Conflito

Guerra na Ucrânia evidencia pressão sobre compromissos das empresas com temática ESG

Desde o início do conflito, mais de 40 companhias deixaram a Rússia como resposta à invasão militar à Ucrânia

O presidente russo, Vladimir PutinO presidente russo, Vladimir Putin - Foto: Mikhail Klimentyev / SPUTNIK / AFP

Desde o começo da guerra da Ucrânia, em 24 de fevereiro, mais de 40 empresas deixaram a Rússia como resposta à invasão militar comandada pelo presidente russo, Vladimir Putin. E a cada dia outras grandes marcas globais anunciam a saída: na terça-feira, foi a vez do McDonald´s.

O movimento é uma resposta das companhias à pressão de consumidores e investidores que cobram compromissos mais rígidos das corporações em temas ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês).

Ao interromperem as relações comerciais e produtivas com a Rússia, as empresas também demonstram que as pessoas que as dirigem estão preocupadas com essa agenda que envolve princípios éticos e reputacionais. São temas que ganharam força nas companhias em relação ao passado recente.
 

Todas essas questões precisam ser consideradas quando se analisa o que acontece na Rússia. A guerra de Putin pode ser longa e a atitude das empresas passará por um escrutínio, inclusive quando ocorrer um eventual retorno ao país.

Especialistas entendem que é necessária uma justificativa para essa decisão de retorno, que é voluntária, mas que depende de, pelo menos, um cessar-fogo.

Outras variáveis também precisam ser consideradas para um eventual retorno, como as sanções comerciais contra a Rússia e possíveis discussões sobre crimes e reparações de guerra. Se essas questões não forem observadas, as empresas podem ser penalizadas por consumidores e investidores por descumprirem justamente princípios ESG usados, no começo da guerra, para sair do país.

Nos últimos anos essa agenda vem sendo incorporada gradualmente no dia a dia das empresas, nas operações, mas a implementação é complexa e leva tempo. O assunto passou a ser considerado em decisões de compras ou investimentos, e tornou-se alvo de uma avaliação constante de todos os participantes do mercado.

O caso das petroleiras talvez seja um dos mais emblemáticos para ilustrar como o ESG está mudando a forma das empresas atuarem, segundo especialistas ouvidos pelo Valor. No passado, não foi incomum que empresas de óleo e gás fizessem vista grossa sobre situações que hoje seriam consideradas inaceitáveis, como as que envolveram conflitos no Oriente Médio.

Com a guerra na Ucrânia, Exxon Mobil, BP, Equinor e Shell estiveram entre as primeiras a anunciar que deixariam de operar na Rússia, apesar dos possíveis impactos nos respectivos resultados financeiros.

— Empresas de petróleo normalmente são mais conservadoras com relação a esse tipo de atitude e estão liderando o processo. É uma decisão difícil e foi muito rápida. Por mais que tenham dinheiro, essa indústria leva anos para colocar um campo em operação — diz Caio Costa, sócio da FORS Capital, gestora que possui 10 anos de experiência em investimentos ESG.

O movimento não se retringe ao setor petrolífero. Com o fim da União Soviética, a entrada de marcas como Coca-cola e Mc Donald´s representou um marco do capitalismo na Rússia. Pouco mais de três décadas depois, empresas de diferentes setores estão se retirando. Entre as empresas de consumo, a Apple e marcas de luxo como Chanel e Cartier fecharam lojas e suspenderam vendas.

Do setor financeiro, as operadoras de cartões de crédito American, Visa e Mastercard anunciaram a interrupção das operações no país. Nem mesmo o setor de entretenimento ficou de fora . Warner Bros,  Disney , Sony, Netflix suspenderam lançamentos e projetos futuros.

A duração do conflito é incerta e as empresas não querem ser associadas à guerra, mas ainda há muitas delas que não se manifestaram a respeito.

— Há montadoras que não se posicionaram e não vimos saídas da indústria química, que é relevante e influente. Mas ainda é necessário esperar alguns dias ou semanas para apontar o dedo para elas. Algumas grandes corporações assumiram a liderança e vão pressionar as demais — acrescenta o sócio da FORS, Guillaume Sagez.

Em recente entrevista ao Valor, a ex-ministra das Finanças da Ucrânia, Natalie Jaresko, disse que as empresas que permanecem na Rússia ferem os princípios ESG. Para ela, aquelas corporações que mantêm operações na Rússia neste momento estão, indiretamente, financiando a guerra de Putin contra os ucranianos.

— Financiam bombas que caem na cabeça das pessoas hora após hora, dia após dia — disse.

Um ponto que deve ser levado em conta é a responsabilidade das empresas nas regiões em que atuam.

— As companhias respondem por milhares de empregos diretos, é preciso analisar como isso afeta o negócio, considerando os aspectos sociais — diz o outro sócio da FORS, Patrick Cannell.

O movimento de resposta rápida das companhias em relação a determinada situação não se iniciou com o conflito na Ucrânia.

— Hoje, as pessoas confiam mais nas marcas e menos nas instituições formais. O capitalismo está em um processo de questionamento e evolução — diz Fábio Milnitzky, fundador da consultoria de marcas  iN.

Cada vez mais os funcionários, clientes e todo o ecossistema que envolve uma empresa exigem dela um posicionamento.

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