"La Négresse": Justiça francesa ordena mudança de nome de bairro, considerado "ofensivo"
França esteve ativamente envolvida no comércio de escravos até abolição da escravatura em 1848; cidade onde bairro fica localizada foi um dos principais portos negreiros
O sistema de justiça ordenou nesta quinta-feira que a cidade de Biarritz, no sudoeste da França, removesse o nome "ofensivo" de um de seus bairros, "La Négresse", um termo pejorativo para designar mulheres negras.
Esta designação constitui um atentado à “dignidade das pessoas” e pode ser vista pela população como “ofensiva às pessoas de origem africana”, indicou o tribunal administrativo de apelações de Bordeaux.
A associação Mémoires et Partages, que promove o trabalho de memória da colonização e da escravidão, pediu em 2019 para Biarritz derrubar as resoluções de 1861 e 1986 que deram esse nome ao bairro e a uma rua.
Após a oposição do prefeito Maider Arosteguy, do partido conservador Republicanos (LR), a associação levou o caso à justiça, considerando a nomeação "racista e sexista".
O tribunal deu agora ao prefeito três meses para pedir ao conselho municipal que revogue as resoluções criticadas e, assim, remova o nome do distrito. A França esteve ativamente envolvida no comércio de escravos desde o século XVII até a abolição da escravatura em 1848. Bordeaux foi um dos principais portos negreiros.
Cerca de 500 expedições partiram desta cidade, localizada a cerca de 170 quilômetros ao norte de Biarritz, com destino à África entre 1672 e 1837, levando à deportação de 120 mil a 150 mil negros.
Segundo historiadores, os soldados de Napoleão atribuíram o nome "La Négresse" a este distrito no início do século XIX devido à presença de uma mulher, possivelmente uma ex-escrava ou descendente de escravos.
Outras fontes atribuem a origem do termo à expressão do dialeto gascão "lane gresse", em referência ao solo argiloso encontrado nesta parte do município.
"Independentemente de sua suposta origem e dimensão histórica", o nome "agora evoca com desprezo a origem racial de uma mulher cuja identidade não foi formalmente identificada", disse o tribunal.
O fundador da associação de demandantes, Karfa Diallo, comemorou uma "decisão histórica". "Essa ofensa já durava muito tempo.
Era hora de acabar com ela", disse ele à AFP. O prefeito de Biarritz lamentou que os tribunais tenham optado por uma "interpretação contemporânea" do nome em vez de sua "explicação histórica" e disse que poderiam apelar ao Conselho de Estado, o mais alto tribunal administrativo.
"Mesmo que os tribunais nos obriguem a mudar nosso nome, o povo de Biarritz continuará a chamá-lo assim", disse Arosteguy à AFP.