Educação financeira ainda é um desafio no Brasil, apesar do interesse
Pesquisa do Ipespe realizada no Nordeste, revela que 60% da população desconhece conceitos básicos, enquanto especialistas apontam a necessidade de políticas públicas e ensino formal para mudar esse cenário
Para muitos brasileiros, equilibrar o orçamento e planejar as contas do mês continua sendo uma tarefa difícil. A falta de estabilidade financeira e a baixa instrução sobre o tema dificultam a organização do orçamento pessoal e, muitas vezes, acabam gerando frustração. De acordo com a pesquisa semestral do Observatório Febraban, realizada pelo Instituto Ipespe, 60% da população afirma não entender de educação financeira. Ao mesmo tempo, 90% reconhecem a importância do assunto.
Apesar da consciência sobre a relevância do tema, ainda é preciso mais para uma mudança de comportamento, segundo a diretora-executiva do IPESPE, Marcela Montenegro.“Tanto no Nordeste quanto em outras regiões, esse GAP entre consciência e prática está relacionado a diversos aspectos, como falta de uma cultura de educação financeira que promova, ao longo da formação das pessoas, habilidades práticas, conhecimento de ferramentas e informações para aplicar esses conceitos no dia a dia”, apontou.
Problemáticas
Além da baixa instrução no tema, a desorganização financeira no Brasil está longe de ser apenas uma questão individual. O problema é atravessado por diversas fragilidades, como a insegurança econômica, onde os gastos básicos superam a renda mensal.
De acordo com levantamento da Dieese, o salário mínimo necessário para a manutenção de uma família de quatro pessoas deveria ser de aproximadamente R$ 7 mil reais. O cálculo considera custos com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência.
O sociólogo e presidente do Conselho Científico do IPESPE, Antonio Lavareda, chama atenção para o fato de que a desorganização financeira leva ao endividamento. “Educação financeira e endividamento são temas afins: a dificuldade de controlar gastos leva muitas pessoas a contrair dívidas para cobrir despesas e imprevistos. No entanto, o mesmo contexto de desorganização financeira aumenta o risco de inadimplência”, afirmou.
Organização
Em um país com alta insegurança econômica, a pouca intimidade com a organização dos custos é mais um obstáculo, de forma que, o assunto deveria estar presente desde o ensino básico.
O tema já é um assunto previsto na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), mas apenas de forma transversal, ou seja, é integrada a outras matérias, não sendo uma disciplina obrigatória. Em abril deste ano, o Projeto de Lei 1.510/2025 propôs que o tema se juntasse às matérias obrigatórias – como português, matemática, história – nos currículos da educação básica do país.
Economista, Rhaldney Piauilino destacou que a falta de acessibilidade ao tema é, de fato, um percalço. “Muita gente depende da internet para aprender, mas ainda tem comunidades com sinal fraco, dados móveis limitados ou até mesmo sem conexão. Isso cria uma barreira real para aprender sobre finanças”, afirmou.
Para ele, é urgente que a educação financeira seja promovida em conjunto com políticas públicas, e destacou a importância de ampliar o acesso ao tema de forma democrática.“Enquanto essas estruturas, como acesso à educação de qualidade, renda mínima, internet, cultura familiar e políticas públicas, não forem fortalecidas, a educação financeira vai continuar sendo um privilégio para poucos, quando deveria ser um direito de todos”, pontuou Piauilino.
Dificuldades
A dificuldade em manter o controle financeiro, mesmo com boas intenções, é uma realidade para muitas pessoas. É o caso da autônoma, de 55 anos, Jussara Carvalho, que admite não conseguir seguir o planejamento que faz todos os meses. “Minha maior dificuldade é cumprir o combinado comigo mesma. Eu faço o cronograma mensal, mas, no fim do mês, sempre surgem despesas consideradas ‘imprescindíveis’”, relatou.
Jussara se reconhece como uma pessoa ansiosa e consumista, o que, segundo ela, interfere diretamente nas decisões do dia a dia. “Sempre penso que determinado gasto é necessário. No fim das contas, são esses pequenos gastos que desorganizam tudo”, contou.
Ela também reconhece que, embora tente se planejar, nunca contou com orientação profissional, o que, para ela, pode explicar a dificuldade em alcançar resultados efetivos.
“Até deveria constar da grade de ensino como matéria obrigatória na escola durante os três anos do ensino médio, assim, ao entrar no mercado de trabalho, os jovens já saberiam como administrar seu salário”, afirmou.
Dicas
Para ajudar a enfrentar as dificuldades que muitas pessoas enfrentam ao tentar organizar as finanças, a reportagem da Folha de Pernambuco conversou com o educador financeiro Thiago Senna. Segundo ele, o primeiro passo é fazer um verdadeiro raio-x da vida financeira, reunindo e registrando todas as despesas em um único lugar.
“Não precisa de planilha de Excel mirabolante. Eu conheço pessoas que fazem o controle da vida financeira num papel, num caderno, muito melhor do que quem tem uma planilha. Mas, o que muda é a decisão da pessoa de fazer da forma certa, profunda e analítica”, aconselhou.
A forma de realizar o controle é pessoal. A recomendação é testar as diferentes formas de registrar os seus gastos mensais, seja por vias analógicas como papel e caneta, ou digitais como aplicativos de celular.
O controle de gastos, segundo ele, deve ser feito da maneira mais simples e funcional possível, sem se tornar uma fonte de sofrimento, elencando todos os gastos do mês. “Não vou dizer, de forma alguma, que controlar gastos é algo prazeroso. Mas, também não pode ser uma atividade que gere angústia. Tem que ser algo que faça parte da dinâmica do dia a dia”, destacou.
Custos
Para um bom planejamento mensal, é fundamental entender a diferença entre despesas fixas e variáveis. “Se você precisa ter aquela despesa todos os meses, ela é fixa. Já se é algo que pode variar ou nem acontecer em certos períodos, trata-se de uma despesa variável”, avaliou.
Segundo Senna, uma das maiores confusões das pessoas está em classificar como variável uma despesa que, na verdade, é fixa, mas com valor mensal oscilante, como transporte, luz e alimentação.
Ele exemplifica: “Pode ter um mês em que você utiliza mais ou menos o transporte. Por exemplo, um mês com mais dias úteis ou com mais feriados. Consequentemente, você vai ao trabalho mais ou menos vezes e, assim, gasta mais ou menos. Mesmo com essa variação, a despesa com transporte continua sendo fixa. Por isso, o ideal é trabalhar com médias mensais nesses casos”, afirmou.
A dica, segundo o especialista, é adotar um controle anual para os gastos variáveis, como o IPVA. “Se eu tenho um IPVA de R$ 1.200, que eu sei que vou ter que pagar todos os anos, eu coloco no meu orçamento que tenho a despesa de R$ 100 todos os meses para me preparar para o IPVA. E aí, o que é que eu faço com essa despesa? Se eu coloquei essa despesa no meu orçamento, eu preciso dar destino. Então, você guarda esse dinheiro em alguma aplicação financeira que tenha a possibilidade de resgate rápido, fácil e de baixo risco.