Economia

Medidas adequadas levariam à retomada do comércio em até dois anos, diz diretor-geral da OMC

Empresas e países tentarão diversificar suas cadeias de produção, e plataformas digitais sairão fortalecidas

Diretor-geral da OMC, o diplomata brasileiro Roberto AzevêdoDiretor-geral da OMC, o diplomata brasileiro Roberto Azevêdo - Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

O comércio internacional não será o mesmo depois desta pandemia, prevê o diretor-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), o diplomata brasileiro Roberto Azevêdo, 62.

Empresas e países tentarão diversificar suas cadeias de produção, e plataformas digitais sairão fortalecidas.

"Alguns países terão a tentação de buscar a autossuficiência em áreas que eles consideram críticas", diz ele, o que seria um passo atrás. "A autossuficiência, além de inviável na maior parte das vezes, tem um custo altíssimo para a sociedade, sobretudo no médio e longo prazos."

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De sua casa em Genebra, onde cumpre quarentena obrigatória, ele coordena estudos para identificar gargalos da pandemia e sugerir soluções.

Na última semana, a OMC previu que o comércio mundial terá um tombo de entre 13% e 32% neste ano, e Azevêdo considera fundamentais pacotes de estímulo fiscais e monetários para evitar danos maiores.

No melhor dos cenários, segundo o diretor da OMC, o comércio poderia retornar aos patamares pré-crise em um ou dois anos.

Em meios às más notícias, ele diz que as commodities, principal parcela das exportações brasileiras, podem se recuperar mais rapidamente quando a pandemia acabar.

PERGUNTA - Se precisasse descrever o impacto da pandemia no comércio internacional neste momento em poucas palavras, quais seriam?

ROBERTO AZEVÊDO - "Sem precedentes".

Provavelmente o mundo jamais viu choques de oferta e demanda tão repentinos, sincronizados, profundos e generalizados -em termos de setores afetados e abrangência geográfica.

A crise é de saúde pública, mas seu combate tem desdobramentos socioeconômicos importantes.

No comércio, estimamos queda de pelo menos 13% no volume global deste ano, podendo superar 32%.

Ou seja, no melhor cenário, o impacto será maior do que o da crise financeira de 2008.

P - A pandemia está provocando ruptura das cadeias de produção industrial, falhas logísticas no transporte aéreo e marítimo, recessão, guerras comerciais e aumento do protecionismo. Qual desses fatores pode afetar mais países exportadores de commodities, como o Brasil?

RA - É importante ficar atento a todos eles, porque impactam o comércio em diferentes níveis: na etapa produtiva, na logística, no abastecimento das cadeias produtivas, na demanda... Mas isso também vale para o setor manufatureiro, ou de serviços.

E o Brasil tem uma pauta exportadora razoavelmente diversificada, uma agroindústria sofisticada.Tenho visto o governo brasileiro atento e buscando soluções para manter as exportações, particularmente na área agrícola. Isso é importantíssimo! A demanda mundial de commodities pode ser uma das primeiras a se recompor.

P - Qual o pior e o melhor cenário no médio prazo para exportadores de commodities?

RA - Ainda há muita incerteza. As perspectivas para o futuro dependem em grande medida de duas coisas: a velocidade no controle da pandemia e a eficácia das ações dos governos.

Com as medidas apropriadas, o comércio poderia retornar aos patamares pré-crise em um ou dois anos.

No pior cenário, com uma longa pandemia, recessão forte e alastrada, recrudescimento do protecionismo, consumidores e investidores inseguros sobre a retomada econômica, poderemos ver uma queda prolongada na demanda e nos preços das commodities.

P - Ainda que essa seja a maior crise global da história da OMC, este século já assistiu a crises muito relevantes para a atividade em geral e para o comércio. Que lições tiradas das crises anteriores são mais relevantes agora?

RA - A maior lição é, sem dúvida, a importância da cooperação global.

Em 2008, foi assim que retomamos o crescimento econômico e evitamos o protecionismo. Os organismos e foros internacionais desempenharam seu papel, garantindo soluções coordenadas e transparência das medidas adotadas. O G20 foi decisivo. Houve coordenação na introdução dos pacotes de estímulo, fiscais e monetários. O ímpeto protecionista foi contido. É o que precisamos fazer agora.

P - Quais os principais limites e as principais forças de organizações internacionais numa crise dessas proporções?

RA - As organizações internacionais são espaços únicos de cooperação. São riquíssimas em informação e conhecimento especializado. Têm a visão do todo. Isso é fundamental no enfrentamento de desafios globais.

Veja, por exemplo, o papel que desempenha a OMS, a OMC, e outras organizações internacionais, na coordenação das respostas à crise e na recomendação de políticas públicas.

Mas elas não são organismos supranacionais. Não podem tomar decisões pelos seus membros. Sua efetividade está diretamente ligada ao compromisso dos países em fazer uso desses espaços. E a ouvir as recomendações que são feitas.

P - Esta crise afetou sua avaliação sobre a coordenação entre países e a solução de conflitos?

RA - Reforçou minha convicção sobre a centralidade da cooperação internacional.

Basta ver as fortes declarações de apoio. Líderes do G20, do setor privado, da sociedade civil têm destacado a importância da coordenação internacional para achar soluções.

Sempre haverá críticas e formas de aprimorar a atuação, mas pandemias como a atual não se sujeitam a soluções fáceis.

A comunidade internacional ainda precisa avançar muito em termos de coordenação para enfrentar grandes crises -pandemias sobretudo.

P - Qual o impacto da crise na atuação da OMC e em seu dia a dia como diretor-geral?

RA - Responder a tantas demandas é um tremendo desafio nas atuais circunstâncias. Nossas reuniões presenciais foram canceladas até o fim de abril. Nossa conferência ministerial também foi adiada.

Assim mesmo, não paramos. Os trabalhos regulares e nos grupos de negociação, apesar de menos intensos, seguem em formatos não presenciais. Intensificamos nossa coordenação com outros organismos internacionais. Com FAO, OMS e OMA emitimos declarações conjuntas. Devemos fazer o mesmo com FMI e Banco Mundial.

Vamos fazendo estudos sobre a pandemia e o comércio; informando os membros e sugerindo cursos de ação; dialogando com o setor privado para identificar gargalos e encontrar soluções. Eu mesmo participei dos encontros virtuais com os líderes e depois com os ministros do comércio do G20. Estamos trabalhando mais que nunca.

P - E pessoalmente, como essa crise o afetou?

RA - Estou trabalhando de casa há três semanas, assim como todo o secretariado da OMC. Minha esposa está comigo aqui em Genebra, mas o restante da nossa família está no Brasil.

Minha mãe me preocupa. Ela já tem uma certa idade, mas é muito ativa. Está disciplinada, em casa, mas não gosta nada da situação.

Felizmente, todos estão bem e em permanente contato virtual. Mais do que nunca, está clara para mim a importância da presença, da troca, do apoio mútuo -ainda que à distância. É evidente o peso da contribuição individual e da solidariedade. A ação de cada pessoa tem consequências diretas na contenção da pandemia e na melhora da situação geral.

P - Se precisasse descrever o impacto da pandemia no comércio internacional no futuro, em poucas palavras, quais seriam?

RA - Veremos mudanças. Vários procurarão diversificar suas cadeias de produção e suprimento. Também veremos um fortalecimento das plataformas digitais e do comércio eletrônico, favorecendo novos tipos de comportamento, como teletrabalho, compras online, cuidados no contato físico entre as pessoas.

Em um primeiro momento, alguns países terão a tentação de buscar a autossuficiência em áreas que eles consideram críticas. Espero que isso não prospere. A autossuficiência, além de inviável na maior parte das vezes, tem um custo altíssimo para a sociedade, sobretudo no médio e longo prazos

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