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Torneio reúne histórias de vida e vai além do futebol

Copa dos Refugiados e Imigrantes tem sua primeira edição no Recife neste domingo, na Arena de Pernambuco, com 80 participantes

Os angolanos Giovanny e Adriano vieram para o Brasil em busca de formação superiorOs angolanos Giovanny e Adriano vieram para o Brasil em busca de formação superior - Foto: Ed Machado/Folha de Pernambuco

Um Copa na qual o futebol não é o protagonista principal, mas uma ferramenta para reunir pessoas de diversas nacionalidades em prol da diversidade racial e cultural. Integração. Esse é o real foco da Copa dos Refugiados e Imigrantes, que chega pela primeira vez ao Recife em 2019. Acontece neste domingo, tendo como palco a Arena de Pernamabuco, em São Lourenço da Mata. A iniciativa busca trazer visibilidade para quem saiu do próprio país em decorrência de conflitos ou razões políticas e econômicas. É um drama que tem aumentado de proporção nos últimos anos.

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Um levantamento apresentado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) apontou 80 mil novos pedidos de refúgio para o Brasil em 2018, mais que o dobro dos 33 mil feitos no ano anterior. A situação não difere no Recife. Dados do Ministério do Trabalho indicam 91 autorizações de residência (prévia, permanente ou temporária) concedidas no primeiro semestre de 2017, enquanto na mesma época de 2018 o número foi 253. Os angolanos Giovanny Carlos e Adriano Daniel estão entre os 80 participantes que mostrarão seus talentos no gramado. Além da nacionalidade, eles têm em comum o motivo que os fez vir para o Recife: a busca de melhor condição de estudo.

O sonho da formação universitária é uma realidade difícil na Angola, muito por conta dos preços que as instituições de ensino superior privadas exigem e da falta de políticas públicas que facilitem o acesso a elas. “Angola é um país rico (maior produtor de petróleo na África Subsaariana, ao lado da Nigéria), mas a má gestão acaba prejudicando a população. Em 2015, entrou em crise e isso afetou os estudantes que moravam na exterior. Foi a fase mais difícil desde quando moro longe, porque eu não recebia dinheiro dos meus pais”, lamentou Giovanny Carlos, que nasceu em Luanda e atravessou mais de cinco mil quilômetros até chegar no Recife, onde mora há nove anos.

Desenvolver a capacitação na área de Tecnologia de Informação e ajudar a família futuramente trouxe o angolano, então com 19 anos, ao Brasil. A relação entre os países vai muito além da similaridade linguística, sendo o Brasil que primeiro reconheceu a independência da Angola. Desde então, a amizade diplomática e a infiltração da cultura brasileira criaram laços maiores. Na avaliação de Giovanny, a semelhança cultural facilitou a sua adaptação.

No entanto, o roteiro não seguiu exatamente como previsto. A instituição de ensino na qual Giovanny ingressou fechou e ele precisou finalizar o curso de em outra universidade. Sem conseguir emprego na área, optou por retomar as atividades exercidas no país natal, como produtor cultural e DJ. Nas apresentações, cria um misto de costumes africanos e brasileiros. “O objetivo dos eventos é fortalecer os laços da África com o Brasil. Colocar músicas africanas tradicionais, como a kizomba, kuduro, afrobeat ao lado da ciranda, samba e o frevo”, destacou ele, que no momento é considerado refugiado, já que não possui o visto necessário para trabalhar, mesmo com seus documentos permitindo a permanência. Por esse motivo, a expectativa de vencer a Etapa Recife da Copa dos Refugiados e Imigrantes vai além da possibilidade de jogar a final no Maracanã. “Se eu ganhar o título, posso viajar para o Rio (onde fica a embaixada angolana no País), dar entrada no meu visto e me legalizar.”

Seu compatriota Adriano Daniel pisou nas terras brasileiras somente em julho de 2013, também vítima da falta de perspectiva que tinha em relação aos estudos na Angola. Sua escolha foi a Educação Física. “Além de ser o ‘país dos sonhos’, conheci várias pessoas que já estiveram no Brasil e davam bom parecer sobre os estudos. Juntei o útil ao agradável”, disse. Adriano também foi atingido em cheio pela cultura brasileira, e não foi diferente com o futebol. Através da televisão, acompanhou, na Angola, bons momentos da Canarinho. “A gente seguia a moda brasileira, as músicas e o futebol foi o que nos levou para ter tanta curiosidade sobre o Brasil. Na Copa do Mundo a nossa torcida era para a Seleção Brasileira, assistíamos futebol brasileiro. É algo que já vem de lá atrás", contou ele, que agora terá a oportunidade de jogar justamente em um dos palcos do Mundial sediado no Brasil, em 2014.

Integrante do time da Angola na Copa dos Refugiados e Imigrantes, Adriano falou como o torneio é mais do que a disputa pelo título. “A gente vê o outro estrangeiro como uma família. Cada um veio da sua forma, mas quando a gente se encontra, nos sentimos um na pele do outro. Quando temos a oportunidade de nos encontrar, conversamos. Mas quando não tem essa chance, a gente se pergunta: ‘Será que foi essa causa que trouxe ele? O que ele tá passando? Ele precisa de um aconchego?’. Quando soubemos dessa Copa, foi muito bom, porque a gente precisava se ver.”

NACIONAL
A Copa dos Refugiados e Imigrantes, que aconteceu pela primeira em 2014, em São Paulo, é realizada através da organização não governamental África do Coração, com o apoio da Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). Senegal, Cabo Verde, Venezuela e Angola disputam o título da Etapa Recife, neste domingo, na Arena de Pernambuco. O time campeão garante vaga em uma fase nacional, que reunirá os vencedores de Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro, no Rio.

A intenção do evento é utilizar o futebol como ferramenta para promover a confraternização entre os povos e o combate da xenofobia. Muitos sequer sabem da existência de refugiados e imigrantes nas suas respectivas capitais, e um dos intuitos dos organizadores é exatamente aumentar a visibilidade dessas pessoas. “É um momento de integração, chamar a atenção para a causa dos refugiados no País. O futebol tem uma língua universal, e você consegue promover a união de pessoas em situações muito semelhantes”, disse André Costa, conselheiro do Groupe d’Ambassadeurs pour le Développement (ou Grupo de Embaixadores para o Desenvolvimento), o Gade, que participou da estruturação do evento no Recife.

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