The Town: Artistas que são a mais completa tradução de SP ganham espaço no festival paulistano
Entre a MPB e o rap, o funk e o punk, Jota.pê, MC Hariel, Stefanie, Dexter e Clemente Tadeu, dos Inocentes, falam de como a cidade acabou fazendo parte da sua música
Mais do que apenas sediado em São Paulo, o The Town traz, na programação, artistas cujas carreiras se desenvolveram nesta cidade gigante, cosmopolita, celeiro de inúmeros movimentos musicais que mobilizaram diferentes bairros, cidades próximas e gerações antes de ganhar o país.
Entre eles, está o cantor e compositor Jota.pê, que se apresenta dia 14 no Palco The One, com o pernambucano João Gomes. Ganhador de três Grammys Latinos no ano passado, o artista nascido em Osasco agora experimenta a fama com o projeto Dominguinho, que tem com João e o sanfoneiro Mestrinho.
— São Paulo é uma junção de muitos povos — diz o cantor, de 32 anos. — Mas consigo sentir cheiro de São Paulo nas músicas que são feitas pelos artistas daqui, do mesmo jeito que a gente consegue sentir cheiro de Bahia em quem faz música por lá. Consigo sacar essa dureza do concreto, essa garoa, esse cinza, esse excesso de frieza e de análise em algumas coisas minhas. Mas acabo sempre tentando puxar um pouquinho para esse sol que vem do Nordeste.
Osasco foi o lugar onde Jota.pê começou a construir sua identidade musical.
— Meus primeiros encontros musicais foram em Osasco. E um muito importante, porque eu estava querendo desistir da música e comentei isso com o dono do estúdio onde ensaiava. Ele falou: “Cara, vem aqui, vamos trocar uma ideia” — conta. — E, quando eu cheguei lá, estava o Fernando Anitelli, do Teatro Mágico, que é de Osasco também. Ele parou para me contar toda a história do teatro, de como ele começou tocando na rua para pagar o primeiro disco, e aquilo me deu energia para continuar.
Atração deste sábado no Palco Quebrada, com o MC Marks, MC Hariel é hoje um expoente paulistano do funk, estilo que surgiu no Rio nos anos 1990 e chegou a SP via Baixada Santista, nos anos 2000.
— Nove MCs da Baixada, que cantavam funk consciente, foram assassinados em alguns anos — recorda-se Hariel, de 27 anos, que tem uma tese sobre o tema. — Assim, o funk veio para São Paulo com esse tom mais de ostentação, um tom mais leve, muito também por medo da exposição que os MCs sofreram naquela época. Essa onda vai dar no que é hoje, o funk superação, que é onde eu mais me encaixo.
Nascido em Vila Aurora, na Zona Norte, Hariel perdeu o pai quando ainda era novo. Com 12 anos, estava entregando pizza e lavando carro para ajudar a mãe.
— Eu sou um cara que ama muito essa cultura hip-hop. Não tem nem como ser paulistano e não gostar de rap, só que eu vi no funk uma maneira mais descontraída de poder fazer meu som.
Prisão e superação
MC das primeiras gerações do rap paulistano, Dexter, de 52 anos, é convidado do show do sambista Péricles, dia 13, no Palco Quebrada. Marcos Fernandes de Omena foi revelado com o 509-E, dupla formada no fim dos anos 1990 com Afro-X quando os dois estavam em regime fechado no Presídio do Carandiru (Dexter cumpria pena por assaltos).
— Começo a cantar rap nos anos 1990, e já ali o Péricles fazia samba em uma casa chamada Choppapo, em São Bernardo — conta. — Além do meu grupo de rap na época, o Snake Boys, eu tinha também um de samba, o Pura Amizade.
Um dos maiores sucessos de Dexter é “Saudades mil”, do 509-E. Um rap em clima romântico, no qual o MC basicamente lê uma carta escrita para uma amiga da quebrada, lembrando os bons tempos da adolescência e dos descaminhos que o levaram à prisão:
— A personagem principal dessa música é uma amiga de Diadema, que escreveu uma carta me contando sobre a filha e sobre o assassinato do marido. As pessoas da letra ainda estão lá, no seu dia a dia, trabalhando, indo a festas. São pessoas felizes, batalhadoras. É importante serem lembradas.
Revelação aos 41 anos, Stefanie (que abre dia 13 o Palco Factory) deu seus primeiros passos nos anos 1990, influenciada pelo irmão, DJ em Santo André:
— Conheci a cultura hip-hop aqui em Santo André, mas foi em São Paulo que fiz amigos que gostam de rap .
Pioneiro do punk brasileiro (o estilo roqueiro teve sua primeira acolhida nacional na periferia paulistana), Clemente Tadeu Nascimento, de 62, cantor, fundador e líder dos Inocentes (que se apresentam este domingo, com Supla, no The One) lembra de a banda ter passado por duas fases: a primeira, “bem no seio do movimento punk”, e outra mais no Centro, junto das bandas de rock.
— Aí a gente esbarra com todo mundo, tocando com o Ira!, Mercenárias, Zero, Violeta de Outono... de repente, estava inserido — recorda. — Hoje, tem várias bandas novas em São Paulo. Eu mesmo estou em estúdio produzindo o Punho de Mahim (que toca domingo, no Palco Quebrada, com a MC Taya).