Economia

Auditoria da CGU diz que patrimônio do FGTS é R$ 17 bi menor

Devido às inconsistências apontadas pela CGU, o Ministério da Economia chegou a avisar à Caixa que reduziria o valor pago ao banco pela administração dos recursos dos trabalhadores

Caixa Econômica FederalCaixa Econômica Federal - Foto: José Cruz/Agência Brasil

A Controladoria-Geral da União fez uma auditoria no balanço de 2017 do FGTS (Fundo Garantidor por Tempo de Serviço) e verificou que os ativos do fundo foram inflados em R$ 17 bilhões. Devido às inconsistências apontadas pela CGU, o Ministério da Economia chegou a avisar a Caixa Econômica Federal que reduziria o valor pago ao banco pela administração dos recursos dos trabalhadores. Pelo acordo, a Caixa recebe anualmente o equivalente a 1% dos ativos do fundo, algo em torno de R$ 5 bilhões.

A Folha de S.Paulo teve acesso à troca de correspondências entre o fundo e a Caixa ocorrida entre o início e o final de julho deste ano. Em um dos ofícios, o diretor do Departamento do Fundo de Garantia da Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia afirma não ser possível "precisar o valor do ativo". Por isso, ele diz que, até que as divergências com a CGU fossem resolvidas, haveria um abatimento de 3% no valor devido à Caixa.

Esses pagamentos são realizados em parcelas mensais. Em junho, por exemplo, o banco receberia R$ 215 milhões a menos por isso, segundo as simulações. O assunto foi discutido na última reunião do conselho curador do FGTS na semana em que o governo anunciou a liberação de R$ 40 bilhões das contas dos trabalhadores.

Existem divergência severas sobre os resultados da auditoria, que é preliminar e pode sofrer mudanças caso os auditores sejam convencidos dos argumentos apresentados pelos representantes do fundo e da Caixa.

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Na reunião do conselho curador, houve quem defendesse que as inconsistências não passariam de R$ 450 milhões. Por isso, o conselho decidiu manter os pagamentos até que as partes cheguem a uma conclusão em torno da diferença de valores. Pessoas que participam dessa discussão afirmam que, caso as inconsistências se confirmem e seja preciso reduzir esses pagamentos, cogita-se implementar um sistema de compensação mensal.

Concluída em abril deste ano, a auditoria da CGU foi feita no balanço de 2017 do FGTS publicado em agosto do ano passado. Naquele momento, os ativos do fundo somavam R$ 496,6 bilhões e os auditores verificaram uma diferença de R$ 17 bilhões a mais nos ativos, o que levaria a uma redução do valor pago para a Caixa.

Essa diferença existiu porque, segundo a CGU, o fundo não reconheceu perdas nas operações de crédito (habitação, saneamento e infraestrutura), nem nas debêntures (títulos de dívida emitidos por empresas) adquiridas como forma de investimento. Também considerou como ativos o que, na verdade, eram garantias.

Nas operações de crédito, o FGTS não reconheceu perdas mesmo tendo operações com inadimplência maior que um ano. O fundo explicou para a CGU que essas operações eram garantidas pela União até 2001 e que, após essa data, o risco passou para a Caixa. Ou seja, o risco seria zero porque a garantia é praticamente "soberana" [A União não teria como quebrar se fosse arcar com esse gasto].

No entanto, os auditores dizem que, mesmo assim, não se pode confundir um ativo (operação de crédito) com uma garantia ou aval. A garantia, explicam, só se torna um ativo quando é executada.

Pelas regras da contabilidade, operações com atraso maior que 180 dias, implicam no reconhecimento de 100% de perdas com provisionamento no balanço.
A CGU estimou essas perdas, que não constam na contabilidade do FGTS, em R$ 13,3 bilhões. Segundo o parecer, esse não reconhecimento causou uma superavaliação do ativo nesse mesmo valor.

Os gestores do fundo recorreram, afirmando que os R$ 13,3 bilhões identificados pela CGU incluíram juros. Por isso, o valor correto estaria mais próximo de R$ 5 bilhões.
Além disso, o fundo reconheceu ter lançado R$ 3,1 bilhões recebidos em garantias por outras operações. O fundo também não computou perdas decorrentes de compra de debêntures (títulos de dívida emitidos por empresas) vinculadas a empreendimentos financiados pelo FGTS.

Diversos pagamentos dessas debêntures encontravam-se em atraso e alguns emissores chegaram a se atolar na recuperação judicial desde que os papéis foram adquiridos pelo fundo.

Pela simulação dos auditores, os investimentos nessas debêntures de R$ 3,3 bilhões, em 2017, na verdade teriam de ser computados como R$ 435,9 milhões. Isso também teria inflado artificialmente os ativos do FGTS.

Para a CGU, o fundo reconheceu as perdas, mas afirmou não fazer o registro porque entende que a garantia (pelo agente operador) é suficiente para cobrir eventual prejuízo.
Nesse quesito, os gestores acataram a posição da CGU e devem lançar perdas nos próximos balanços do FGTS.

Para não dizer que só houve distorção para mais, o fundo não contabilizou cerca de R$ 2 bilhões decorrentes do fluxo anual de cobrança das dívidas ativas do FGTS, aqueles recolhimentos que deveriam ter sido feitos pelas empresas nas contas de seus funcionários e que não se realizaram. Esse valor deveria ter sido registrado no ativo, e não foi.

No relatório de 42 páginas obtido pela Folha de S.Paulo, os auditores explicam que essas discrepâncias ocorreram porque o fundo não seguiu as normas de contabilidade. Em vez de consolidar o resultado de todos os seus braços operacionais, o fundo só prestou contas de cada um deles separadamente.

Além do FGTS, existem recursos dos trabalhadores aplicados em fundos de investimento como o FI-FGTS, três fundos imobiliários e um fundo de direitos creditórios (FIDC). Para a CGU, o FGTS disse que segue os parâmetros determinados pelo TCU (Tribunal de Contas da União), que também fiscaliza as contas do fundo.

Os auditores da CGU não acataram a explicação. Para eles, o fato de o TCU exigir contas separadas não livra o fundo da obrigação de consolidação do resultado.
"A divulgação de demonstrações consolidadas é uma exigência não uma escolha", disseram no relatório.

Em outra frente, os auditores contestaram o "excesso de liquidez" [dinheiro em caixa] nos fundos de investimento do FGTS. Se o balanço fosse consolidado, haveria quase R$ 10,5 bilhões no caixa do FGTS. Para os auditores, "considerando que a taxa de administração é cobrada como um percentual do total do ativo (FI-FGTS) ou do patrimônio líquido (demais fundos), a unidade [FGTS] poderia ter economizado um valor significativo caso o excesso de liquidez fosse mantido no FGTS e não nos fundos de investimento".]

Esses valores economizados poderiam estar entre R$ 27 milhões e R$ 82 milhões anualmente, considerando-se uma redução entre 70% e 90%, respectivamente, de parte das aplicações dos fundos. Para os auditores, "não há óbices para que boa parte dos recursos permaneça sob a gestão do FGTS." A controladoria também encontrou problemas nas despesas. Cerca de 75% do saldo das contas do FGTS permanecem depositadas por mais de um ano. Particularmente depois de 2017, quando o ex-presidente Michel Temer autorizou saques das contas, apenas um terço do estoque dos depósitos vinculados foi sacado dentro de um ano.

Para os auditores, isso é relevante porque o FGTS registra esse estoque no balanço como passivo circulante quando o correto seria marcá-lo como passivo não circulante (para despesas que serão feitas num prazo mais longo do que um ano). "A incorreta segregação dos passivos [despesas] não propicia uma visão da real necessidade de recursos do FGTS, podendo causar descasamento entre os recebimentos e os pagamentos", escrevem os auditores.

Consultados, CGU, Caixa e o Ministério da Fazenda não quiseram se manifestar.

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