Um ano até Paris-2024: Como se preparam atletas brasileiros, com ou sem vaga garantida
O Globo conversou com cinco deles e conta como cada um lida com a expectativa e a preparação nesta reta final
Hoje começa a contagem regressiva para Paris-2024. Daqui a exato um ano, a capital francesa celebrará os Jogos Olímpicos, com uma festa de abertura inédita no Rio Sena, que ainda preocupa por questões de segurança.
Por enquanto, o Brasil tem vaga garantida em sete modalidades, para um total de 43 atletas, do surfe (Tatiana Weston-Webb e Filipe Toledo estão confirmados) ao futebol feminino — campeã da Copa América de 2022, a seleção foi a primeira equipe do país a se confirmar nos Jogos de Paris. Também estão certas as presenças no rúgbi, no ciclismo BMX e nos saltos ornamentais plataforma 10m — todos no feminino. Há ainda vaga no tiro esportivo pistola de ar 10m (provavelmente Philipe Chateaubriand).
Mas a modalidade com o “cardápio” mais variado é o atletismo, já garantido no arremesso de peso (provavelmente com Darlan Romani), na maratona (provavelmente com Daniel Nascimento), na marcha atlética 20km (provavelmente com Caio Bonfim e Erica Sena), nos 110m com barreiras (provavelmente com Rafael Pereira) e nos 400m rasos e 400m com barreiras (ambas provavelmente com Alison dos Santos, o Piu).
A tendência é essa lista aumentar consideravelmente nos próximos meses. Há vários Campeonatos Mundiais que distribuirão vagas previstos para este semestre. Assim como os Jogos Pan-Americanos de Santiago, no Chile, a partir de 20 de outubro, que contemplarão 33 modalidades com entrada em Paris-2024 de forma direta ou indireta (valendo pontos no ranking).
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O Globo conversou com cinco atletas do país — há quem já esteja garantido, praticamente lá ou ainda precise remar para alcançar seu sonho. E conta abaixo como cada um lida com a expectativa e a preparação nesta reta final rumo a Paris.
Tatiana Weston-Webb (surfe)
Sem concorrentes brasileiras no Circuito Mundial de Surfe e devido à boa colocação no ranking, Tatiana Weston-Webb é presença confirmada em Paris desde abril. A vaga garantida com tanta antecedência pode fazer diferença na classificação final dos Jogos Olímpicos de 2024. Afinal, a surfista já iniciou a preparação de olho no pódio.
— Me sinto mais leve de já ter garantido a vaga, é uma coisa a menos para pensar — conta Tati.
Em sua segunda Olimpíada, a expectativa é ir além da queda nas oitavas de final em Tóquio-2020. Para isso, a surfista conta com um acompanhamento de perto do COB, como parte do Time Brasil. Antes da etapa de Saquarema da WSL, ela esteve no centro de treinamento da entidade, onde fez uma bateria de testes e exames. O Comitê também envia análises e troca ideias com a atleta sobre a preparação para os Jogos.
— O COB tem me ajudado com alimentação, saúde e preparação física. Como surfista, não tem uma sensação melhor do que ter um time ao seu redor — avalia Tati, que fará mudanças nos treinamentos de olho na medalha. — Pretendo fazer adaptações, mas mentalmente e emocionalmente já me sentirei mais preparada tendo a experiência de Tóquio.
Mais uma vez, Tati não curtirá de perto o calor da família olímpica. Desta vez, o surfe será disputado a 15 mil quilômetros da sede. Mais precisamente nas ondas grandes de Teahupo’o, no Taiti, local bem conhecido (faz parte do Circuito Mundial) e que promete competição de alto nível.
Caio Bonfim (marcha atlética)
No atletismo, Caio Bonfim e Erica Sena, os melhores do país na marcha atlética, não devem ter problemas para confirmar suas vagas. Mas, como o período de obtenção de índice se estende até julho de 2024, eles ainda não podem comemorar 100%. O que não significa que já não estejam com a cabeça na França.
— Ainda preciso da confirmação, mas trabalharei com mais confiança e tranquilidade. No Mundial, em agosto, meu foco é somente um novo pódio. Posso, inclusive, me arriscar mais —diz Caio, bronze na edição de 2017.
Ele fez índice olímpico para os 20km em abril, na Polônia. Menos de um mês depois, melhorou sua marca no Grande Prêmio Cantones, na Espanha. Nessa competição, Erica também fez o índice. Além das disputas individuais, eles podem conquistar uma medalha inédita no revezamento misto, que esteia em Paris.
— Terei duas boas chances. A Erica é a melhor atleta do atletismo brasileiro desde a Fabiana Murer (salto com vara). Quando se tem uma companheira como esta, empolga —festeja Caio.
Depois de ficar em quarto lugar na Rio-2016, a cinco segundos do medalhista de bronze, Caio desejou ter uma nova chance de pódio. Não foi em Tóquio, em que o ciclo confuso culminou no isolamento por proximidade com um infectado por Covid-19 na manhã da sua prova, em Sapporo. Ele não foi impedido de competir, mas teve rotina e alimentação alterados:
— Estou mais maduro e treinado. Se a oportunidade me pegar em Paris, estarei pronto para ela.
Luan San (breaking)
Luan Carlos dos Santos jamais imaginou que seria candidato a uma vaga em Olimpíada. Pois, aos 32 anos, ele é. Graças ao breaking, esporte que estreará nos Jogos em Paris. Ao lado de Leony e Rato, no masculino, e de Toquinha, Mini Japa e Nathana, no feminino, ele brigará para representar o Brasil nas ruas da França.
O melhor b-boy do país, Luan San, como é conhecido, vai rodar o mundo atrás da vaga. Em setembro, a oportunidade será no Mundial da modalidade, na Bélgica (apenas o campeão se classifica); na sequência, terá os Jogos Pan-Americanos (também com uma vaga). De março a junho de 2024, serão disputadas classificatórias, com sete vagas disponíveis.
Serão 32 atletas em Paris, 16 por gênero e somente quatro por país (duas para o masculino e duas para o feminino). E duas delas já estão com os anfitriões.
— A missão é trazer medalhas, fazer ranking para alcançar as pontuações e me qualificar para a Olimpíada — projeta Luan, que é arte educador e faz parte do projeto CT Breakin’ Brasil, em Diadema (SP), que oferece aulas a jovens e é o primeiro centro de treinamento da modalidade no país.
Com a entrada do breaking no mundo da competição, algumas coisas mudaram. Um dos elementos da cultura hip hop precisou se adaptar à alta performance. Por isso, o nível técnico tem crescido. Mas Luan, que tem se preparado com treinos físicos, alimentação adequada e disciplina, acredita na força dos b-boys e b-girls brasileiros para fazer bonito em Paris:
— A expectativa está surreal.
Rebeca Andrade (ginástica)
A ginasta Rebeca Andrade, grande estrela do Brasil em Tóquio-2020, quando conquistou uma medalha de prata no individual geral e o ouro no salto, tem a missão de guiar a seleção rumo a um lugar em Paris-2024. E a última oportunidade será o Mundial da Antuérpia, na Bélgica, que distribuirá nove vagas entre 30 de setembro e 8 de outubro.
Rebeca conta ao Globo que a única novidade neste ciclo será no solo. Segundo nova regra da Federação Internacional de Ginástica, as apresentações precisam ser mudadas de quatro em quatro anos. E “Baile de favela” chegou ao prazo de validade.
Desde o início do ano, ela treina a nova coreografia em segredo, apenas quando está sozinha no CT do Comitê Olímpico do Brasil com o coreógrafo Rhony Ferreira.
— Como campeã mundial e olímpica, desta vez ela quis participar de todo o processo. Escolheu as músicas que mais estava ouvindo, e fechamos os trechos de três músicas diferentes. Tem brasileira e internacional. Ela também ajeitou a coreografia de acordo com o seu bem-estar durante a execução — detalha Rhony.
Rebeca acredita que a coreografia pode sofrer ajustes até o Mundial, quando será apresentada pela primeira vez e testará o efeito surpresa nos jurados e no público.
— É preciso treiná-la bastante para pegar resistência, colocar as acrobacias e ver quais mudanças são necessárias — explica a ginasta. —Meu objetivo é estar feliz e saudável para chegar às competições e dar o meu melhor. Quando isso acontece, as coisas fluem.
Marcus D'Almeida (tiro com arco)
Marcus D’Almeida, líder do ranking mundial do tiro com arco (recurvo) desde fevereiro, também não tem vaga garantida. E quer carimbar seu passaporte para França no Mundial da modalidade, em Berlim, na Alemanha, de 31 de julho a 6 de agosto.
— Minha meta é pegar a vaga logo na primeira chance. Para isso, tenho de ganhar medalha no Mundial. Então, é chegar lá e subir no pódio. Tenho chance — diz Marcus, que projeta, assim, um ano de mais tranquilidade para a preparação “puxada” que uma Olimpíada exige. — Para Paris, vou com um arco novo, que já estou usando. Este é um modelo com lâmina mais dura, mais firme (a de Tóquio era mais rápida).
Ele garante que não se deslumbra com a liderança no ranking mundial. E que de nada adianta o posto se não atingir o objetivo maior da medalha olímpica:
— Paris é para pódio. Claro que liderar o ranking era um sonho, e fico feliz de me manter tanto tempo nessa condição. Mas o que me levou a número um no mundo foi o foco na medalha olímpica — avalia Marcus, confiante de que “a melhor fase está por vir”.
Após a prata nos Jogos da Juventude, em 2014, e o ouro no Mundial Júnior, em 2015, ele terminou em 33º na Rio-2016 e aprendeu “com a pressão”. Em Tóquio, caiu nas oitavas de final. Dois meses depois, foi vice-campeão mundial. Desde então, tem acumulado conquistas importantes:
— Tóquio teve aquela decepção, mas foi, ao mesmo tempo, a gasolina para estar aqui. A derrota ensina, e passei a ganhar muito.