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TECNOLOGIA

Em meio à corrida pela IA, big techs ampliam emissões de carbono, que crescem até 73% em quatro anos

Relatórios ambientais de empresas de tecnologia mostram alta no consumo de energia e água, além de aumento nas emissões totais

Em meio à corrida pela IA, big techs ampliam emissões de carbono.Em meio à corrida pela IA, big techs ampliam emissões de carbono. - Foto: Pexels

Enquanto se comprometem com metas climáticas ambiciosas, as gigantes da tecnologia americanas têm ampliado as emissões de carbono. Em quatro anos, a alta chega a passar dos 70%, em meio ao impulso da corrida pela Inteligência Artificial e à ampliação da infraestrutura para processamento de dados.

Desde 2020, o total de emissões de carbono e equivalentes da Microsoft subiu 23,4%. O Google, por sua vez, elevou em cerca de 73,8% as emissões totais reportadas no mesmo período, enquanto a alta da Amazon foi de 33,3%, apesar da empresa não estar no nível máximo registrado. As três lideram o mercado de infraestrutura computacional para IA. Os valores consideram as emissões totais.

Os dados foram levantados pelo Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN), centro de pesquisa independente, a partir dos relatórios de sustentabilidade das empresas. Apesar das três empresas ampliarem emissões os números não são diretamente comparáveis porque cada uma adota metodologias diferentes de medição e reporte.

Camila Cristina, coordenadora de pesquisa do Lapin, ressalta que os documentos públicos das empresas de tecnologia reforçam a tomada de esforços para mitigar impactos ambientais, ao mesmo tempo em que admitem aumentos contínuos nas emissões.

As justificativas incluem o avanço de projetos comerciais, especialmente do desenvolvimento de IA, e vêm acompanhadas de estratégias de compensação, com compra de créditos de carbono ou certificados de energia renovável.

— É uma contradição e eles assumem que é uma contradição — afirma a pesquisadora, que questiona as medidas compensatórias adotadas pelas empresas — Operações na América Latina podem ser compensadas com créditos de reflorestamento na Ásia, por exemplo. O mesmo ocorre com os créditos de energia renovável: há empresas que dizem ter na operação 100% de energia limpa, mas, na prática, compram certificados em vez de implementar de fato fontes renováveis.

Alta nas emissões
As empresas não reportam as emissões por país, mas trazem alguns dados regionalizados. Com mais de 300 data centers em operação ou em construção, distribuídos em 60 regiões do mundo, a Microsoft indica um crescimento de quase quatro vezes nas emissões de carbono na América Latina, de 16.022 para 60.297 toneladas métricas, entre 2020 e 2024. O dado refere-se ao escopo 2, de emissões ligadas ao consumo de energia elétrica.

Uma das maiores empresas de computação em nuvem, além de parceira da OpenAI, que criou o ChatGPT, a Microsoft praticamente triplicou o consumo de energia total anual desde 2020, para 30,2 milhões de megawatts-hora no ano passado. No mesmo período, o consumo hídrico subiu 38,39%.

O resultado é atribuído a “fatores relacionados ao crescimento, como a expansão da IA e da nuvem”. Entre as metas climáticas, a empresa pretende se tornar carbono negativa e "água positiva", em que reintegra mais água do que consome nas atividades. Procurada, a Microsoft decidiu não comentar.

Já o Google, tem o compromisso, até 2030, de operar somente com energia livre de carbono e reduzir pela metade as emissões, além de repor 120% da água consumida. Apesar disso, o consumo hídrico na operação global aumentou 117% desde 2020, para 8,1 milhões de galões no ano passado.

De toda a água consumida, 96% vem de data centers. Mais da metade (64%) passa pela reposição hídrica.

Empresas latinas também foram avaliadas
Além do crescimento das emissões totais desde 2020, o Google também reportou um aumento de 27% no uso de eletricidade em data centers entre 2023 e 2024, enquanto a média de uso de energia limpa permaneceu na faixa 68%.

Em um dos relatórios a empresa a alta no consumo energético as cargas de trabalho intensificadas para IA inclusive no treinamento de modelos complexos,como o Gemini Ultra e o Imagen 3, aponta o Lapin.

Em relação à Amazon, o relatório destaca dados da AWS, divisão de computação em nuvem da empresa e líder global do setor. A empresa afirma ter alcançado 100% de uso de energia renovável em 2024, seis anos antes da meta original, e diz que pretende tornar a AWS positiva no consumo de água até 2030, tendo atingido 53% de reposição hídrica no último ano.

A piora principal aconteceu no escopo 1 (que são emissões operacionais diretas), que triplicaram desde 2020, de 5,57 para 14,8 milhões de toneladas. A companhia ainda utiliza fontes fósseis, mas faz a compensação por meio da compra de energia limpa e de certificados equivalentes ao consumo.

Em relação à água, o relatório da Lapin não informa dados totais da empresa, e aponta que não há detalhas sobre gasto hídrico de data centers.

Até publicação desse texto, Google e Amazon (AWS) não tinham retornado questionamentos do GLOBO. A Microsoft informou que não iria comentar.

Uma das críticas dos pesquisadores é a falta de transparência em relação as informações sobre impacto ambiental dessas empresas, especialmente das companhias brasileiras que lideram o mercado de data centers. Além das big techs americanas, a pesquisa também avaliou dados da Ascenty, Elea e Scala.

Atração de data centers para o Brasil
Fundada em 2010, a Ascenty é uma das principais provedoras de data centers da América Latina, com uma infraestrutura composta por 34 data centers (sendo 20 no Brasil). Levantamento da Lapin aponta que a empresa ampliou em 594,9% as emissões de Escopo 1 (emissões diretas das operações, como uso de combustíveis) e de 40,29% nas de Escopo 2 (emissões indiretas provenientes de energia) entre 2022 e 2024.

Já o consumo de energia saltou 151,6% no mesmo período. A Ascenty afirma que 100% dessa energia é proveniente de fontes renováveis, mas a partir da compra de certificados.  Sergio Abela, diretor de operações de data centers da Ascenty, diz que emissões de Escopo 1 subiram em razão de uma liberação pontual de gases em uma atualização de tecnologia, o que não é recorrente.

Sobre o Escopo 2, ele afirmou que a empresa utiliza energia limpa certificada e que a expansão decorreu da ampliação do negócio..

Outra empresa avaliada foi a Elea, com sede no Rio de Janeiro. Um dos projetos da empresa envolve ao “Rio AI City”, um mega complexo da infraestrutura que terá R$ 5 bilhões em investimentos. A companhia não informa dados sobre emissões de carbono por escopos (1, 2 e 3) ou consumo hídrico em seu relatório próprio de sustentabilidade.

Em nota, a empresa afirmou que o relatório tem "como objetivo comunicar de forma mais institucional e menos técnica" e que dados sobre emissões estão no Registro Público de Emissões controlado pela FGV. Também indicou que reduziu em 22,3% suas emissões totais de CO2.

Por fim, a pesquisa analisou os dados da Scala. A empresa divulgou apenas um relatório de sustentabilidade desde 2020, quando foi fundada. De acordo com o documento, as emissões indiretas de carbono da empresa (escopo 3) aumentaram 64% entre 2022 e 2023, e, desde 2020, o crescimento das emissões totais é de aproximadamente 2.408,6%, ou seja, quase 25 vezes maior.

Faltam detalhes, no entanto, sobre consumo hídrico e energético, além de balanços sobre gestão de resíduos. A empresa não retornou o contato do GLOBO até a publicação desse texto.

O relatório é divulgado em um momento em que o governo brasileiro, a partir do Ministério da Fazenda, trabalha em um plano com medidas para atrair data centers para o país, tendo como atrativo local a disponibilidade de energia. Para os pesquisadores, a medida deveria vir acompanhada de exigência de transparência em dados sobre impacto, metas de eficiência e contrapartidas ambientais.

— É muito importante que a gente não busque atrair essas estruturas de política de cega como uma, política de ofertar matéria-prima barata. É muito importante a gente observar as características locais, inclusive incorporando isso nessas regulamentações— diz Felipe Silva, coordenador geral do Lapin.

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