Ex-ginasta Henrique Motta, que assume presidência da CBG, traça meta para Los Angeles-2028
Presidente "chinelinho" comenta também sobre o "efeito Rebeca" e mudanças na gestão da ginástica artística masculina
O ex-ginasta e ex-diretor esportivo da Confederação Brasileira de Ginástica (CBG), Henrique Motta, de 33 anos, que assume neste sábado o cargo de presidente da entidade, estava de chinelinho e meia, durante os treinos das seleções de ginástica artística, no Centro de Treinamento do Comitê Olímpico do Brasil, no Rio. E, diferentemente do que sugere o uso da palavra na gíria futebolística, ele não é preguiçoso.
Chefe de equipe em duas Olimpíadas e chefe de delegação em sete edições de Mundiais, esteve ao lado dos atletas (muitas vezes de chinelo) na fase das maiores conquistas esportivas do país (para além da modalidade). Foram seis medalhas olímpicas e 13 mundiais.
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Mesmo com discurso de que o mais importante é que os atletas estejam bem para competir, sabe que tem a responsabilidade de manter a modalidade no pódio em Los Angeles-2028.
Nesta entrevista, ele, que é formado em Direito pela PUC-Rio, comenta sobre este desafio, a retomada da ginástica artística masculina, a realização do Mundial da ginastica rítmica pela primeira vez na América do Sul, e como o "efeito Rebeca" é poderoso.
Você foi diretor esportivo da CBG nos ciclos mais vitoriosos da história. Chegar à presidência era uma meta?
Sempre digo que nossos objetivos não são as medalhas. É ter boa performance porque assim se chega às medalhas. E a presidência não era um objetivo, mas foi o resultado de uma boa performance de toda uma equipe de trabalho.
É raro um presidente de confederação frequentar o chão de fábrica. Surge uma nova geração?
Sou colaborador da CBG há sete anos e carreguei cadeira mas também visitei o presidente da República. Passei por todo um processo, mas acho que tem relação com o fato de que vim do ginásio.
Treinei em ginásio sem equipamento (foi algumas vezes campeão brasileiro pelo Flamengo). A estrutura da ginástica era bem diferente. Mas não mudou o fato de que é no ginásio que as coisas acontecem, onde a modalidade vive.
Por isso você adotou o chinelinho?
É essencial que os atletas, técnicos e clubes estejam próximos da pessoa que lidera a gestão. Como diretor esportivo, que atua na área da performance, sempre estive no ginásio. Era minha função. E no caso do CT do COB, só se pode entrar na área de treino descalço ou de chinelo. Vivo de chinelo.
A ginástica, em fase de protagonismo, tem estrutura esportiva ideal?
Estrutura muito melhor do que já teve. Mas não é a ideal porque sempre dá para desenvolver. Nos EUA existem 4 mil ginásios de ginástica. A gente tem 400 entidades participando de eventos nacionais. Somos um país de terceiro mundo que consegue ganhar medalhas olímpicas. Não há outro nesta condição na ginástica.
Para nós, estrutura física é um desafio grande. Temos um país continental, então é complexo dizer que temos uma estrutura ideal. Atingimos as cinco regiões, mas o nível de excelência precisa ser construído e isso demora décadas.
A CBG nunca teve tanto patrocinador, é a confederação que mais recursos receberá no ano via Loterias. Não faltará dinheiro.
Esse dinheiro permitiu crescimento e resultados. A presidente Luciane (Resende, presidente da CBG de 2009 a 2024) construiu uma gestão em época que a ginástica não tinha tradição no país. Tinha exponentes fortes mas sem expansão de prática. Ela fez a ginástica chegar a todos. E hoje é possível trabalhar com o alto rendimento com qualidade.
A aplicação destes recursos é estratégica. Hoje a ginástica é a modalidade que mais recebe recursos via Lei Agnelo Piva por ter sido a confederação que mais se destacou, segundo critérios esportivos. Mas quando se compara com o futebol, são recursos ínfimos.
É preciso fazer uma super matemática para dar conta. Temos a questão do câmbio, já que tudo o fazemos está no exterior. Realizamos sul-americanos e pan-americanos nos últimos anos e só agora teremos um Mundial no país. Se estamos conquistando tantos resultados esportivos, por que não podem competir na América do Sul? É uma mudança de cenário.
Como será o investimento no desenvolvimento?
Nosso planejamento estratégico é bem desenvolvido e dividido em pilares específicos, de educação, desenvolvimento, fortalecimento da imagem da ginástica, gestão eficiente. E o desenvolvimento se mede por meio de diversos fatores, incluindo o aumento da prática, número de entidades esportivas existentes, ter mais treinadores qualificados. A gente já faz isso e continuarei com o processo existente.
No seu discurso após a eleição, você celebrou a união da ginástica. Qual foi o pulo do gato da modalidade?
Acredito em gestão de pessoas. E acho que o pulo do gato foi ter se unido, cada um em sua competência, em um prol comum. No caso da ginastica artística feminina, por exemplo, era fazer uma equipe olímpica medalhista. O que mais celebro nessa nossa união é que hoje somos capazes. Bebemos muito da fonte estrangeira, mas acredito que a ginástica brasileira se uniu para ser um esporte de referência nacional.
O Brasil tem condições de se manter o pódio por equipes em LA-2028? Pensando que Rebeca já indicou que não fará todos os aparelhos. Qual o tamanho deste desafio?
É manter os resultados mundiais e olímpicos que são o final do processo esportivo. Sempre atuei como diretor esportivo pensando em performance. A medalha é consequência. Parece clichê, mas é real para quem trabalha com alto rendimento. Estamos em 2025, a ginástica é um esporte de nota, esse processo será construído até Los Angeles. Agora, nosso pensamento é como ter essas ginastas performando alto. Acredito que será possível chegar em LA disputando medalhas.
Qual a meta para LA-2028?
Conquistamos nove finais em Paris-2024. A meta é aumentar esse número. Quanto mais finais, mais chances de medalha. Mas, afirmar em 2025, que a gente vai ganhar medalha em 2028... É impossível prever.
Se não vier medalha, após quatro edições no pódio, será um downgrade?
Mas fiquei muito feliz em colaborar com as medalhas já conquistadas. Estou em paz com isso. Vamos conseguir trabalhar para ter as performances. E espero que nos levem aos grandes resultados esportivos.
Não é porque agora sou presidente que trabalharei diferente. O princípio é o mesmo e continuarei no ginásio. Veja: o resultado olímpico tem de ser consequência de estrutura esportiva nacional, senão é curto, específico. É muito mais importante a gente desenvolver a modalidade, investir na base, na prática, na expansão para que não tenhamos só LA.
E tem o 'efeito Rebeca'...
Rebeca é ídolo. E sem ídolos não há renovação. Sim, hoje existe o "efeito Rebeca". Já tivemos outros mas, claro, o efeito Rebeca é poderoso porque ela tem mais resultados e exposição. É a atleta do esporte brasileiro com o maior número de medalhas olímpicas da história. E o trabalho com ela será manter o que está sendo feito.
O investimento é individualizado, com muito cuidado. Sobre a imagem dela, digo que, o que se faz, foi muito bem desenvolvido, construído ao longo dos anos. Ela representa uma ginasta de muita qualidade técnica e também uma cidadã, um ser humano. Ela tem consciência de que é a representação da ginástica e a temos como um expoente. Hoje, as escolinhas estão lotadas.
Será possível renovar a seleção feminina mantendo o nível?
A renovação é real, as juvenis têm muito potencial e trabalharão segundo suas especificidades. Ao mesmo tempo, nosso objetivo, é dar continuidade com a equipe que já existe. A pandemia foi um processo muito complexo. Desenvolvemos diversas ações para manter as crianças fazendo ginástica. Um ano após a pandemia, 5 mil crianças participaram do Brasileiro. Em 2023, foram 7.500. E em 2024, 10.500.
Por que a ginástica masculina não manteve o patamar de conquistas, não surgiu outro Arthur Zanetti...
Sim, não teve um campeão olímpico. Mas, de 2005, ano da primeira medalha mundial, com o Diego (Hypólito), a 2022, com Nory (Arthur), tivemos expoentes que conquistaram pódios em Mundiais, Olimpíadas ou finais olímpicas. De 2014 para cá, a equipe masculina se manteve no TOP 10.
Em 2023, tivemos uma série de lesões seguidas antes do Mundial. Não tínhamos uma equipe com a nossa melhor performance e ficamos fora da Olimpíada. Tivemos um cenário pior nos últimos anos. A ginástica masculina chegou ao ápice antes da feminina e se manter no auge é difícil.
Dentre todas as modalidades da FIG (Federação Internacional de Ginástica), a masculina foi a que mais cresceu mundialmente. Antes, tinham uns 10 países para classificar por equipe. Hoje são 17; tem Israel, Turquia, principalmente os países árabes cresceram muito.
Para o masculino, a gente está fazendo uma reestruturação das funções existentes. Dividimos as responsabilidades acerca das categorias de base e do alto rendimento. Antes estavam 100% concentradas dentro dos processos de seleção. Agora haverá uma separação, trazendo também para a área dos comitês técnicos, que são responsáveis pelas competições e regulamentos.
O Brasil vai ser sede pela primeira vez na história de um Mundial de Ginástica Rítmica. Qual a expectativa?
A ginástica rítmica é a modalidade mais praticada no Brasil. E quem mais ganha com evento esportivo bem feito no país é a comunidade, as ginastas, treinadores, fãs. Será uma grande oportunidade de desenvolvimento.
O Brasil chegou a Paris com chance de pódio nunca vista na ginástica rítmica. Uma infelicidade fez com que o grupo não se classificasse para a final. A chance passou?
Acredito plenamente que, dando seguimento aos processos, o Brasil terá novamente a chance de estar entre os melhores do mundo. Elas não perderam a chance. Só erra o pênalti, quem bate. Tem de tentar. E só aconteceu (a não classificação) porque tentaram.
Trabalharam para um mega resultado, poderiam fazer séries mais simples, não arriscar tanto. A chance de lesão é menor (Victoria Borges se machucou em uma apresentação em Paris-2024 e o conjunto não avançou), de errar é menor. Mas a chance de ganhar também é menor. E o que se espera da gente?
Maria Eduarda Alexandre, de 17 anos, é a nossa principal atleta do individual para este ciclo?
Nos últimos Jogos Pan-americanos ela conquistou quatro medalhas, sendo dois ouros (arco e maças). Estamos trabalhando com ela de forma específica. É o que ela precisa, de trabalho bem conduzido e individualizado.
Tem potencial técnico de possíveis resultados exponenciais. Mas a Bárbara Domingos, a primeira finalista olímpica do Brasil, pode performar tanto quanto. Ela tem chão. O que posso dizer é que tudo depende das ginastas. A longevidade aumentou muito.
Zanetti é exemplo recente de um atleta que teve de se aposentar por causa das lesões. O que de fato mudou para a longevidade?
Em todo jogo de futebol sai alguém machucado e as pessoas não tem esse olhar de que o futebol é duro, machuca. A lesão é parte do esporte de alto rendimento.
A gente tem uma mega estrutura interdisciplinar, com preparador físico, nutricionista, psicólogo, fisioterapeutas, psiquiatra, tudo! Melhorou muito e investimos constantemente para minimizar essas possibilidades.
Agora, quem quer conquistar medalhas mundiais e olímpicas precisa passar por um treinamento de alto rendimento. A ginástica é um esporte que demanda fisicamente do corpo dos atletas, por isso, temos mais ainda esse cuidado.
Não à toa, nossos profissionais são referência em suas áreas multidisciplinares para diversos esportes. São convidados por clubes, associações, fundações para dar palestra. Sabem da dificuldade e especificidade da ginástica e como o treinamento evoluiu nos últimos anos, com respeito aos limites e feito de forma inteligente.

