Entenda a crise no Paraguai devido a acordo com o Brasil por energia de Itaipu
O novo pacto traria prejuízos de mais de US$ 200 milhões a Assunção
O Paraguai enfrenta crise política desde o fim de julho, quando foi revelada a assinatura de um acordo secreto com o Brasil para a renegociação dos termos de distribuição de energia da usina hidrelétrica binacional de Itaipu.
O novo pacto traria prejuízos de mais de US$ 200 milhões a Assunção, o que foi considerado "traição à pátria" pelos parlamentares da oposição e até pelo Honor Colorado, corrente do partido do presidente, Mario Abdo Benítez.
Entenda a origem e os desdobramentos dessa crise.
O que gerou a crise?
A revelação dos novos termos do acordo entre Brasil e Paraguai para a administração da hidrelétrica binacional de Itaipu. O documento estabelecia um cronograma para a comercialização da energia gerada pela usina até 2022.
Atualmente, o Brasil consome 84% da produção da usina, e o Paraguai, 15,6%; o restante serve para abastecer a própria hidrelétrica.
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Pela revisão acertada neste ano entre Assunção e Brasília, o Paraguai aumentaria seus gastos em mais de US$ 200 milhões, porque o novo trato obrigava o país vizinho a comprar um volume maior da chamada energia garantida produzida pela usina, o que geraria aumento na conta de luz para os consumidores paraguaios.
Além disso, os novos termos suprimiam um item que permitia à Ande (estatal elétrica paraguaia) vender diretamente sua parte da energia excedente gerada por Itaipu para a Eltrobras. Pelo novo pacto, contudo, esse excedente poderia ser vendido para distribuidores privados brasileiros.
A energia excedente é a produzida além da garantida (devido a fortes chuvas, por exemplo) e comercializada por um valor mais baixo.
Metade do excedente fica com o Brasil, e a outra, com o Paraguai. O Brasil tem necessidade energética maior que o Paraguai, o que torna o país um mercado em potencial para o excedente.
Quando o acordo foi assinado?
A ata foi assinada em dia 24 de maio, em Brasília, por autoridades brasileiras e paraguaias.
Mensagens reveladas no início de agosto pelo jornal paraguaio ABC Color mostraram que o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, sabia dos termos prejudiciais do acordo, e essa teria sido uma das razões pelas quais o documento não foi tornado público até o final de julho.
Além disso, nas mensagens, Benítez relatava pressão do governo brasileiro para assinar o documento e pedia ao então presidente da Ande, Pedro Ferreira, que ficasse em silêncio sobre o tema.
As mensagens não deixam claro o quanto Ferreira esteve envolvido nas conversas que levaram aos novos termos do acordo, mas ele se negou a assinar o documento.
Quando o documento veio a público?
No final de julho, dando início à crise que desencadearia uma série de renúncias no governo paraguaio e à ameaça de impeachment do presidente Abdo Benítez. A oposição paraguaia, ao saber dos termos, chamou o acordo de "entreguista" e "traição à pátria".
O que aconteceu em seguida?
Após a publicação do documento, o presidente da Ande renunciou, alegando não concordar com os termos do acordo.
Foi pedido então a anulação do acordo e, em seguida, quatro funcionários do governo renunciaram: o chanceler paraguaio, Luis Castiglioni; Alcides Jiménez, que havia assumido o cargo de chefe da companhia estatal de energia Ande depois da saída de Pedro Ferreira; Hugo Saguier, embaixador do Paraguai no Brasil; e José Alderete, diretor paraguaio de Itaipu.
A crise fez com que a ameaça de um pedido de impeachment de Abdo Benítez ganhasse força. No dia 31 de julho, partidos de oposição e parte do Partido Colorado, sigla do presidente, ameaçaram votar seu afastamento e o de seu vice, Hugo Velázquez.
No dia seguinte, a ata com os novos termos foi cancelada unilateralmente pelo Paraguai, o que esvaziou a instalação do impeachment. Depois, o governo brasileiro reconheceu que o acordo não tem mais validade.
Mesmo que a tensão política tenha diminuído após o cancelamento do pacto e a oposição já não tivesse os votos necessário para aprovar o afastamento do presidente, um pedido de impeachment foi protocolado no dia 6 de agosto.
Em paralelo, promotores começaram a investigar possíveis irregularidades no documento. O ex-presidente da Ande Pedro Ferreira entregou ao Ministério Público mensagens trocadas entre ele e o advogado José Rodríguez, que se apresentava como assessor jurídico do vice paraguaio.
Nas conversas, fala-se da possibilidade de venda da energia excedente do Paraguai para a empresa brasileira Léros, que, segundo informações do advogado, estaria vinculada à "família presidencial" -portanto, à família Bolsonaro.
O que está acontecendo agora?
No dia 11 de agosto, Abdo Benítez conversou com três promotores que investigam o caso. Os diálogos não têm valor de prova. Seu vice também foi chamado a prestar esclarecimentos. O Ministério Público pediu que todos os telefones envolvidos nos chats fossem entregues.
Os jornais ABC Color e O Estado de S. Paulo revelaram que o político e empresário Alexandre Giordano (PSL-SP), suplente do senador Major Olímpio (PSL-SP), viajou ao menos três vezes ao Paraguai neste ano com executivos da Léros.
De acordo com registros de voo, as três viagens foram feitas antes de o novo acordo se tornar público no final de julho: nos dias 9 de abril e 25 e 26 de junho.
Mas Giordano alegou que esteve duas, e não três vezes no Paraguai.
Em ao menos numa das reuniões foi discutida a possibilidade de revenda da energia paraguaia no mercado brasileiro pela Léros. Segundo o ex-presidente da Ande Pedro Ferreira, a família Bolsonaro foi citada.
Giordano negou ao jornal representar a Léros, que por sua vez não se pronunciou sobre o caso.
Em paralelo, a empresa entrou na mira de uma CPI criada pelo Congresso paraguaio para investigar o caso.
O Estado de S. Paulo também revelou que empresas de Alexandre Giordano ficam no mesmo prédio onde funcionou, até o final de julho, a sede do diretório estadual do PSL em São Paulo. Mas não está claro se a Léros seria uma destas empresas. O empresário disse que não tinha nada a declarar.
Do lado brasileiro, os ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Bento Costa Lima Leite (Minas e Energia) devem participar de audiência pública para esclarecer o caso.