"O mundo do livre comércio não tem mais", diz Celso Amorim
Assessor para assuntos internacionais afirmou que tempo do neoliberalismo puro passou e que governos reconhecem papel do Estado e do investimento público
Apesar de não constar entre os temas na agenda oficial da III Cúpula Celac-EU, um assunto apareceu com frequência em reuniões bilaterais, coletivas de imprensas e pronunciamentos dos líderes da União Europeia e do presidente Lula: o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia.
— Eu acho importante, não só do ponto de vista econômico, comercial, mas estratégico — disse, em entrevista ao Globo, o assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para assuntos internacionais.
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Apesar da importância conferida por ele e pelo presidente, que disse estar otimista de que seja possível fechar o acordo ainda neste ano, Amorim diz que é preciso rever o acordo sem recomeçar do início, já que entende que a negociação avançou nos últimos anos – o acordo chegou a ser fechado, durante o governo Bolsonaro, mas os europeus acabaram não o assinando.
— Tolerância tem que ter, porque o mundo mudou. O mundo do livre comércio não tem mais. Pega os discursos do Biden, o livre comércio total, pelo menos, o neoliberalismo, as ações da União Europeia — diz Amorim.
O assessor especial do presidente também argumenta que a política fiscal ativa da União Europeia durante a pandemia é uma evidência de que houve reconhecimento do papel do Estado e do investimento público.
— Há o desejo de preservar alguma capacidade do Estado de preservar indústrias, por exemplo, de saúde. Brasil não pode ficar dependendo de importação nisso.
Lula reiterou em seus discursos sua visão de que os termos sobre compras governamentais que constam no texto do acordo, cujo texto final foi negociado durante o governo Michel Temer. O presidente costuma usar como exemplo que, preservando as compras governamentais pelo estado, o estado poderia incentivar uma indústria farmacêutica no Brasil que suprisse medicamentos ao SUS.
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— Brasil não tem capacidade industrial se tiver que fazer em larguíssima escala. Não pode depender, porque cada um trata do seu — disse Amorim, complementando que — há um desejo de reindustrialização. Não é uma repetição do modelo antigo, mas mais adequada ao meio-ambiente, ao clima. Isso tem que ser com algum apoio do Estado.
O assessor especial do presidente também chamou de “coisa absurda” os termos colocados pelos europeus na side-letter enviada aos aos parceiros do Mercosul, em que a União Europeia exige compromissos ambientais para fechar o acordo.
—Há uma recusa dos termos da side-letter dos europeus, porque ela é muito baseada em ameaças, não so o conteúdo, mas a maneira. Presidente tem dito que um acordo desse tipo não pode ser baseado na desconfiança e sim na confiança. Não pode fazer um acordo que admite que vai ser retaliado. É uma coisa absurda — afirmou.