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Coluna Movimento Econômico

O gargalo invisível do hidrogênio verde

O hidrogênio verde não se sustenta sem CO2 biogênico. Sem ele, projetos não se viabilizam

O custo do CO biogênico, hoje subestimado nos modelos de negócio do H2V, tende a dispararO custo do CO biogênico, hoje subestimado nos modelos de negócio do H2V, tende a disparar - Foto: Divulgação

O Brasil desponta no cenário global como potência na produção de hidrogênio verde (HV), com mais de 20 projetos anunciados e investimentos que somam R$ 188,7 bilhões. Mas há um obstáculo silencioso, pouco discutido e extremamente crítico que ameaça travar esses projetos: a falta de CO2 biogênico. Sem esse insumo, essencial para a fabricação de e-combustíveis como metanol, SAF (combustível sustentável de aviação) e ureia, muitos desses investimentos podem nunca sair do papel.

"O hidrogênio verde não se sustenta sem CO2 biogênico. Se não tiver CO2, não viabiliza. É uma condição essencial", alerta Luiz Piauhylino Filho, empresário que lidera projetos de combustíveis sintéticos no Brasil e em Portugal. Segundo ele, há uma percepção equivocada no mercado de que basta investir em eletrólise da água para garantir a viabilidade econômica do HV. Na prática, essa conta não fecha sem a disponibilidade de carbono renovável.

O problema é que o Brasil ainda não possui um levantamento oficial e consolidado sobre a oferta de CO2 biogênico. As fontes potenciais usinas de etanol, cervejarias, vinícolas e indústrias químicas já operam no limite e com contratos fechados. No Porto de Suape, onde dois projetos de metanol verde estão sendo implantados, a lacuna é evidente. Só o projeto da European Energy demanda 140 mil toneladas anuais de CO2 biogênico. A Carbogás, maior produtora local, gera apenas 40 mil toneladas, totalmente absorvidas pela indústria de bebidas. Mesmo o volume das usinas de etanol de Pernambuco, que poderia chegar a 300 mil toneladas, já está com quase toda produção comprometido.

Diante desse quadro, Piauhylino aposta em uma rota tecnológica disruptiva. Por meio de parceria com uma empresa francesa, está implantando um sistema capaz de converter biomassa orgânica sólida como resíduos de fruticultura, cama de aviário, poda urbana, palma forrageira e até algas invasoras em gás de síntese, uma mistura de hidrogênio, monóxido de carbono e dióxido de carbono. Essa tecnologia permite criar plantas industriais autossuficientes em energia, dispensando a dependência da rede elétrica, uma vantagem crucial no Nordeste, onde os gargalos na transmissão são conhecidos.

Mas o alerta é claro: se não houver uma cadeia estruturada de biomassa, não haverá CO2 biogênico. E sem CO2, os projetos de hidrogênio verde ficam na promessa. "Hoje, ninguém captura CO para deixar parado. Todo mundo que captura já está vendendo", reforça Piauhylino.
A falta de planejamento nesse ponto crítico acende um alerta que lembra o colapso da infraestrutura de transmissão elétrica no Nordeste. O setor de energia renovável cresceu muito mais rápido do que a capacidade de escoamento dessa energia, forçando à interrupção de operações e prejuízos bilionários. No hidrogênio verde, o risco de se repetir esse erro é real e iminente.

Apesar dos avanços regulatórios, como a sanção da Lei do Hidrogênio Verde e incentivos via Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2), o governo ainda não inclui no marco regulatório um mapeamento obrigatório da disponibilidade de CO2 biogênico. Essa omissão pode gerar um efeito dominó: inflação de preços, entraves nas certificações de baixo carbono e bloqueio na formação de contratos de exportação.

O advogado Adalberto Arruda, especialista no tema, reforça o diagnóstico. "É um ponto cego nos projetos de hidrogênio verde no Brasil. Não existe hoje dado público que comprove a real disponibilidade de CO2 biogênico. Isso gera ruído no mercado e coloca os projetos sob suspeita de serem mais discurso político do que realidade econômica", argumenta.
Piauhylino é categórico: "Quem resolver o problema do CO2 biogênico primeiro, domina o mercado. Quem não resolver, vai ficar só no PowerPoint." O recado está dado. Sem carbono biogênico, não há hidrogênio verde. E, sem planejamento, não há futuro para essa nova indústria.

Sem biomassa, sem futuro
O gargalo do CO2 biogênico escancara outra fragilidade: nenhum dos estados que atraem projetos de hidrogênio verde, como Ceará, Pernambuco e Piauí, tem um mapeamento estruturado da disponibilidade de biomassa. Sem esse dado, investidores navegam no escuro.

Risco de apagão do carbono
Assim como o Nordeste sofre com o "apagão" de transmissão elétrica, o hidrogênio verde corre risco de um "apagão de carbono". Se a cadeia de biomassa não for estruturada, os projetos podem travar antes mesmo de começar.

Custo escondido
O custo do CO2 biogênico, hoje subestimado nos modelos de negócio, tende a disparar. Especialistas alertam que, sem oferta suficiente, o insumo poderá se tornar um dos principais gargalos financeiros dos projetos de e-combustíveis.

Precisa-se de regulação urgente
Apesar dos avanços no marco legal do hidrogênio, não há, até agora, qualquer dispositivo que obrigue governos e empresas a mapear, monitorar e garantir a oferta de CO2 biogênico. A ausência dessa exigência ameaça comprometer toda a cadeia de valor.

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