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Balanço

COP30 em Belém: evento simbólico, mas marcado por contrastes

Conferência, pela primeira vez realizada numa floresta, trouxe visibilidade às comunidades, mas enfrentou falhas logísticas, ausência de líderes e impasses sobre combustíveis fósseis

COP30: Lula se reúne com líderes da Alemanha, Portugal e MoçambiqueCOP30: Lula se reúne com líderes da Alemanha, Portugal e Moçambique - Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), sediada em Belém, no Pará, foi um evento de marcantes contrastes. Se por um lado o Brasil angariou um protagonismo inédito ao atrair negociadores para a floresta amazônica, por outro, a cúpula terminou sob a sombra de percalços logísticos, impasses financeiros e a frustração de não alcançar um roteiro vinculante para a transição energética global.

Entre os pontos celebrados por especialistas estão a visibilidade ampliada dos povos e comunidades tradicionais e decisões técnicas como avanços no que se refere ao mercado de carbono. Entre as críticas, destacam-se problemas de infraestrutura, a redução da presença de chefes de Estado, o incêndio na Blue Zone e a ausência concreta de um “mapa do caminho” para a redução do uso de combustíveis fósseis.

Participação

O elemento mais distintivo da COP30 foi a própria Amazônia e sua capacidade de envolver participantes e negociadores em uma experiência direta com o ambiente discutido. O evento se caracterizou por um “grau de participação que é inédito entre todas as COPs”, avaliou o professor e ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) Luiz Otávio Cavalcanti.

Para o professor, a realização do evento na região adicionou um peso simbólico e decisivo às negociações: a “presença física e moral da floresta funcionou como elemento de pressão e responsabilidade”.

A internacionalista Julia Stefany, que participou de sua segunda COP, reforçou o caráter imersivo do evento: “Viver a COP dentro da maior floresta tropical do mundo foi muito importante para trazer para a realidade muitos desses negociadores, dessas lideranças climáticas, de pessoas que falam tanto de mudanças climáticas, mas que, às vezes, não vivenciam isso na sua rotina, no seu dia a dia”. Para Julia, a forte presença de movimentos sociais, marchas e manifestações ampliou vozes que normalmente ficam à margem das negociações técnicas.

Acordos

Apesar da limitada presença de líderes de grandes emissores, como China, Arábia Saudita, Índia e Estados Unidos, a diplomacia brasileira foi amplamente elogiada. Luiz Otávio Cavalcanti afirmou que o Itamaraty deu “uma aula de articulação programática”, obtendo consensos, evitando conflitos e conduzindo debates com elevada eficiência.

Entre os pontos que avançaram, especialistas citaram decisões técnicas, em particular em torno do Artigo 6, que regulamenta mecanismos de mercado de carbono. “Conseguimos trazer essa decisão para dentro da regulação, tanto do mercado de carbono quanto das abordagens cooperativas e também nas sinergias”, disse Julia Stefany.

Ainda assim, o principal nó político da COP30 voltou a ser a questão dos combustíveis fósseis e do chamado “mapa do caminho” (roadmap) para retirada gradual do petróleo, carvão e gás. Para o cientista político Augusto Teixeira, o entrave central é direto: “Os países ricos não querem pagar por isso”. Ele acrescentou que pressões geopolíticas, como o aumento dos gastos militares europeus para cerca de 5% do PIB, reduzem ainda mais a disposição para financiar políticas ambientais.

“Eu acho que é cedo para falar ainda em acordos relevantes, porque havia a ideia de criar o chamado mapa do caminho. Entretanto, aquilo que se busca em grande parte é a criação de compensações econômicas como crédito de carbono, entre outros mecanismos, para que países em desenvolvimento que possuem florestas mantenham suas florestas”, disse.

Para ele, interesses de geopolítica e gastos militares em função da guerra na Ucrânia reduzem a disponibilidade orçamentária para investimentos verdes, fragilizando a propensão de países desenvolvidos a desembolsar fundos significativos. A ausência de acordos vinculantes refletiu essa conjuntura, com um resultado concentrado em “documentos, declarações e perspectivas”, sem compromissos capazes de limitar grandes potências.

Incêndio

Um dos episódios mais delicados do evento foi o incêndio registrado na Blue Zone, na quinta-feira. As chamas foram rapidamente contidas e não houve registro de feridos. Para o cientista político Vinícius Silva Santana, presente no evento como parte da comitiva do Azerbaijão, o incidente funciona como metáfora da urgência climática.

"O incêndio também serve como lição metafórica para a própria agenda climática. Assim como o fogo precisou ser contido com urgência durante a conferência, e as pessoas precisaram ser colocadas em segurança, os desafios da agenda climática precisam ser encarados com a mesma urgência, preservando a segurança de todos os afetados com as mudanças climáticas".

Apesar do susto, Santana destacou que a "eficiência da organização, ao retirar os participantes presentes para a Zona Verde, de conter os danos e de garantir que o evento e as mesas de negociação continuassem normalmente algumas horas após o ocorrido, deve ser lembrada como o verdadeiro marco".

Julia Stefany alertou, contudo, que o controle rápido do fogo e a atuação dos bombeiros e da segurança também merecem ser destacados. O incidente não impediu que as negociações prosseguissem e que textos técnicos fossem aprovados nas agendas em que houve avanço.

“Foi realmente uma coisa muito triste o que aconteceu. É algo que não é comum de se ver em eventos do tipo, mas não é uma coisa que foi causada só porque aconteceu aqui no Brasil. É um acidente, acidentes acontecem e o importante é que em seis minutos, todo o fogo foi controlado”, disse.

Estrutura

Para o internacionalista Thales Castro, o balanço negativo da COP foi exposto diante das falhas logísticas e da incapacidade de avançar no financiamento climático. Ele destacou o deficit de hospedagem, lembrando que “Belém do Pará tem algo em torno de 17 mil a 18 mil leitos”, diante de um evento para mais de 30 mil participantes. Criticou também a construção de uma nova estrada que, segundo ele, “rasgou boa parte da floresta” para conectar a área central ao pavilhão, o que gerou forte reação social.

Castro mencionou ainda os “preços exorbitantes” de hospedagem e a dependência de geradores a diesel funcionando 24 horas por dia, demonstrando fragilidades no planejamento energético. No núcleo das discussões financeiras, prevaleceu a frustração. “Não se atingiu o tão esperado consenso do Fundo Sobre Florestas para Sempre”, estimado em US$ 125 bilhões. Até quinta-feira, o fundo acumulava US$ 6,7 bilhões de patrocinadores internacionais: Noruega (US$ 3 bilhões), França (US$ 500 milhões), Brasil (US$ 1 bilhão), Indonésia (US$ 1 bi) e Alemanha, que contribuiu com 1 bilhão de euros.

Alemanha

Ainda sobre a estrutura da COP, o chanceler da Alemanha, Friedrich Merz, criou um imbróglio entre Brasília e Berlim. Em discurso na semana anterior, Merz afirmou que a comitiva alemã ficou satisfeita em deixar Belém e retornar ao país europeu, observando que nenhum jornalista de sua delegação teria manifestado vontade de permanecer na cidade.

Segundo o porta-voz do governo alemão, Stefan Kornelius, Merz “não pretende se desculpar” e não vê prejuízo às relações diplomáticas. Kornelius afirmou que a declaração foi tirada de contexto e que a impressão do chanceler sobre a viagem foi “muito positiva”, enfatizando que o Brasil permanece como o principal parceiro geoestratégico da Alemanha na América do Sul. Ainda assim, o episódio reforçou o desgaste político em torno da COP e alimentou críticas sobre a percepção internacional da infraestrutura oferecida por Belém.

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