Mobilização

Apesar de insatisfações, greve dos caminhoneiros não decola

Nem o vazamento de um áudio do ministro da Infraestrutura, Tarcisio Freitas, foi capaz de incentivar maior mobilização

Protesto da categoria, em São PauloProtesto da categoria, em São Paulo - Foto: Reprodução/Twitter Major Olímpio

A insatisfação dos caminhoneiros, sobretudo com o alto preço do diesel e o não cumprimento da tabela do frete, não se concretizou em mobilização na greve programada por entidades da categoria para esta segunda-feira (1) como tentativa de pressionar o governo federal por mudanças.

O jornal Folha de S.Paulo percorreu 871 km de carro no estado de São Paulo entre o início da manhã e o começo da tarde desta segunda. Viajou até Taubaté, Atibaia e Santos, por exemplo, e circulou por trechos das rodovias Presidente Dutra, Régis Bittencourt, Castello Branco, Bandeirantes, Anchieta, Fernão Dias e o pelo Rodoanel.

Nenhum bloqueio de via foi encontrado ao longo do percurso. A reportagem também não encontrou manifestações e nem motoristas parados.


Reflexo da baixa adesão à greve, o fluxo no porto de Santos, no litoral paulista, foi normal ao longo de toda a manhã, segundo motoristas ouvidos pela reportagem.

"Faltou coragem, muita gente disse que iria parar e quando chegou hoje não parou", diz o caminhoneiro Cícero Costa. "Eu fiquei parado até as 10h. Mas só eu, mais ninguém. Quando eu vi que não ia ter greve nenhuma eu voltei a trabalhar".
Ele defende que aconteça uma greve como a de 2018, pois, diz, só assim seria possível a categoria conseguir que reinvidicações fossem atendidas.

Nem o vazamento de um áudio do ministro da Infraestrutura, Tarcisio Freitas, afirmando que o governo não atenderia aos pleitos da categoria, que deveria "desmamar do governo", foi capaz de incentivar maior mobilização.

A pandemia do coronavírus também dividiu a categoria entre aqueles que veem na conjuntura atual um elemento a mais para a greve e aqueles que entendem não ser a melhor hora para a paralisação.

Edierdson Ferreira, 33, apoia a greve e estava com o caminhão parado em um posto na Rodovia Dom Pedro (próximo a Nazaré Paulista) -mas não foi por conta do movimento: seu pneu furou. Os R$ 250 que teria que gastar com um novo, mais o preço do combustível, fará com que seu lucro seja pequeno.

"A pandemia está aí, de fato, a gente sabe que existe, mas essa paralisação, se vingar, é mais um alerta para a população entender que a gente não parou um segundo, arriscando a vida para voltar para casa sem saber se tinha pego [o vírus] ou não. Então é hora da população se conscientizar um pouco e dar apoio para nós".

Estacionado na Fernão Dias, entre Atibaia e Mairiporã, para almoçar, Bruno de Oliveira, 27, entende de outra forma. Apoiador de Jair Bolsonaro (sem partido), ele não vê o presidente (que teve respaldo dos caminhoneiros em 2018) como principal culpado pela situação, mas entende que ele é barrado por outras instâncias do Poder.

"Vai aglomerar muita gente", diz. "Tem que esperar a pandemia e depois fazer uma greve mesmo, porque do jeito que está o [preço] do óleo [diesel], tudo subindo... Concordo com a greve, mas agora não é a hora certa".

A greve também não mobilizou motoristas no Posto Farol, tradicional parada de apoio no quilômetro 208 da rodovia Presidente Dutra, em São Paulo. O local estava cheio na manhã desta segunda, por volta das 7h. No entanto, motoristas ouvidos não planejavam e nem sabiam de colegas que fossem fazer greve.

Questionados pela reportagem, muitos não quiseram dar entrevista, outros aceitaram conversar em anonimato. Uma das explicações mais ouvidas foi que eles iriam parar caso vissem outros encostados na estrada, mas que não seriam os primeiros a iniciar o movimento.

Houve uma paralisação de caminhoneiros autônomos na Castello Branco, mas que mirou o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e diferiu do que vinha sendo organizado para esta segunda.

"Nossa reivindicação é por redução do ICMS porque faz a economia girar. É bom para nós e a economia inteira. E contra os pedágios abusivos. Somos pela volta ao trabalho. Ninguém mais aguenta ficar em casa", disse ao UOL o líder da manifestação, Claudinei Habacuque.

Uma paralisação de via foi registrada na BR-304/RN na região de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Cerca de 30 caminhoneiros chegaram a obstruir a via por volta das 11h, mas a pista já estava liberada uma hora depois.

Já na BR-060/GO, na altura de Guapó (GO), houve uma tentativa de bloqueio. Por volta das 12h, manifestantes atearam fogo em pneus. O material, entretanto, foi removido e o fluxo nos dois sentidos foi liberado.

Na Bahia, os caminhoneiros fizeram protestos nas margens de rodovias da região metropolitana de Salvador e em cidades do interior como Juazeiro, Vitória da Conquista e Riachão do Jacuípe. As manifestações foram pacíficas e não tiveram bloqueio de rodovias.

Segundo relatos, alguns caminhões chegaram a encostar na rodovia Saturnino Braga, próximo a Barra Mansa (Rio de Janeiro). A Fecam (Federação dos Caminhoneiros Autônomos do estado carioca) diz que não houve manifestação de sindicatos do estado diretamente, mas concorda com as reinvidicações.

As Justiças de São Paulo, do Rio de Janeiro e do Paraná proibiram o bloqueio de vias em seus respectivos territórios. A própria Polícia Federal Rodoviária esperava maior movimentação, e montou uma operação especial para esta segunda.
"A PRF está monitorando tudo a partir do centro integrado de controle em Brasília, todas as rodovias federais do país inteiro. O monitoramento é feito tanto pela equipe que está no centro, quanto pelas equipes que estão nos estados, e a comunicação é constante", afirmou Anderson Poddis, da comunicação da força.

Apesar da baixa adesão, José Roberto Stringasci, presidente da ANTB (Associação Nacional de Transporte do Brasil), uma das entidades que convocou a paralisação, disse que o movimento ainda vai aumentar. "Creio que até o fim da semana a gente já tenha um bom volume de caminhões parados em todo o Brasil".

O CNTRC (Conselho Nacional do Transporte de Cargas), entidade que também declarou apoio à greve, afirma em comunicado publicado em seu site que a paralisação será realizada por "prazo indeterminado".
Em grupos de WhatsApp, o tom que no domingo (31) à noite era de animação, foi mudando ao longo desta segunda para trocas de acusações e indignação.

Nas redes sociais, bolsonaristas atribuíram a paralisação à CUT (Central Única dos Trabalhadores) e ao MST (Movimento Sem Terra).

O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) publicou em uma rede social um vídeo seguido do texto "MST /CUT/'Lula Livre' tentando usar alguns poucos caminhoneiros de massa de manobra para atacar Bolsonaro".
A CUT diz que apoia todas as greves da classe trabalhadora, porém, ressalta que quem está à frente desta paralisação é a CNTTL (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística).

De acordo com a confederação, que afirma representar 800 mil caminhoneiros autônomos no país, a categoria paralisou atividades nas cidades de Ijuí (RS), Votorantim (SP), Castro (PR), Vitória da Conquista e Itatim (BA) -onde houve tentativa de bloqueio da pista-, Mossoró (RN), Montes Claros (MG), João Pessoa (PB) e Campina Grande (PB). Ainda segundo a associação, no município de Castro (PR) a paralisação deverá ser mantida até quarta-feira (3).

"A paralisação continuará até que o governo Bolsonaro atenda à pauta de reivindicações da categoria", disse em nota Carlos Alberto Litti Dahmer, diretor da CNTTL, presidente do Sinditac (Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga) de Ijuí-RS e vice-presidente da CGTB (Central Geral dos Trabalhadores do Brasil).

Nos grupos de mensagens, no entanto, alguns apontavam o Partido dos Trabalhadores como culpado por boicotar a greve, sem nenhuma prova de que o partido estivesse envolvido no movimento. Outros diziam que a categoria tinha se rendido ao presidente Bolsonaro e não tinha mais força para contestar o governo.

Diversos vídeos e notícias da greve de 2018 também circularam como se fossem atuais.
A divisão de posicionamentos entre as entidades que representam a categoria também foi um dos motivos pelos quais a greve não engatou uma marcha mais firme.

O presidente da Abrava (Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores) e um dos principais líderes da greve de 2018, Wallace Landim, conhecido como Chorão, não aderiu à paralisação.

"Grupos aproveitam o movimento de luta de garantia e cumprimento da lei dos caminhoneiros e redução dos impostos dos combustíveis para incluir pautas políticas, como fora Doria, fora Bolsonaro e fechamento do STF. Dessa maneira a Abrava não participará da paralisação".

A lista de reivindicações ao governo chegava a dez itens e a expectativa era que em até três dias, 80% dos motoristas autônomos embarcassem em um movimento semelhante ao de 2018, que durou 11 dias, parou o país e ainda ajudou a eleger o então candidato do PSL. No entanto, não foi o que se viu pelas estradas, nem no discurso do presidente, que pede que a categoria não se mobilize.

O general Augusto Heleno, ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), se manifestou nas redes sociais sobre a greve desta segunda, prometendo buscar recursos legais para ajudar o setor.

"Governo Federal respeita as aspirações dos caminhoneiros. Pres Rep e Min da Infraestrutura têm grande apreço pela categoria. Vão buscar, junto à área econômica, recursos legais para reduzir despesas que recaem sobre esses abnegados trabalhadores, essenciais ao dia a dia do país", disse na publicação.

Alguns petroleiros se mobilizaram contra o preço dos combustíveis, a venda de refinarias, terminais e demais ativos, além de pedidos de vacinação e críticas ao presidente Jair Bolsonaro. Eles organizaram atividades em unidades da Petrobras no estado, se concentrando principalmente na Ilha do Governador.

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