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ALTA NOS PREÇOS

Aumento global no preço da manteiga atinge croissants e cozinhas pelo mundo

Escassez e aumento nos preços da manteiga afetam desde produtores até consumidores

Preparo de croissants é afetado pelo aumento no preço da manteigaPreparo de croissants é afetado pelo aumento no preço da manteiga - Foto: Ed Machado/Arquivo Folha de Pernambuco

Nas padarias Mamiche, nos distritos 9 e 10 de Paris, os famosos folhados de chocolate e croissants dependem de um ingrediente essencial — e cada vez mais escasso: a manteiga.

O fornecedor habitual da padaria já não consegue garantir o fornecimento regular de beurre de tourage, um tipo de manteiga laminada usada na fabricação das massas folhadas.

Para manter o ritmo de produção de seus produtos, a Mamiche teve que buscar alternativas — mas isso tem um custo.

Os preços da manteiga permanecem próximos de níveis recordes na maior parte do mundo, sem sinais de alívio à vista.

Trata-se do resultado de uma combinação complexa de fatores — dificuldades enfrentadas por produtores de leite da França à Nova Zelândia, mudanças no apetite dos consumidores asiáticos que impulsionam a demanda global e decisões comerciais de processadores de leite em busca de proteger sua rentabilidade.

 

O efeito final é mais pressão de custo sobre alimentos populares no dia a dia do consumidor.

“Quando precisamos mudar de fornecedor, a diferença é nítida”, diz Robin Orsoni, operador comercial da Mamiche. Outros fornecedores cobram entre 25% e 30% a mais, mas a Mamiche precisa absorver o custo porque “queremos agradar nossos clientes — e precisamos da manteiga”.

Cerca de 70% da manteiga exportada no mundo vem de dois lugares: Europa e Nova Zelândia.

Ambas começaram 2025 com estoques historicamente baixos, o que levou a uma disparada nos preços, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

A origem do aperto na oferta remonta a 2022, quando o preço do leite na Europa atingiu um pico.

A inflação e os custos de combustível impactaram os produtores, forçando os processadores a buscarem formas de maximizar os lucros.

A manteiga é feita pela separação do creme do leite cru, seguido de um processo de batimento. O resultado é manteiga e leitelho, este último com “alguns usos industriais, mas relativamente limitados”, explica Monika Tothova, economista da FAO.

É usado em algumas receitas, na fabricação de outros derivados do leite e como ração animal.

Em contraste, “quando se faz queijo, todo o volume de leite é processado”, diz Tothova.

Até o subproduto da fabricação de queijo, chamado soro de leite (whey), é altamente valorizado por fabricantes de alimentos e frequentadores de academia que buscam proteína.

Na União Europeia, os processadores têm priorizado a produção de queijo. Com isso, a fabricação de manteiga vem caindo de forma contínua e deve atingir o menor nível em oito anos nesta temporada, segundo estimativas do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA).

A própria produção de leite também está ficando mais difícil. Na Europa, os rebanhos estão encolhendo por pressão financeira, e agora os criadores enfrentam riscos adicionais devido ao vírus da língua azul, afirma José Saiz, analista do mercado de laticínios da agência Expana.

A dermatite nodular bovina, que pode reduzir a produção de leite das vacas infectadas, também já chegou à Itália e à França.

Enquanto a manteiga perde espaço nas prioridades dos processadores, os consumidores demonstram um apetite crescente por ela — especialmente na Ásia.

O consumo global de manteiga deve crescer 2,7% em 2025, superando a produção, segundo o USDA. Na China, a demanda subiu 6% em apenas um ano.

Em Taiwan, o consumo cresceu 4% entre 2024 e 2025; na Índia, maior consumidora mundial, a alta foi de 3%.

A rede de padarias francesa Bakehouse, em Hong Kong, tem aproveitado essa mudança de gosto dos consumidores asiáticos.

O uso anual de manteiga da empresa gira em torno de 180 toneladas — um aumento de 96 toneladas em relação ao ano anterior, após a abertura de duas novas lojas — além de outras 180 toneladas de creme, segundo o cofundador Gregoire Michaud.

A Bakehouse só compra de fornecedores consagrados: a Nova Zelândia tem excelente reputação, mas “a China ainda não está no nível”, diz ele.

Na Nova Zelândia, que é um grande exportador de laticínios e produz cerca de 2,5% do leite mundial, a produção de manteiga ainda não voltou ao nível pré-pandemia, mantendo-se em torno de 500 mil toneladas por ano desde 2020.

Assim como em Paris, a escassez e os altos preços obrigaram a Bakehouse de Hong Kong a recorrer a três fornecedores diferentes em pouco tempo — da Austrália, depois Nova Zelândia e então Bélgica. Agora, já cogitam um quarto.

Os consumidores ocidentais também estão comendo mais manteiga — que por anos foi evitada por razões de saúde — como parte de um movimento para reduzir o consumo de alimentos ultraprocessados.

No Reino Unido, aumentaram as compras de manteiga em bloco, segundo Susie Stannard, principal analista de laticínios do Conselho de Agricultura e Horticultura britânico.

“Os consumidores que podem pagar, ainda compram manteiga”, disse ela, mas isso não significa que estejam imunes às pressões de preço.

No recém-inaugurado restaurante Morchella, em Clerkenwell, Londres, a popular manteiga noisette com pão — servida no restaurante Perilla, da mesma rede — foi substituída por azeite de oliva.

Antes dos aumentos recentes, “era comum colocar bastante manteiga na frigideira para preparar um peixe ou uma carne”, disse Ben Marks, chefe de cozinha do Perilla. “Agora é preciso ser muito mais criativo.”

Não se espera alívio para os consumidores tão cedo. Os preços da manteiga também são afetados por conflitos geopolíticos, interrupções nas cadeias de suprimentos e guerras tarifárias que têm afetado praticamente todas as commodities.

Em meio a esse “mercado muito aquecido”, a Bakehouse de Hong Kong está priorizando fornecedores mais próximos para evitar quedas no fornecimento, segundo Michaud.

Orsoni disse que a Mamiche continuará absorvendo os custos mais altos da manteiga para manter os clássicos franceses acessíveis aos clientes — mas, segundo Marks, do Perilla, é “inevitável” que os preços para os consumidores subam.

A onda de calor que atinge a Europa nas últimas semanas pode piorar ainda mais a situação. As altas temperaturas podem reduzir a produção de leite das vacas e, ao mesmo tempo, aumentar a demanda por outros produtos que competem com a manteiga pelo uso da gordura retirada do leite.

Fãs de tênis servindo creme com morangos durante Wimbledon, ou trabalhadores se refrescando com um sorvete nas praças das cidades, “só contribuem para manter os preços da manteiga em alta”, diz Stannard.

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