Políticas econômicas

Como o governo Bolsonaro, com PEC Eleitoral e outras medidas, desmontou pilares do Orçamento

São mudanças na Constituição patrocinadas pelo governo Bolsonaro para acomodar novas despesas e furar o teto de gastos

Praça dos Três Poderes, em BrasíliaPraça dos Três Poderes, em Brasília - Foto: Mary Leal/Arquivo/Agência Brasília

Aprovada na última quinta-feira (30) pelo Senado e incluída na pauta da Câmara desta semana, a PEC Eleitoral é mais uma medida patrocinada pelo governo Jair Bolsonaro que altera regras fiscais ou cria caminhos alternativos para aumentar gastos e driblar as limitações impostas por leis anteriores. Desta vez, o impacto fiscal estimado está no patamar de R$ 41,2 bilhões até o fim do ano.

São mudanças na Constituição patrocinadas pelo governo Bolsonaro para acomodar novas despesas e furar o teto de gastos (a regra que trava as despesas federais e é considerada a principal âncora fiscal do país). Foi uma reação à queda de popularidade do presidente, que tentará se reeleger em outubro deste ano.

Em dezembro de 2021, foram promulgadas duas emendas à Constituição para implementar um limite anual no pagamento dos precatórios e mudar a forma de cálculo do teto de gastos com o objetivo de abrir mais espaço orçamentário.

Essas emendas fazem parte da chamada PEC dos Precatórios (dívidas do governo para as quais não cabe mais recurso). Naquela época, o objetivo foi abrir caminho para o novo programa social de Bolsonaro, o Auxílio Brasil (novo Bolsa Família), com valor de R$ 400.

Atualmente, a discussão é sobre a expansão de benefícios, como o próprio Auxílio Brasil. Foram também criadas despesas para contemplar caminhoneiros e taxistas.

Para Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, as medidas são “claramente casuísticas”, voltadas para atender usineiros, taxistas e caminhoneiros. Ainda que as duas últimas categorias sejam afetadas pela alta nos preços dos combustíveis, Mendes argumentou que o país já passou várias vezes por esse problema, sem a necessidade de uma ação eleitoreira.

Ele enfatizou que há ameaças além dos efeitos da PEC Eleitoral. Destacou que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) está tornando obrigatório o pagamento de emendas ao relator (a base do orçamento secreto) e ainda traz a possibilidade de o próprio Congresso estimar o índice que vai corrigir o teto de gastos.

— E, se você olha um pouco para trás, tem todo um conjunto de distribuição de benefícios tributários de captura do Orçamento pelo Congresso através do aumento das emendas e perda do Executivo sobre as contas pública — afirma.

Veja abaixo mudanças no desempenho fiscal do governo Bolsonaro

PEC Eleitoral

A PEC aprovada no Senado na última semana tem um custo de R$ 41,2 bilhões e prevê a instituição de um estado de emergência no país para possibilitar, entre outras medidas, a ampliação do Auxílio Brasil para R$ 600, a três meses da eleição. As despesas driblam a lei eleitoral e o teto de gastos.

A lei eleitoral veda a criação de benefícios no ano do pleito, a não ser em casos de emergência. A PEC, então, passa a prever um estado de emergência para driblar a lei.

Alexys Lazarou, advogado de Cascione Pulino Boulos Advogados, ressalta que o caso da PEC Eleitoral abre “margem perigosa” para subjetividade da necessidade de emergência e pode ser discutida no Supremo Tribunal Federal (STF).

— Se aceitarmos que o atual momento de crise permite burlar a lei eleitoral, deveremos aceitar também que isso será regra sempre. Todo mandatário terá o mesmo direito de potencializar a máquina pública para programas sociais, com claro impacto eleitoral, alegando ser necessário para se enfrentar uma crise; oportunidade que se tem muito no Brasil — disse.

PEC dos Precatórios

Essa emenda à Constituição traz duas mudanças principais: um limite anual de pagamento dos precatórios e a mudança de cálculo do teto de gastos, ambas feitas para abrir mais espaço de despesas no Orçamento.

A primeira mudança limita o pagamento de precatórios ao valor pago em 2016 (R$ 30,3 bilhões) com o reajuste do IPCA. Já o teto de gastos passou a ser reajustado com a inflação acumulada de janeiro a dezembro do ano anterior, antes era nos doze meses anteriores a junho.

Cristiano Vilela, especialista em direito eleitoral e sócio do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados, afirmou que o governo já começou a emitir sinais ruins com a PEC dos Precatórios, pois ficou claro que o teto de gastos poderia ser rompido quando fosse conveniente, “o que vem a macular o instituto que surgiu justamente como forma de limitar o gasto desordenado”.

Vilela também afirmou que o orçamento secreto é uma medida inconstitucional, que fere o princípio da transparência e da moralidade na Administração Pública. Ele citou o relatório da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), apresentado na última semana.

Ele ressaltou que os dois principais candidatos, Bolsonaro e Lula, manifestaram a intenção de rever o esse mecanismo, em um movimento que pode ser visto negativamente pelo mercado internacional.

— O texto transforma as emendas de relator-geral como sendo impositivas a partir de 2023, o que amplia ainda mais a inconstitucionalidade da medida — disse ele.

Regra de ouro

Alexys Lazarou afirma que, desde 2019, a regra de ouro — que proíbe o governo de se endividar para pagar despesas correntes, como programas sociais e folha salarial — tem sido desrespeitada.

A mudança aconteceu com a aprovação de uma emenda que permitiu o pagamento de R$ 44 bilhões do Auxílio Emergencial fora do teto de gastos em março do ano passado. A medida, ao mesmo, foi isenta do cumprimento desse dispositivo constitucional.

—O manejo de propostas de emenda à Constituição cobra um preço político caro, não se trata de um mecanismo jurídico simples. A quantidade de parlamentares que atuam no processo e o caminho que a lei cobra para se chegar ao resultado são barreiras naturais. Ao percorrer todo esse périplo, repetidas vezes, o governo mostra reconhecer a necessidade da roupagem jurídica para os gastos excessivos. Na contrapartida, se entrega ao Congresso, que passa por fiduciário de como esse governo realiza a gestão das contas públicas — disse Lazarou.

Orçamento secreto

O orçamento secreto consiste no pagamento de emendas indicadas por senadores e deputados sem a transparência imposta pela Constituição e distribuídas sem critérios objetivos. Os recursos são usados pelo governo como uma forma de obter apoio político de aliados no Congresso.

Neste ano, R$ 5,8 bilhões dos R$ 16 bilhões previstos já foram empenhados. Isso foi possível com uma alteração na LDO de 2020, seguida desde então.

Élida Graziane, professora da FGV e procuradora do Ministério Público do Tribunal de Contas em São Paulo, disse que as regras orçamentárias colocadas pela Constituição, como transparência, impessoalidade, isonomia e eficiência, "caem por terra com o Orçamento secreto”.

— Eles escolhem como bem entendem e aplicam como se não houvesse Constituição que obriga a dar publicidade, ter critérios impessoais, isonomia — disse.

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