquistados. Barreiras e muros que foram derrubados por anos de luta e agora foram reconstruídos de novo. Temos que lutar para que esses muros fiquem no chão, não construí-los de novo. Lutamos há muito tempo por isso.

É o que desejo para o Brasil que possamos retomar o ambiente civilizatório. Eu adoro o Brasil e fico torcendo para que possamos nos livrar desse pesadelo que estamos passando agora. 

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