AIEA aponta risco de vazamento radiológico em central do Irã e vê segurança nuclear comprometida
Central nuclear de Natanz foi a mais duramente atingida por bombardeios israelenses, mas extensão dos danos ainda é motivo de disputa entre observadores internacionais e fontes de Israel
O diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), Rafael Grossi, afirmou nesta segunda-feira ter preocupações com a segurança nuclear em meio aos bombardeios de Israel contra centrais do programa nuclear do Irã em meio ao acirramento do conflito entre os países do Oriente Médio.
O diretor alertou para o risco de contaminação radiológica e química dentro da principal instalação de enriquecimento de urânio do Irã, a central nuclear de Natanz, um dos alvos dos ataques israelenses, em meio a divergências sobre a extensão dos danos à instalação.
— Pela segunda vez em três anos, estamos testemunhando um conflito dramático entre dois Estados-membros da Aiea, no qual instalações nucleares estão sendo atacadas e a segurança nuclear está sendo comprometida — alertou Grossi durante uma reunião extraordinária em Viena nesta segunda-feira, traçando um paralelo com o conflito entre Rússia e Ucrânia, em que a maior usina nuclear da Europa, em Zaporíjia, ficou na linha de tiro em diferentes momentos da guerra.
A avaliação da Aiea nesta segunda-feira é de que os danos provocados pelos bombardeios israelenses às instalações nucleares iranianas foram limitados.
A usina de Bushehr, no oeste do país, não foi alvo de nenhum ataque, e a central nuclear de Fordow, a mais bem protegida do Irã, localizada no interior de uma montanha perto da cidade de Qum, não sofreu nenhum impacto. O cenário mais preocupante foi identificado na instalação de Natanz, principal central de enriquecimento de urânio do país, onde os relatos sobre a extensão dos danos diverge.
Grossi afirmou que um componente-chave na superfície de Natanz foi destruído durante o bombardeio israelense, mas que nenhum impacto significativo foi identificado nas partes subterrâneas da central, onde as centrífugas de enriquecimento de urânio estão instaladas.
— Não houve danos adicionais na usina de enriquecimento de combustível de Natanz desde o ataque de sexta-feira — disse o chefe da agência. — Não há indícios de ataque físico ao salão subterrâneo da cascata [onde o urânio estava sendo enriquecido], embora a queda de energia possa ter danificado as centrífugas ali.
O relato é diferente daquele apontado pelas autoridades em Israel, que afirmam que Natanz sofreu um ano extenso. No domingo, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, afirmou que a instalação havia sido destruída em um bombardeio. Uma fonte de segurança ouvida sob condição de anonimato pelo jornal israelense Haaretz afirmou nesta segunda-feira que informações de inteligência indicam que danos significativos foram impostos aos pisos subterrâneos de Natanz.
Apesar do relato de inteligência, a Aiea aponta que o nível de radioatividade fora da usina permanece inalterado e em níveis normais, indicando ausência de impacto radiológico externo desde os ataques de sexta. O risco, segundo Grossi, é de que haja um vazamento de radiação ou de químicos no interior da instalação, representando um perigo para quem está diretamente em solo no local, em caso de inalação ou ingestão.
Quando Israel lançou o que classificou como um "ataque preventivo" contra o Irã na sexta-feira (noite de quinta em Brasília), apontou como principal alvo o programa nuclear iraniano, acusando a nação persa de tentar desenvolver armas nucleares. No mesmo dia em que os primeiros bombardeios foram confirmados, Grossi pediu que as partes exercessem o máximo de contenção, e disse que instalações nucleares "nunca devem ser atacadas".
Natanz, localizada a cerca de 220 km a sudeste de Teerã, é uma peça-chave do programa nuclear do país, que o regime dos aiatolás afirma ter fins pacíficos. Ela contribuiu para a ampliação da produção de urânio a 60% — um nível de pureza muito acima do necessário para a maior parte do uso civil (usinas nucleares, por exemplo, normalmente usam urânio enriquecido de 3% a 5%), mas abaixo dos 90% para desenvolvimento de armas nucleares.
Relatórios da própria Aiea nos últimos anos vinham apontando para o enriquecimento de urânio pelo Irã em ritmo acelerado. Um relatório de maio do ano passado indicava que o país havia obtido 408,6kg de urânio 60%, tendo produzido 133,8 kg em três meses. Em março de 2023, a agência notificou ter encontrado "partículas" de urânio enriquecidas com 83,7% de pureza.
Apesar do enriquecimento de urânio para uma bomba no padrão das produzidas por EUA e Rússia precisar ser de 90%, analistas apontaram anteriormente que a preocupação com o urânio a 60% não era apressada. Em um ensaio publicado em 2021 — quando o enriquecimento do urânio iraniano começou a chamar a atenção das autoridades — o Instituto Internacional para Estudo da Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês), apontou que as centrífugas utilizadas no processo são projetadas para cumprir em etapas. O salto de enriquecimento de 60% para 90%, portanto, poderia acontecer "em um período muito curto", na avaliação dos pesquisadores do instituto.
Embora tenham emitido relatórios demonstrando preocupação com os desdobramentos do programa iraniano — incluindo uma resolução aprovada na quinta-feira contra o Irã por incumprimento de suas obrigações de não-proliferação nuclear, a preocupação imediata da Aiea se voltou aos ataques sofridos pelas instalações.
Uma declaração conjunta assinada por representantes de Rússia, China, Paquistão, Iraque, Bielorrússia, Burkina Faso, Cuba, Indonésia, Nicarágua, Venezuela e Irã na Aiea enfatizou que qualquer ataque armado ou ameaça contra instalações nucleares dedicadas a fins pacíficos constitui uma violação dos princípios da Carta da ONU, do direito internacional e do estatuto da agência.
Em Viena, Grossi disse que a Aiea "não ficaria de braços cruzados durante esse conflito" e prestaria assistência ao Irã.