Logo Folha de Pernambuco

CARTÕES

No Brasil, 16 milhões de consumidores têm mais de três cartões de crédito

Saldo devedor médio varia entre R$ 2.768 ao mês e mais de R$ 12 mil, no caso de quem possui cinco plásticos. Bancos digitais ajudaram a puxar expansão

Cartões de créditoCartões de crédito - Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

A compra parcelada sem juros faz parte da rotina dos brasileiros há quase 30 anos. Se no período da hiperinflação o varejo vendia com carnê ou no cheque pré-datado, na década de 1990 surgiu essa modalidade no cartão de crédito. Desde então, a prática não para de crescer. Basta uma caminhada no shopping ou nas ruas de comércio para ver vitrines anunciando preço picado, o valor da prestação, para fisgar o consumidor.

Nos últimos meses, a chegada de novas financeiras e bancos digitais no mercado fez o uso dos cartões de crédito disparar. Hoje, já há mais cartões de crédito no Brasil (190,8 milhões) do que de trabalhadores em idade ativa (107,4 milhões). São 16 milhões de brasileiros com mais de três cartões na carteira. E, quanto maior o número de cartões, maior a dívida a pagar no futuro. Para quem tem cinco cartões, o valor das prestações que ainda vão vencer soma em média R$ 12.854. Para quem tem só um cartão, o saldo devedor médio é de R$ 2.768.

Além disso, 73% das compras no Brasil são feitas sem juros — ou à vista, ou no parcelamento sem cobranças adicionais. O problema é que, ao pagar a perder de vista, muitas vezes em diferentes cartões, se as prestações não couberem mais no bolso e o consumidor ficar inadimplente, a dívida vai para o rotativo, modalidade de crédito que é a mais cara do mercado.

Prestações em série
Enquanto o governo busca alternativa para reduzir os juros no rotativo — hoje em 445% ao ano — parte das empresas que atuam no setor defende criar uma limitação para o parcelamento sem juros. O argumento é que essa “jabuticaba” brasileira, de prestações sem cobrança extra, leva os bancos a cobrarem mais no rotativo, em uma espécie de subsídio cruzado.

— O mercado não vive sem o parcelado sem juros. O problema é que, por competição, foram aumentando os prazos oferecidos, o que levou a uma disfunção — afirma Jorge Gonçalves Filho, presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo.

Ele ressalta que os lojistas aceitam pagar as tarifas cobradas pelos intermediários dos cartões de crédito, que costumam ser maiores nas compras parceladas, para manter as vendas nessa modalidade e garantir seu fluxo de caixa.

Dados do Banco Central do Brasil (BC) mostram que 15,7% das vendas no cartão são em sete ou mais prestações.

A dona de casa Raquel Antunes, de 52 anos, compra quase tudo de forma parcelada no cartão de crédito. Só ficam de fora as compras do mercado. As últimas aquisições foram uma churrasqueira elétrica, em dez parcelas de R$ 70, além de uma caixinha de som e uma assistente virtual, em seis parcelas de R$ 115.

Ela afirma que a estratégia visa acumular milhas para viajar, mas confessa que costuma realizar compras por impulso ao ver que “as parcelas cabem no bolso”. O hábito vem de longa data. Antes do cartão, costumava acumular carnês de loja.

— Se passarem a cobrar juros, vou ter que me adaptar e passar a comprar à vista. Se não conseguir, vou ter que abrir mão do consumo — diz.

O uso do cartão de crédito cresceu com força no Brasil nos últimos anos. E este avanço foi puxado por fintechs e bancos digitais. Estudo feito pelo BC constatou que, entre junho de 2019 e junho de 2022, o saldo devedor em cartões desse tipo de instituição saltou de R$ 14,3 bilhões para R$ 74,1 bilhões, ou seja, crescimento de 292,3%. No total, as dívidas em cartão de crédito de todas as modalidades aumentaram em 79% no período.

Um grupo de trabalho formado por bancos, bandeiras de cartão de crédito, adquirentes (as maquininhas de débito e crédito) e representantes do varejo, além de instituições como Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) e BC, está discutindo alternativas para reduzir os juros no rotativo do cartão de crédito. E uma das propostas é justamente limitar a modalidade de parcelamento sem juros.

O grupo pretende chegar a um consenso até o fim do ano. Em paralelo, um projeto no Congresso visa regular os juros no rotativo.

Antecipação do consumo
Em nota, a Febraban afirmou que não há pretensão de acabar com as compras parceladas sem juros no cartão de crédito e que a modalidade é um relevante instrumento para o consumo. Apesar disso, a entidade destacou que busca “alternativas para um redesenho do rotativo, de um lado, e, de outro, o aprimoramento do mecanismo de parcelamento de compras”, já que um estudo seu indica que “a inadimplência das compras parceladas em longo prazo é bem maior do que na modalidade à vista, cerca de duas vezes na média da carteira e três vezes para o público de baixa renda.”

Ricardo Vieira, diretor executivo da Abecs, afirma que o modelo é uma “jabuticaba”, mas que deve ser mantido e ter as suas “imperfeições corrigidas”. Em sua opinião, é possível chegar à redução da taxa do rotativo, desde que isso seja feito de modo orgânico e gradual. Um tabelamento, diz, poderia ter impacto negativo na economia.

— Se o banco entender que o risco é maior, ele pode diminuir oferta de crédito e ainda cancelar cartões já emitidos — projeta.

Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, que faz pesquisas sobre consumo popular, acredita que o fim do parcelamento sem juros poderia levar a uma desaceleração da economia. A alternativa, em sua opinião, seria autorizar a portabilidade da dívida dos cartões de crédito, assim como acontece com financiamentos imobiliários, permitindo que o consumidor buscasse ativamente as melhores taxas se entrasse no rotativo.

— Outra possibilidade é ter limite mensal para parcelamento — acrescenta. — Para a baixa renda, o parcelamento sem juros é um instrumento de crédito que possibilita antecipar um consumo, inclusive gerar renda. Se um trabalhador que usa o celular é roubado, ele não teria dinheiro para compra à vista. Só conseguiria comprar parcelado. Se a geladeira quebrar, muitas vezes só consegue comprar no parcelado.

Tire suas dúvidas sobre o rotativo
Como funciona o rotativo do cartão de crédito?

Quando o cliente não paga o total da fatura do cartão na data do vencimento, ele entra automaticamente no rotativo, uma forma de crédito pré-aprovada. Especialistas em finanças recomendam que o rotativo seja usado apenas em situações emergenciais. Mas muita gente acaba usando esse crédito seguidamente. Assim, os valores devidos “rodam” para o próximo mês, com mais juros, o que eleva muito a dívida, virando uma bola de neve.

Qual é o juro cobrado?
Segundo o Banco Central, o juro médio do cartão de crédito rotativo atingiu em julho 445,69% ao ano. No mês anterior, estava em 437%. Trata-se da modalidade de crédito mais cara do mercado e, por isso, estão sendo discutidas alternativas para baixar a taxa.

As pessoas chegam a pagar 445,6% num ano se ficarem por 12 meses no rotativo?
Os bancos dizem que não. Desde 2017, as instituições financeiras são obrigadas a migrar os clientes que ficam por mais de 30 dias no rotativo para uma linha de crédito parcelada com juros mais baixos. E, segundo os bancos, ao menos 75% das compras com cartão são feitas sem juros.

Quanto os brasileiros devem no rotativo
Segundo dados do Banco Central, em junho, os brasileiros tinham R$ 77,46 bilhões em dívidas no rotativo do cartão. O número é o dobro do registrado em junho de 2021, quando as dívidas somavam R$ 38,48 bilhões. É esse crescimento que acendeu a luz amarela para o governo.

Por que os juros no rotativo são tão altos?
Não há resposta objetiva. Uma das teses é que os juros do rotativo acabam subsidiando a prática, comum no Brasil, de vendas parceladas sem juros. Como os bancos não ganhariam nas vendas regulares em prestação sem taxas, estariam cobrando juros mais elevados para os clientes que se tornam inadimplentes e entram no rotativo. Mas não há consenso. Outro motivo citado no debate é que se trata da linha com maior inadimplência, cerca de 50%, e sem garantias (não há como tomar o bem de quem deixa de pagar). E o cálculo é feito com juros compostos (ou seja, juros sobre juros), o que encarece ainda mais seu custo.

Veja também

Whatsapp, Instagram e Facebook fora do ar: Meta se pronuncia sobre instabilidade nas redes sociais
CONEXÃO

Whatsapp, Instagram e Facebook fora do ar: Meta se pronuncia sobre instabilidade nas redes sociais

STJ decide que PIS/Cofins faz parte da base de cálculo do ICMS
BRASIL

STJ decide que PIS/Cofins faz parte da base de cálculo do ICMS

Newsletter