SUCESSÃO DO PAPA

Conclave pode ter 'cardeal secreto'? Quem são os 'in pectore' e qual pode ser seu papel na sucessão

Filme ficcional indicado ao Oscar em 2025 levantou dúvidas sobre eventual atuação de líderes religiosos que só são conhecidos pelo próprio Papa

Cardeais no Vaticano - Thomas Coex/AFP

Quem assistiu ao filme "Conclave", estrelado por Ralph Fiennes e dirigido por Edward Berger, já deve ter se perguntado se os "cardeais secretos" podem ter algum papel na sucessão do Papa Francisco, falecido nesta segunda-feira.

Esse tipo de cardeal, identificado pela expressão em latim "in pectore" ("do peito", em tradução literal), pode ser criado pelo Papa sem que a decisão seja tornada pública -- o que, para um desavisado, poderia gerar acréscimos de última hora ao colégio de 135 cardeais que elegerá o sucessor de Francisco. Mas não é bem assim.

Este é um dos casos em que a vida real, a rigor, não repete a ficção. Se no filme indicado ao Oscar em 2025 a aparição de um cardeal "in pectore" movimenta de forma importante o roteiro, no conclave verdadeiro, que escolherá o sucessor de Francisco, não há vez para "cardeais secretos".

A existência de cardeais "in pectore" remonta ao século XVI, e foi uma maneira encontrada por diferentes Papas para evitar riscos de perseguições a lideranças religiosas em contextos sensíveis -- por exemplo, aqueles originários de países que promoviam intolerância e violência física contra cristãos.

Segundo estudiosos do Vaticano, não há qualquer registro de nomeação "in pectore" do Papa Francisco. Isto significa que não há mais a possibilidade de aparição de um "cardeal secreto", já que as nomeações "in pectore" expiram com o falecimento do Papa, caso não tenham sido publicizadas antes.

Na atual composição do Colégio de Cardeais, há um caso de nomeado "em segredo": o cardeal Janis Pujats, arcebispo emérito de Riga, na Letônia. Pujats foi nomeado "in pectore" pelo Papa João Paulo II em 1998. A nomeação foi tornada pública em 2001, durante o consistório daquele ano -- uma espécie de reunião de cardeais, na qual o Papa costuma apontar novos integrantes deste grupo.

Pujats sofreu perseguições, ao longo de sua vida, do governo da União Soviética, que fechou em 1951 o Seminário Teológico de Riga, onde ele estudava. Posteriormente, na década de 1980, ele foi declarado persona non grata pela KGB, a polícia secreta soviética. Com a dissolução do regime soviético, Pujats tornou-se Arcebispo de Riga em 1991.

"Ex-cardeal secreto", Pujats, no entanto, não poderá votar na escolha do sucessor do Papa Francisco. As regras do Vaticano dizem que somente os cardeais que tenham até 80 anos de idade são "eleitores" do novo Papa -- o religioso letão tem 94 anos.